Politícia e Sociedade 20/03/2025 13:50:29
Podemos ligar a Saúde Mental com a Política? E, a partir desta perspectiva, como a Democracia pode interferir no plano da Saúde Mental?
Trago este tema pois há uma tendência dentre os profissionais no campo da saúde mental de adotarem certa neutralidade de posicionamento político em função da atuação profissional. Há uma confusão quanto ao limite existente entre se posicionar politicamente na Sociedade e influenciar pacientes do sistema da saúde mental, tanto no âmbito público e/ou privado. Eis que surge a questão: O Psicólogo pode ter uma posição quanto à sua percepção política?
Na atuação direta como Psicólogo, preciso ter respeito sobre as diferentes escolhas e visões dos diferentes pacientes que atendo, tanto quando estou atuando no processo clínico individual quanto em uma intervenção institucional. É preciso não se posicionar por um lado específico, pois não estarei em um campo de ação política direta, como na partidária. Mas isto não anula ter uma visão política e um lado de escolha, principalmente quando diz respeito ao processo eleitoral ou à atuação partidária.
Já passei por situações muito constrangedoras no início de minha carreira profissional, pois atuava numa cidade pequena com clínica particular para crianças adolescentes e adultos, e participei de um grupo político para eleger um prefeito novo na cidade, a qual estava polarizada em dois políticos tradicionais que nunca queriam sair da prefeitura há anos. E, neste processo externo à clínica, houve tentativa de depreciar minha ação como Psicólogo ao colocarem pessoas como pacientes para investigar se eu estava fazendo campanha para o meu candidato dentro do atendimento clínico. Como sempre soube separar estas instâncias, entre a ação profissional específica e a minha postura como cidadão implicado com o município, soube perceber e manter um posicionamento de neutralidade.
Em outro município, também como cidadão envolvido na campanha de um prefeito que poderia representar renovação política local por meio de processos eleitorais arraigados, o clima era tão pesado que chegava ao ponto de famílias locais nem se falarem, chegando ao ponto em que fui até ameaçado de morte. Mas, como tinha clínica particular em outro município próximo, os mesmos que me ameaçavam na cidade onde estava apoiando candidato, eram meus pacientes na clínica da outra cidade.
O Impacto da Polarização na Sociedade
O Brasil, após a campanha de Bolsonaro contra Lula e a polarização da discussão política como disputa de torcidas de futebol, viu o tensionamento sobre o debate político se tornar arraigado ao extremo, a ponto de familiares e amigos de longa data cortarem laços terminantemente. Até então, sempre me posicionei politicamente nas cidades nas quais morei, até atuando em partido político na condição de cidadão por entender que a política partidária é um caminho de colaborar, sim, na construção de leis justas e solidárias dentro de um referencial democrático.
No entanto, o diálogo político tornou-se inviável em qualquer instância, pois sempre haverá uma dinâmica de ataque e defesa entre lados, sem elaborações mais substanciais. Saudade hoje daqueles tempos em que uma família podia colocar seus adesivos nos carros disponíveis durante o período eleitoral, mesmo que fossem votos divergentes. Agora, este movimento se tornou impensável. Com isso, começamos a ver as divisões familiares e os ataques emocionais e, consequentemente, o crescente processo de adoecimento emocional nas famílias.
Nosso Brasil ficou politicamente burro. Quem é a Direita, quem é a Esquerda, e quem é o Centrão, num personagem político ou financeiro? Diante deste quadro, o exercício clínico passa a requerer do profissional muito mais cuidado.
A Psicanálise e a Realidade Social
Freud, em seu clássico texto “Mal estar na civilização”(1929), já nos alertava sobre as ambivalências no processo de construção cultural e na polarização entre vida e morte com regras morais de ordem pública e/ou religiosa que determinem o controle egóico sobre as pulsões (eros e thanatos – vida e morte), apontando que o desejo de uma Humanidade que pudesse ter uma convivência no coletivo e, ao mesmo tempo, atendendo às necessidades pessoais, gerando sempre os conflitos entre o Bem Comum e individual. Freud cultivou, sim, a esperança de uma Humanidade que cultuasse e vivesse o Bem Comum, principalmente em um período no qual a Europa estava contaminada por guerras e poderes ditatoriais. A Psicanálise em si, a partir de Freud tem um olhar voltado para o bem estar individual no campo emocional, mas numa perspectiva coletivista, onde processos internos pessoais são influenciados por demandas externas culturais e vice-versa.
Assim, para quem manuseia a Psicanálise, dificilmente verá alguém que não tenha como parâmetro no coletivo a prática da Democracia, ou, numa linguagem psicanalítica, em que o direito a desejar é para todos e todas. Desta maneira, diante do atual cenário paranoico da política brasileira, já vemos pessoas dizendo que psicanálise é coisa de comunista. Quem sabe, por isso mesmo a ascensão das psicoterapias comportamentais, muito utilizadas para controles de massas populares no regime nazista. Hoje, até líderes religiosos são denominados comunistas quando preconizam o bem comum e ações de solidariedades para os menos favorecidos em uma homilia ou pregação. Desta forma, se instaura uma insanidade coletiva, e, com isso, um crescimento paulatino dos sintomas patológicos mentais nos indivíduos.
Pelo modelo democrático, podemos visualizar o Bem Comum. Já por modelos políticos autoritários/totalitários, vemos a busca do bem para si e/ou grupos específicos que se unem para defender e proteger seus patrimônios e convicções enviesadas. Pela Democracia, se visualiza uma partilha que, inclusive, é preconizada na Bíblia - principalmente no livro “Atos dos Apóstolos” - e, pelos sistemas ditatoriais, se evidencia o medo de perder privilégios pessoais ao pensar em tal partilha.
Mas chego no ponto de meu desejo inicial nesse texto de hoje, de vermos que o adoecer mental na sociedade brasileira dá-se pela polaridade intransigente de idéias, na qual não se debate, pensa ou reflete sobre nada, em que pensamentos se tornam hermeticamente fechados e o egocentrismo está em primeiro plano. Também por vermos um país que se intitula democrático, no governo para o bem comum, tendo 59 milhões de brasileiros na faixa da pobreza. Mais de 50% dos brasileiros estão na classe D e E. Assim, ao preconizarmos que somos um país democrático simplesmente por que votamos, sem perceber que Democracia é o exercício da deliberação do Bem Comum, os índices denunciam uma realidade drástica de diferença social, e contradiz o discurso estabelecido, gerando um fator altamente favorável ao desenvolvimento de doenças emocionais, levando a índices assoladores indicando que 60% da população demonstra estar com ansiedade e/ou depressão.
Mesmo a psicanálise, a partir de Freud, tendo um olhar de bem estar na perspectiva de uma Humanidade que conjuga o Bem Comum, ao longo dos anos muitos psicanalistas se posicionaram com neutralidade, como se as demandas políticas e o sistema de governo não fossem elementos que influenciam na estrutura psíquica das pessoas. Mas esta postura é decorrente da elitização da psicanálise que, de alguma forma, foi se prestando ao serviço de uma elite dominante que representa parte dos que temem a Democracia. Tanto é verdade que o golpe militar de 1964 no Brasil, basicamente sustentado pela oligarquia ruralista, não difere muito da tentativa de golpe do Oito de Janeiro, também financiada por alguns setores da elite brasileira.
O Papel da Psicanálise
Com isto, a psicanálise e o psicanalista não vão entrar nas escolhas pessoais dos pacientes. Faço um paralelo com o pastor que não vai receber em sua igreja apenas pessoas que pensam em uma única condução política, ou no Padre que excluiria quem diverge de seu pensamento político. As Igrejas são para todos que as buscam, assim como o processo psicoterapêutico. Não vou colocar juízo de valores ou direcionamento sobre a prática política que os pacientes seguem. Porém, se na prática política e desejo de Sociedade, estiver prevalecendo um sintoma comportamental que remete a um transtorno comportamental, surge a necessidade de se pontuar e interpretar.
Segundo Freud, a Psicanálise é o Social, e, pelo seu olhar, poderemos colaborar na leitura da Sociedade também no campo da Política, pois o ser humano expressa seus desejos e pulsões neste campo, podendo transferir suas neuroses e paranoias para a prática política. De fato, pessoas com um controle obsessivo muito intenso, com estruturas plenamente egoístas, tendem ao domínio e ao controle, prato cheio para os autoritários; Conversamente, pessoas com maior potencial de vínculos positivos e tendências mais altruístas, tendem a se solidarizar e partilhar mais. Lógico que há muitas variações comportamentais que farão com que as pessoas se vinculem à política de forma perversa ou com foco no Bem Comum, mas pontuo aqui duas vertentes que, a meu ver, são as mais comuns.
Diante disso tudo, os conceitos de Saúde Mental, Política e Democracia estão intrinsecamente conectados, tornando impossível a escuta de um paciente sem observar as forças culturais sobre ele exercidas como propulsores na construção da estrutura psíquica. Neutralidade em psicanálise não é uma realidade absoluta, e uma prática preconizada por Freud. Por isso, a política brasileira e a falsa democracia em que vivemos tem predisposto os brasileiros ao sofrimento emocional. Pois a demanda emocional não está apenas relacionada à individualidade de cada pessoa dentro de seu restrito círculo familiar. Assim, a ética da psicanálise é de ir de encontro a estas percepções e integrar as demandas pessoais internas à realidade em que cada um está inserido. Mesmo que possam nos confundir com comunistas.
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Politícia e Sociedade 20/03/2025 13:50:29 58
Podemosligar a Saúde Mental com a Política? E, a partir desta perspectiva, como a Democracia pode interferir no plano daSaúde Mental? Tragoeste tema pois há uma tendência dentre os profissionais no campo da saúdemental de adotarem certa neutralidade de posicionamento políticoem função da atuação profissional. Há uma confusão quanto ao limite existente entre se posicionarpoliticamente na Sociedad...
Politícia e Sociedade 09/12/2024 17:06:42
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Politícia e Sociedade 09/12/2024 17:06:42 921
É possível um país com um abismo entre pobres e ricos que alcança uma diferença de renda de 14,4 vezes ter saúde emocional? Hoje em dia, quando se fala sobre projetos sociais para diminuir a pobreza, e até mesmo iniciativas solidárias focadas nos mais pobres, muitas vezes surgem críticas de que são ações de esquerda. Lembro-me duma situação em que uma pessoa acreditava que o padre de sua paróquia,...
Politícia e Sociedade 04/12/2024 08:47:35
Geralmente, ao longo de nossas vidas, passamos por muitos lugares: bairros, cidades, estados e países. E, após um certo tempo, surge a pergunta: qual a marca que deixei por onde passei?
Este artigo vem de encontro a esta pergunta. Fui inspirado a escrevê-lo a partir de uma solicitação de um amigo de Piraju-SP, Valberto Zanatta, que atualmente é vereador na cidade, para que eu e minha esposa, Maria Celina, recebêssemos o título de Cidadão de Piraju-SP pelos relevantes trabalhos que prestamos no município durante os anos de 1991 a 1994. Após 30 anos, retornaremos a essa cidade para sermos homenageados pelas marcas que deixamos no referencial coletivo daquela comunidade. O interessante é que encontraremos duas gerações: aquelas pessoas que estavam lá naquela época e hoje são adultas, com seus filhos criados, e muitos jovens da cidade, que nem sequer haviam nascido quando minha esposa e eu morávamos em Piraju.
Piraju-SP marcou o início de minha carreira profissional como psicólogo e também o início de meu casamento com Maria Celina. Foi nesta cidade que geramos nosso primeiro filho, Samuel Iauany, que nasceu em 1992, na maternidade deste município.
Ficamos felizes em saber que deixamos marcas positivas naquela cidade e que hoje somos reconhecidos publicamente com o título de Cidadão Pirajuense.
Essa pergunta, de fato, não pode deixar de ecoar em nossa jornada de vida: qual a marca que deixei e deixarei por onde passei e passarei?
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Politícia e Sociedade 04/12/2024 08:47:35 924
Geralmente,ao longo de nossas vidas, passamos por muitos lugares: bairros, cidades,estados e países. E, após um certo tempo, surge a pergunta: qual a marca que deixei por onde passei? Esteartigo vem de encontro a esta pergunta. Fui inspirado a escrevê-lo a partir deuma solicitação de um amigo de Piraju-SP, Valberto Zanatta, que atualmente évereador na cidade, para que eu e minha esposa, Maria Ce...
Politícia e Sociedade 18/11/2024 10:26:52
A Lei Federal 14759 de 2023 transformou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra em feriado nacional, 12 anos após sua institucionalização. Esta é uma luta de longa data, remetendo desde o tráfico de negros pelos navios negreiros, incluindo mais de 600 rebeliões de escravos em alto mar registradas, tendo 26 casos registrados nos quais as tripulações tomaram o controle dos navios e retornaram para suas regiões africanas. Assim, o movimento revolucionário sempre foi baseado na resistência à escravidão e, se observarmos o quantitativo de quilombos que ainda hoje resistem no Brasil - segundo o IBGE são 494 quilombos espalhados no território brasileiro com uma população que chega a 1,3 milhões - entendemos a atualidade dos movimentos negro, que diz respeito à posição de um povo que vivia em seus territórios no Continente Africano e que foi transformado em mercadoria após capturado por colonizadores europeus para força de trabalho escravo.
Foram 360 anos de tráfico negreiro no Brasil e 136 anos de uma falsa abolição, pois foi lhes dada a liberdade sem a possibilidade de terem terras para plantar. Saem das porteiras que os escravizavam e retornam para trabalharem para seus ex proprietários. E percebemos estes ecos vividamente nos tempos atuais.
Hoje, temos um grande número de movimentos negros no Brasil, tendo destaque o Movimento Negro Unificado MNU, UNEGRO Brasil, e centenas de coletivos que estudam e buscam a ancestralidade da diáspora africana no Brasil anterior à escravatura. Temos as teses de doutorados nas ciências humanos, Psicologia, Sociologia, Antropologia, Filosofia, História, etc, produzidas por pesquisadores negros e negras nas Universidades Federais do Brasil, graças ao incremento das cotas raciais. E não é à toa que muitos questionam as cotas raciais, pois elas causam exatamente a eclosão da verdade do Brasil escravocrata.
Desta forma, o feriado de 20 de novembro se difere de outros feriados no Brasil devido ao caráter de conquista dos movimentos negro ao longo da História. Enquanto nos demais feriados apenas curtimos a possibilidade de celebração simbólica e tempo livre (levando muitos empresários a reclamarem dos mesmos), este feriado faz emergir as barbáries de um país genocida, racista e que ainda colhe trágicos dados sociais pela gritante diferença socioeconômica. Para mim, este é o principal de todos os feriados, pois faz-nos lembrar da memória social que o país tentou apagar da História Oficial. Sendo assim, quero então trazer três pontos cruciais que fazem deste feriado motivo de incômodo, dentre tantos outros:
A estimativa é que 14 milhões de escravos morreram ao longo do período de tráfico pelos navios negreiros no Atlântico, tendo cerca de 60% dessas mortes ocorridas em alto mar. Nos 360 anos de tráfico registrado, foram capturados em torno de 24 milhões de africanos dentre diferentes países. Mas nossa história colonialista evidencia recorrentemente apenas o genocídio provocado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, que levou à morte 7 milhões de Judeus (metade do que aconteceu com o tráfico negreiro). O Brasil foi o país mais escravista das Américas, recebendo aproximadamente 40% dos escravos vendidos dentre os países americanos, com uma perspectiva de aproximadamente 5 milhões de escravos.
O processo foi tão cruel que, nas embarcações oficiais, tinha o “Livro dos Mortos”, o qual computava o quantitativo de escravos mortos durante o translado no Atlântico e que causou, inclusive, a mudança da rota marítima dos cardumes de Tubarões, que devoravam os escravos mortos jogados em alto mar. Muitos escravos entravam em depressão e, uma vez estando no Brasil, sua expectativa de vida era de 33 anos de idade. Se levantarmos o número de negros que morreram por chibatadas, falta de estrutura de moradia e trabalho intenso diário, não vamos obter respostas claras. Mas, com certeza, o genocídio continuou e continua até hoje, mas agora sob os punhos da polícia militar brasileira e da ausência do estado nas comunidades periféricas, onde a população negra chega a 70%. No livro “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves, podemos visualizar este cruel genocídio da colônia imperial brasileira.
Aqui, temos outro elemento que constrange muitos cristãos, e, no Brasil, em especial os Católicos. Porém o posicionamento dos cristãos também não foi nada adequado ao Cristianismo nos países da América. Nos Estados Unidos, os vilões cristãos eram os pastores da Reforma Protestante vinculados ao Presbiterianismo, como retrata tão bem a escritora Maryse Condé em seu livro, “Eu, Tituba – Bruxa negra de Salém”, romance que parte de um episódio real da história da escravatura dos Estados Unidos e mostra o quanto as Igrejas Cristãs nos Estados Unidos também estavam atreladas à escravatura institucionalizada.
Em 1452 o Papa Nicolau V expediu uma Bula Papal que autorizava a captura de pagãos, incrédulos e ditos inimigos de Cristo. Assim, a Coroa Portuguesa, sob proteção divina, estava livre para invadir países da África e capturar seus cidadãos como escravos. O Papa Nicolau V era tido como humanista e defensor do Renascimento, mas não conduziu sua visão então iluminada para os povos da África. Para que houvesse respaldo, criaram teses teológicas baseadas na ideia de que, no episódio em que Caim matou Abel, este foi expulso do Éden e seguiu para regiões da África, se estabelecendo e condenando seus descendentes (os negros) à perdição. Outra defesa teológica, também presente no Velho Testamento, vem do episódio em que Cam é amaldiçoado pelo pai Noé, após o dilúvio. Cam viu Noé deitado nu após ter-se embriagado, e foi contar aos irmãos. Assim, Cam teria partido com sua maldição imposta por Noé para regiões da África.
Durante a escravatura no Brasil, muitos Bispos e Padres ganhavam benefícios financeiros com o tráfico negreiro. Em torno de cinco das maiores congregações religiosas da época, compraram escravos e favoreceram os trâmites logístico para a Coroa Portuguesa, como foi o caso da Congregação dos Beneditinos, que tinham mais de mil escravos para trabalhar em fazendas de propriedade da Congregação entre Rio de Janeiro e São Paulo. Muitos conventos de países da América Latina prestavam suporte ao recebimento dos capturados, onde eram trocados seus nomes de origem por nomes cristãos e batizados. Tais serviços eram remunerados pela Corte.
Sabemos que, em todas as religiões de base Cristã, há lideranças religiosas que sempre defenderam a liberdade e lutaram contra qualquer forma de escravidão. No entanto, estas são ações individuais e de grupos isolados, que acabam não representando a postura das instituições em si, tanto no Catolicismo como nas diferentes Igrejas da reforma protestante, ou o que hoje chamamos Evangélicos. A História oficial poupou estas instituições que, direta ou indiretamente, colaboraram com a escravatura no Brasil. Para quem está vinculado a uma religião de base cristã, sabemos que é preciso estar inteirado da história da religião que segue, e se posicionar a partir da consciência que carrega. Mas falar destes episódios que aqui apenas estou pincelando brevemente, traz, sem dúvida alguma, muito incômodo para quem pratica religião.
Quando o Brasil já tinha 70% da sua população entre negros, pardos, mestiços e indígenas por volta de 1870, a saída política e econômica foi o projeto de branqueamento, com o incentivo da Coroa de financiar as viagens de imigrantes europeus. A ideia principal seria estabelecer um branqueamento paulatino, à medida em que europeus fossem se envolvendo com os negros. Porém, argumentos que camuflavam esta intenção, dizendo que os europeus já estavam adaptados ao processo de industrialização, ajudando a modernização do Brasil. Muitos receberam até garantias de empregos e terras para produzirem. O Brasil tinha que desfazer a ideia de um país africano no cenário comercial mundial. E, para respaldar ainda mais esta estratégia, intelectuais, ao longo da História subsequente, criaram o sentimento nacional de existência da democracia racial no país. Este pensamento e sentimento ainda hoje é muito veiculado na produção musical, filmes e novelas. Continuamos acreditando que somos um país abençoado por Deus, e que não temos guerras e que o racismo estrutural é um mito.
Diante de todos estes tópicos apresentados, o feriado de 20 de novembro ser celebrado nacionalmente pela primeira vez a partir de 2024, faz criar novas perspectivas, vislumbrar um pais da igualdade de direitos, um pais antirracista. Porém, as sequelas destes 360 anos de tráfico negreiro e subsequente falsa abolição, até agora percebida na realidade do povo brasileiro, são imensuráveis. Mas só podemos vislumbrar um futuro se olharmos para a História com a noção clara de como chegamos neste ponto. E este olhar faz sofrer, chorar e enojar. Este processo de conquista de direitos sociais e reparações históricas sobre o sofrimento dos negros da diáspora africana no Brasil precisa ecoar na voz dos muitos movimentos sociais que incansavelmente estão gritando, denunciando e reivindicando direitos. Este 20 de novembro é a força e a esperança na construção de uma nação livre das desigualdades sociais.
Os índices de depressão e doenças emocionais no Brasil não surgem do nada. São resultado de uma história de genocídio, destruição de laços familiares e culturas. Só uma ação voltada para a reconstrução da dignidade de todos os cidadãos deste país, dentro da ideia de equidade de direitos e condições dignas de vida, poderá reverter esta trajetória que nos condena ao fracasso enquanto nação. Ser profissional de Psicologia apenas voltando o olhar para demandas individuais, sem estar conectado com a História e a realidade que nos rodeia, é, no mínimo, mais um ato colonialista elitizante.
Hoje, nosso maior problema social é o racismo que impera na política, religiões cristãs e na exclusão social. Não existe sociedade antirracista sem igualdade de direitos. E uma Democracia não se sustenta onde há desigualdade social.
Bibliografia
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Editora Jandaíra, 2020.
CONDÉ, Maryse. Eu, Tituba. Bruxa negra de Salem. 8. ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2021.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
GOMES, Laurentino. Escravidão: do primeiro leilão de cativos em Portugal à morte de Zumbi dos Palmares, volume 1. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.
GOMES, Laurentino. Escravidão: da corrida do ouro em Minas Gerais até a chegada da corte de dom João ao Brasil, volume 2. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2021.
GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. 21. ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2019.
LEWIS, Isaac Warden. Os apartados no Brasil Império. Manaus: Editora Mundo Novo, 2016.
NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 3. ed. São Paulo: Perspectivas, 2016.
SANTOS, Ynaê Lopes dos. Racismo brasileiro: uma história da formação do país. 1. ed. São Paulo: Todavia, 2022.
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Politícia e Sociedade 18/11/2024 10:26:52 916
ALei Federal 14759 de 2023 transformou o Dia Nacional de Zumbi e daConsciência Negra em feriadonacional, 12 anos após sua institucionalização. Esta é uma luta de longa data, remetendo desde o tráfico de negros pelosnavios negreiros, incluindo mais de 600 rebeliões de escravos em alto mar registradas, tendo 26 casosregistrados nos quais as tripulações tomaramo controle dos navios e retornara...
Politícia e Sociedade 16/07/2024 13:44:03
Na Psicologia e na Psiquiatria, temos o dilema dos tratamentos à dependência química que preconizam o processo de redução de danos. Quando a dependência diz respeito à maconha, tem-se a trava da proibição da venda deste produto no Brasil. Minha preocupação sobre este tema está relacionada ao quanto a demanda da maconha mexe com as famílias brasileiras no campo comportamental, onde parece haver uma batalha entre o Bem e o Mal, como um fantasma no coletivo que nomeia nesta droga os males maiores para jovens a partir da ameaça da dependência química.
Somada esta problemática aos conflitos de ordem religiosa, que levam pessoas a posições ultraconservadoras, tem-se uma contraposição na qual indivíduos vivem sendo contrários à maconha, porém, na prática, convivem com o uso quase que corriqueiro desta no cotidiano. Conheci, inclusive, lideranças religiosas que, nas pregações doutrinárias, demonizam a maconha mas, na prática, usavam e/ou iam até comunidades para comprar maconha - chegando até mesmo a adquirir para familiares no intuito de que os mesmos não se envolvessem com bocas de tráfico. Uma temática que divide opiniões e cega para as realidades do alcoolismo, da dependência em medicações psiquiátricas e pornografia.
Na discussão da dependência, a grande maldita continua sendo a maconha.
Liberar ou não o uso da maconha?
O Supremo Tribunal Federal decidiu em plenária, agora em Junho de 2024, que o porte de até 40 gramas de maconha não configura crime e deve ser caracterizado como infração administrativa sem consequência penal. Tal decisão é assertiva na medida em que distingue o que é caracterizado como uso pessoal e o que é tráfico. Muitas pessoas vibraram com esta decisão, vendo nela um avanço. Outras, nem tanto, principalmente aqueles que estão apegados a pautas de costumes conservadores.
Se, por um lado, a definição do quantitativo do porte de até 40 gramas como infração em vez de crime pode dar equilíbrio social para o olhar desta demanda que, no Brasil, pune mais os pobres e negros, ela traz outros pontos que aqui nomino paradoxos:
Primeiramente, ao liberar o porte de até 40 gramas como usuários em um país onde a venda da maconha é proibida, estamos diante de um forte contraditório de lei, pois libera como usuário, mas onde e como este usuário adquire a maconha? A lei que proíbe vender, libera usar. Porém, podemos entender a intenção de não ver o usuário como traficante. Mas, onde então a pessoa usuária vai comprar? Parece que, aqui, entra o faz-de-conta. É proibido, mas acha-se em todos os lugares.
Em segundo lugar, há a falácia inerente na ideia de que o usuário que portar até 40 gramas tenderá à mesma equidade de valor e respeito, uma vez que tal classificação servirá para pobres e ricos igualmente. Porém, visto que há diferentes tipos de maconha e com valores distintos, mantém-se uma separação entre pobres e ricos, visto que pobres provavelmente não consumirão a maconha pristina, enquanto o rico terá acesso à maconha de maior qualidade, “da boa”, que pode chegar a mais de R$60,00 por grama, totalizando mais de R$2.400,00 nas 40 gramas tidas como infração. Desta maneira, a diferença existe de maneira a sujeitar o pobre ao esquema do tráfico que foi estrategicamente montado nas regiões periféricas das cidades brasileiras, ao contrário dos ricos, que terão acessos por vias menos arriscadas e expostas e com valor monetário mais alto. E aqui vale ressaltar que muitos dos “peixes grandes” do tráfico sequer residem em tais comunidades periféricas, piorando a situação.
Seguidamente, aqueles que forem pegos com mais de 40 gramas de maconha poderão ser enquadrados como criminosos, intensificando a busca por estoques volumosos. Assim, podemos prever que as buscas policiais com este objetivo se darão principalmente em comunidades periféricas, uma vez que não vemos policiais realizando batidas em condomínios de classe média alta com esta finalidade. Para aqueles que são usuários desta classe social, em algum lugar haverá um estoque do produto sem risco de descoberta por estarem em áreas “nobres” da cidade. Sendo assim, podemos perceber que tais contradições só vão continuar a manter a criminalização dos pobres.
Sabemos que a classe média alta no Brasil gosta muito de uma maconha como “lazer”, se deslocando até comunidades periféricas para adquiri-la ou recebendo o produto em casa. Também sabemos, como citei acima, que vários traficantes não moram nas comunidades periféricas. Diante destas constatações, minha hipótese é que há uma estratégia para despistar a Sociedade e o olhar da Lei a partir da criação do “bode expiatório” do tráfico. Assim, acontece a estigmatização da favela e/ou comunidades periféricas como local de bandidos do tráfico. Parece-me que, nas comunidades periféricas, temos os porta-vozes dos donos do tráfico que, geralmente, são aqueles que possuem uma alta capacidade para o uso da força e que, destemidos e irreverentes, encarnam a tipologia “bandido”. E quem leva a fama é a comunidade periférica como um todo.
A maior força destruidora é a ignorância.
A descriminalização das até 40 gramas é mais um capítulo atrativo para esta novela de liberação da maconha, mantendo as mesmas questões de sempre em voga. Não seria melhor legalizar a venda da maconha com critérios que envolvessem Ministério da Agricultura, Ministério da Saúde, Anvisa e órgãos pertinentes para que o processo fosse melhor qualificado e esta demanda entrasse dentro de um projeto público, como já acontece em alguns países? Com este atraso no avanço desta pauta, estamos até perdendo sobre o uso medicinal da maconha. Lógico que, defender a não-liberação atrai muitos adeptos do negacionismo científico. Aquilo que parece um avanço é apenas mais uma trava nesta novela sobre a liberação desta substância.
Aqueles que, em nome de uma religião, argumentos de dependência ou pautas de costumes conservadores na Sociedade, insistem em ver a maconha como um sério problema para a saúde emocional, se esquecem que dependência é causada até por remédios psiquiátricos, doces, objetos religiosos e práticas religiosas, bebida alcoólica, pornografia, entre tantos outros.
Esta trava de abertura e avanço do tema no Brasil é artimanha para esconder gente que se veste de cordeiro, que se diz do “Bem” e que representa uma força de interesse econômico poderosa. Por enquanto, vamos discutir os paradoxos das 40 gramas. E, assim, vemos aumentar ainda mais a cegueira coletiva para perceber as outras destruidoras dependências que estão relacionadas com coisas legalizadas. A maior força destruidora é a ignorância.
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Politícia e Sociedade 16/07/2024 13:44:03 887
NaPsicologia e na Psiquiatria, temos o dilema dos tratamentos à dependênciaquímica que preconizam o processode redução de danos. Quando a dependência diz respeito à maconha, tem-se a trava da proibiçãoda venda deste produto no Brasil. Minha preocupação sobre estetema está relacionada ao quanto a demanda da maconha mexe com as famílias brasileiras no campo comportamental, ondeparece haver uma bata...
Politícia e Sociedade 07/02/2024 10:52:34
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Politícia e Sociedade 07/02/2024 10:52:34 893
O projeto de envelhecimento é uma realidade que poucos possuem como meta e, por isso, não fazem um planejamento para tal. Fugimos desta realidade por estarmos inseridos numa sociedade na qual a força do trabalho e a produtividade é o que valem. Ser jovem é o caminho e envelhecer é sinônimo de fraqueza, fim de carreira, doença. O idoso no Brasil é visto como um estorvo, tanto para o núcleo familia...
Politícia e Sociedade 30/08/2022 18:03:20
Este texto escrevo a partir de minha trajetória como cidadão deste país que vive uma crise institucional sem precedentes, e onde a ameaça da democracia é real, não só especulação subjetiva.
Já na minha adolescência, na oitava série da época, hoje nono ano, na Escola Estadual Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo, São Paulo, fui aprendendo a conversar sobre política — até porque, na cidade, se cultua o escritor Euclides da Cunha pelo livro “Os sertões”. Euclides escreveu este livro na cidade de São José, durante o período em que estava se reconstruindo uma ponte metálica ali. Isso, por volta de 1898, após ser correspondente no Jornal O Estado de São Paulo, fazendo a cobertura da Guerra de Canudos (1896-1897), que dizimou aproximadamente 25 mil habitantes de Canudos pelo Exército Brasileiro, e cujos relatos deram origem ao histórico livro “Os sertões”.
Assim, nessa escola, cresci com a referência de Euclides da Cunha. A obra sociológica e de caráter político é estudada até hoje na Semana Euclidiana. O encontro de estudiosos do livro “Os Sertões”, que acontece todos os anos, no mês de agosto, foi onde pude aguçar meu olhar sobre a história política no Brasil.
No ano de 1979, escolhi entrar no “Colégio Agrícola Carolino da Motta e Silva” na cidade de Espírito Santo do Pinhal, ainda no estado de São Paulo. Em três anos me formei técnico agrícola e pude ver nos trabalhos de assistência rural o quanto o programa militar para a agricultura -“Planta que o João garante” — do governo do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, de 1979 a 1985 — era uma farsa: empréstimos rurais em que a oligarquia agrícola se beneficiava dos fartos empréstimos bancários para comprarem casas boas e carros de luxo. Aqui a sociedade brasileira já estava esgotada pela longa trajetória do regime militar, que era financiado por essa mesma oligarquia rural, e que começou em 1964, ano em que nasci. A promessa de ser por um período curto, a princípio para preservar o país das ameaças comunistas da época, acabou virando duas décadas.
Quando entregaram o país para a retomada da democracia, estávamos endividados, arrasados economicamente. Esse foi exatamente o ano em que entrei na universidade, para o curso de Psicologia pela UNESP de Assis-SP: em 1985 acontece a abertura política, e a reconstrução da democracia no Brasil. Na época havia dois partidos basicamente, ARENA (sob o comando dos militares) e o MDB (sob o olhar dos militares). Outros partidos foram proibidos de exercerem suas atividades. Uma democracia que ainda está frágil após 37 anos da abertura política, e que no momento encontra-se fragmentada, portanto, ameaçada.
A Democracia requer partidos fortes, será que temos?
A tentação é de achar um bode expiatório para ser o protagonista de um novo golpe militar, e com isso o fortalecimento de um ou outro político. No caso atual, o então Presidente Bolsonaro, como o ameaçador da democracia, pois ele incorpora este papel muito bem encenado com seu traço de extrema direita. E, do outro lado, o ex-presidente Lula, que vem como o salvador da democracia. Logo, neste cenário, tornamo-nos cegos para ver que a democracia está ameaçada pela fragilidade partidária no país.
A Democracia requer partidos fortes, com clareza de posturas, compromissos e ações. Partidos com estatutos bem definidos, que seguem os critérios regulamentares da constituição para existirem e que tenham seus membros comprometidos com a ideologia que pregam. Não tem como conceber partido político sem ideologia, uma lógica que vem sendo desfigurada, como se ideologia fosse um problema. Não existe partido sem ideologia.
Mas em 37 anos, após 21 anos sem partidos novos ou antigos poderem exercer seu papel, tendo apenas dois partidos no controle dos militares, emerge uma configuração partidária de 32 partidos políticos legalizados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022. A Democracia é a coexistência das diferenças ideológicas representadas pelas suas partes/particularidades, o que deveria estar definido nos partidos políticos regulamentados. Na Democracia tem que conviver desde a extrema direita, passando pela direita, centro-direita, centro-esquerda, esquerda e extrema esquerda. Se não for assim, não veremos Democracia acontecer. E a porta ficará aberta para a intransigência de diálogos e a ascensão de ditadores. Tudo bem que na história do Brasil temos mais tempo sendo comandados por totalitarismos do que por democracias. Isso por si só pode ser um fator relevante para a configuração de uma república democrática de fato.
Prostituição partidária
Na eleição de 2022 vemos desfiguração de identidade dos partidos que observamos em seus membros. A maioria sequer leu o estatuto do partido e muitos deles foram filiados por um sistema profissionalizado de se fazer partido no Brasil, devido à verba pública que os partidos podem abocanhar para se estruturarem (tem muita gente por aí que nem sabe que está filiado a um partido). Podemos observar assim, o que chamo de prostituição partidária, na qual vemos gente de extrema direita em partidos socialistas, gente de esquerda em partidos de direita. Alianças partidárias que, nas suas cidades e estados, não coadunam com as alianças para a campanha presidencial. Em nome do ganhar uma eleição, abre-se para todo tipo de configuração.
Um tabuleiro que se forma nada parecido com um jogo de xadrez, pois no xadrez, há um fim cheio de estratégias; mas este tabuleiro mais parece um labirinto que está nos levando ao abismo. Cresce a base de políticos do “centrão”, que na verdade governam este país desde a primeira eleição pós- regime militar (1989), depois da promulgação da constituição de 1988 — e desta atuei coordenando o Grupo de Participação Popular na Constituinte da cidade de Assis-SP, onde coletamos 22 mil assinaturas de eleitores para a emenda “Participação Popular”, que conseguiu ser inclusa na Constituição.
Assim, diante desta fragilidade partidária e prostituição em que não se liga a pessoa de um partido à ideologia que este partido prega, pois muitos dos “chefes” de partidos aderem às siglas partidárias em seus municípios. Tudo isso conforme a força financeira e interesses pessoais, passando esses líderes a serem os “donos” de seus partidos nas suas cidades, e a nível de confederação, um partido com forte representação vai ter uma fragmentação de pessoas, de todas as faces e facetas. Uma base estruturante abalada, como uma casa construída sem alicerce e ou na areia.
Sabemos que em uma eleição há alianças estratégicas. Assim acontece em muitos outros países democráticos, porém com clareza de quem é quem nestas estratégias. Podemos citar como aconteceu mais recentemente em Portugal, onde a atual presidência é um conglomerado de partidos de centro-direita à esquerda, numa articulação que trouxe estabilidade à democracia daquele país. Mas no Brasil esse cenário se complica exatamente porque pessoas passaram a valer mais do que partidos na hora de votar. Mesmo sabendo que hoje, no Brasil, o mandato é do partido, vemos a baila dos nomes quando chega a janela eleitoral que permite a troca de partidos. Os partidos se enfraquecem, nascendo, então, muitos partidos já frágeis, e ressaltam-se, com isso, nomes, pessoas.
Votar em partidos ou em pessoas?
Eu sempre votei em partido, conforme aprendi na política, dentro desta perspectiva democrática, e hoje, com esta prostituição de pessoas nos diferentes partidos e a falta de critério destes para escolha de filiados e, pior ainda, com um nome que deseja ser candidato, que muitas vezes é aceito pela força econômica que representa,fica muito difícil definir qual partido realmente tem uma cara definida.
O que vemos acontecer: A derrocada vertiginosa do estado democrático.
Votar em quem: em pessoas? Em partidos? quais? Em conveniências, para hoje se derrubar um possível ditador que emergirá em um outro momento lá na frente? Ou votar no fortalecimento do estado de direito democrático? Vou por este caminho, é o que nos resta.
Acho que do jeito que andam nossas estruturas partidárias, esta é uma reconstrução para mais uns 500 anos.
Como já dizia o indígena atrás do coqueiro assistindo à primeira Missa celebrada pelo Bispo Henrique de Coimbra, em 26 de abril de 1500, na praia de Coroa Vermelha em Santa Cruz de Cabrália, no sul da Bahia, que com os punhos cerrados, e braços cruzados afirmava: “- Não vai dar certo! Não vai dar certo!”, e pelo visto ainda não deu.
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Parabéns pelo texto, Gerson! Uma análise franca e com muita propriedade de quem, como cidadão viveu e vive, como nós, sob os constantes ataques à nossa frágil democracia. |
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Politícia e Sociedade 30/08/2022 18:03:20 894
Estetexto escrevo a partir de minha trajetória como cidadão deste país que vive umacrise institucional sem precedentes, e onde a ameaça da democracia é real, nãosó especulação subjetiva. Jána minha adolescência, na oitava série da época, hoje nono ano, na EscolaEstadual Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo, São Paulo, fui aprendendoa conversar sobre política — até porque, na cidade, se cu...
Politícia e Sociedade 10/05/2022 15:54:49
Este foi o meu sentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos. Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateia que lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de mais de 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último crédito finalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando nomes de negros assassinados pelo equipamento policial racista, ela chorando em prantos. Eu, com a vergonha de minha raça e ancestralidade europeia (português e espanhol).
O filme conseguiu trazer o racismo manifesto e estrutural dos brancos no Brasil, com os fragmentos sutis e/ou escancarados que fazem parte do cotidiano brasileiro nas relações entre brancos e negros. Expressões como: “Eu não sou racista, tenho até amiga íntima que é preta...”; ou cenas de ambientes nos quais supostamente um negro não poderia estar, como em um condomínio de classe média, em um bar de elite, etc. Dentre muitas expressões que a linguagem cinematográfica faz emergir de forma escancarada, o filme fez emergir a simbolização do racismo brasileiro.
Outro elemento é a omissão dos brancos, mesmo daqueles que se colocam na posição de antirracistas, mas que na hora de se posicionar, silenciam-se. Assistem passivamente a ação de um governo ditador, sem se rebelarem contra tamanha crueldade que a “medida provisória” estava provocando. Esta passividade que revela um racismo estrutural latente, no filme emerge com toda força.
Uma distopia quase que “hilariante”
Imagine o Brasil tendo a população negra expulsa sumariamente para países do continente africano com o argumento que estavam sendo reparados pelos 330 anos de escravatura, e que estaria sendo dada aos negros a liberdade de retornarem para suas origens, suas terras. Uma distopia quase que hilariante, que ao assistirmos o filme, ficamos pensando se esta ficção poderia ser um dia realidade. Mas as ficções resultadas de uma produção artística, como é esta magnífica obra, normalmente são como uma profecia. E não precisamos ir muito para o amanhã para imaginar que a distopia do filme já é um fato. É só olharmos para as praças e avenidas com centros comerciais espalhados pelo Brasil, entre as médias e grandes cidades, que veremos os negros sendo expulsos do sistema na condição de moradores de rua. Ou se olharmos nas milhares de comunidades periféricas que o Estado esta ausente em saúde, educação, saneamento básico, mas presente em repressão policial e genocídio autorizado em nome desta pseudo-segurança que os governos brancos oferecem. Também estão excluídos do sistema eleitoral, vejam as chapas sendo formadas para esta eleição de 2022, onde estão os negros?
É preciso despertar nossa indignação para a ação!
Toda a produção do filme trabalhou com elementos de estudos antropológicos, sociológicos, históricos e econômicos, a partir da força de muitos pensadores e pesquisadores negros que começam a ter voz neste país. Vejo crescer a força do movimento negro, nas diversas formas de organização: a economia solidária nas comunidades periféricas; a produção acadêmica nas universidades públicas; o fortalecimento do feminismo negro; a literatura dos escritores negros aparecendo com a força e a espiritualidade dos ancestrais africanos; as religiões de matriz africana apresentando com força nos milhares de terreiros que se espalham pelo Brasil afora (que na minha percepção atingem mais pessoas do que as religiões de base cristã europeia).
Enfim, da profecia de Lélia Gonzalez de que o Brasil se tornará um país negro na sua essência e institucionalização. Mas sabemos que o racismo branco europeizado, e toda política de embranquecimento da população brasileira com a falácia da democracia racial, vai exigir muita luta, muita resistência e muita organização. Pois a elite branca e a classe média branca não vão querer dividir equitativamente o bolo econômico.
Minha vergonha após o filme fortaleceu ainda mais meu desejo de estar na luta por uma nação antirracista, que galgue na luta do povo negro à equidade quantitativa de direitos: no congresso nacional, nas escolas, nas universidades, nos cargos de direção empresarial, nos postos públicos de alta representatividade nas diferentes instâncias executiva, judiciária e legislativa.
Que o filme “Medida Provisória” consiga, de fato, provocar a população brasileira para ficar indignada com o racismo presente em todos os cantos deste país. Um racismo que precisa ser visto, e no filme, além de mostrar, nos faz sentir, se emocionar e desejar a transformação que acontecerá com ações de todos e todas nesta construção de um país em que o racismo seja extirpado de nosso vocabulário.
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Politícia e Sociedade 10/05/2022 15:54:49 1195
Este foi o meusentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos.Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateiaque lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de maisde 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último créditofinalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando...
Politícia e Sociedade 17/03/2022 15:00:53
“...O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.”(Jesus, 2014, p. 38)[i]
Dando continuidade a esta série “Sociedade antirracista”, para texto neste site e os vídeos no meu canal do Youtube, vou abordar o conceito pinçado por Lélia Gonzalez[ii] “Neurose Cultural Brasileira”.
Elaborando um conceito
Lélia Gonzalez, ao recorrer da psicanálise a partir de Lacan dentro da estrutura psíquica do ‘sujeito suposto saber’, lembra-se das mães pretas, que pela atuação como mucama“...que a mulher negra deu origem à figura da mãe preta, ou seja, aquela que efetivamente, ao menos em termos de primeira infância (fundamental na formação da estrutura psíquica de quem quer que seja), cuidou e educou os filhos de seus senhores...”(GONZALEZ, 2020, p. 54). Na teoria Lacaniana o sujeito suposto saberestá relacionado com as pessoas que nos identificamos no imaginário e que idealizamos, assumindo e identificando os valores destes como nossos.
Como afirma Lélia, ao esclarecer este conceito Lacaniano trazendo para o contexto da mulher negra na história do Brasil: “...No caso da criança, a mãe é vista como sujeito suposto saber, uma vez que lhe atribui um saber quase que onisciente. Ora, na medida em que a mãe preta exerceu a função materna no lugar da sinhá (que na verdade só fazia parir os filhos), inclusive amamentando os filhos da mesma, compreende-se o que queremos dizer (Lacan, 1966).(1980).” (GONZALEZ, 2020, p. 54).
Assim, Lélia afirma, a partir deste processo das mães pretas, que a cultura brasileira é eminentemente negra, mas que faz prevalecer o racismo, pois o sistema bloqueia qualquer forma de ascensão do negro na sociedade. E conclui:“E, se levamos em conta a teoria lacaniana, que considera a linguagem com o fator de humanização ou de entrada na ordem da cultura do pequeno animal humano, constatamos que é por esta razão que a cultura brasileira é eminentemente negra. E isso apesar do racismo e de suas práticas contra a população negra enquanto setor concretamente presente na formação social brasileira”(GONZALEZ, 2020, p. 55).
Um corte na teoria de Lélia que perpassa pela cultura, economia, mulher e feminismo negro
Aqui estou fazendo um corte no pensamento de Lélia Gonzalez para chegarmos ao entendimento da Neurose Cultural Brasileira. Mas, na teoria de Lélia, toda esta percepção esta intrínseca à estruturação da mulher negra ao longo da história no Brasil pela questão do trabalho, do patriarcado colonizador português e dos desafios da mulher negra de construir sua autonomia nesta sociedade, em que elas se encontram na base discriminatória da pirâmide social. As mães pretas de ontem, são as empregadas domésticas de hoje, que passam muito mais tempo na casa de suas patroas do que em suas próprias casas. De fato, o quantitativo de mulheres domésticas negras que trabalham hoje em residências de classe B e A (94,4% - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – 2019) é muito superior às mulheres domésticas brancas.
Neste cenário, só mudou a época e o perfil da sociedade, antes colônia e hoje república disfarçada de democrática, mas as mulheres negras ainda estão no serviço de base doméstica, servindo suas patroas que na quase totalidade é branca. Mas este atual contexto continua com sua crueldade escravocrata, como observa Lélia.
Mães pretas de ontem, domésticas de hoje
Lélia Gonzalez:“Vale observar que a expressão popular mencionada... “Branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar” – tornou-se uma síntese privilegiada de como a mulher negra é vista na sociedade brasileira: como um corpo que trabalha, e que super explorado economicamente, ela é uma faxineira, cozinheira, lavadeira etc.”(GONZALEZ, 2020, p. 69). Mais um contraditório dentro da elite dominante, que ao mesmo tempo em que detém uma ‘escrava moderna’ por sua suposta força braçal, confia a ela os tratos culturais de seus filhos ainda pequenos. Aqui, neste contraditório, temos um sintoma da ‘neurose cultural brasileira’, onde se confia na mulher negra para cuidar afetivamente dos filhos das patroas brancas e, ao mesmo tempo, nega-se a ela a possibilidade de ascensão educacional e econômica. Lógico, se assim for, onde a elite conseguirá contratar domésticas? E se as condições de vida das domésticas forem melhores, a educação delas mais avançada, com certeza o salário será muito elevado e muitas deixarão de ser domésticas.
Democracia Racial: mais um sintoma
Outro sintoma da ‘neurose cultural brasileira’, que foi construído pela elite e é a sequência do colonizador ao longo dos anos, foi a noção de que o povo brasileiro vive uma democracia racial. Como se a convivência fosse, de fato, pacífica, principalmente quando se olha para as mães pretas, por elas terem um vínculo de cuidado e zelo para com as crianças brancas dos seus senhores. Mas esta sadia convivência foi amplamente defendida pelos pesquisadores eurocêntricos nas universidades do país, também pela música brasileira se acentuou esta falácia: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza...”. De um povo ordeiro e passivo, que no cotidiano convive com cenas de um racismo cruel sanguinário, que vitimiza negros para cadeias públicas e para as estatísticas de homicídio. Neste sentido do contraditório, que Lélia Gonzalez afirma:“...Para nós o racismo se constitui como sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira.”(GONZALEZ, 2020, p. 76).
O lixo vai falar
Lélia busca na psicanálise elementos que justificam a necessidade do dizer, do falar. Pois na falsa construção do racismo estrutural, a mulher negra principalmente, mas também o povo negro como um todo, foi colocado na condição de não poder falar, de não poder dizer. Especificamente em Miller, um seguidor da psicanálise a partir de Lacan, Lélia vai alavancar a voz do lixo:“... Psicanálise e lógica, uma se funda sobre o que a outra elimina. A análise encontra seus bens nas latas de lixo da lógica. Ou ainda; a análise desencadeia o que a lógica domestica.”(GONZALEZ, 2020, p. 77 (Miller)).
Assim, a lógica da dominação é domesticar, onde a mulher negra boa não fala, pois não sabe falar, mas ela é doce e sabe cuidar dos filhos dos brancos. Como ressalta Lélia:“A única colher de chá que dá pra gente é quando fala da “figura boa da ama negra” de Gilberto Freyre, da “mãe preta”, da “bá”, que “cerca o berço da criança brasileira de uma atmosfera de bondade e ternura”. Nessa hora a gente é vista como figura boa e vira gente.”(GONZALEZ, 2020, p. 87).
E é nesta perspectiva que Lélia se posiciona junto com suas companheiras de luta no feminismo negro.“Exatamente por que temos sido falados, infantilizados (infansé aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, por que fala pelos adultos), que neste trabalho assumimos a própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.” (GONZALEZ, 2020, p. 77,78).
Aos que vão se empoderando da identidade negra nesta luta antirracista, que assumem este lugar de fala, o ser negro já não é tão legal assim. Pois a elite branca vem com a ideia de que eles também são racistas, são radicais e ‘amargos’, trazem para o conflito social o conceito de racismo reverso, por exemplo ‘tá vendo, são mais racistas do que nós’ e vendem a ideia que os negros estão sempre no ataque.
Sinais visíveis da neurose cultural brasileira
Podemos ver sinais da “neurose cultural brasileira” nos sintomas de depressão que faz do Brasil campeão desta doença mental na América Latina. No aumento de ocorrências de crime de racismo e agressões diretas à população negra por parte de pessoas brancas. Na agressão da polícia militar nas comunidades periféricas que tem como alvo principal os negros. No índice de infectados e mortos pela COVID-19, que atinge diretamente os negros. No baixo índice de negros que atingiram o patamar de estabilidade socioeconômica, que não chega a 6% da população. Nas ruas de nossas cidades que despejou milhões de famílias brasileiras, em sua quase totalidade negra. Com a volta do Brasil no mapa da fome em 2021. E muitos outros sinais.
Lélia, de fato, nos ajuda a entender as raízes desta ebulição de conflitos e colabora para que, ao entendermos, possamos construir novos referenciais e destruir o paradigma estigmatizante da falsa democracia racial brasileira, que a colonização e os herdeiros dos bens de consumo desta terra construíram sutilmente na cultura do povo brasileiro. Estamos ainda só no começo, mas é possível já ver sinais desta luta crescente de forma sistemática e fundamentada, com um perfil comunitário que torna mais difícil ser destruído.
“- Pois é. A senhora disse-me que não ia mais comer as coisas do lixo.
Foi a primeira vez que vi a minha palavra falhar. Eu disse:
- É que eu tinha fé no Kubstchek.
- A senhora tinha fé e agora não tem mais?
- Não, meu filho. A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. “E tudo que está fraco, morre um dia.”(JESUS, 2014, pg 39)
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Politícia e Sociedade 17/03/2022 15:00:53 1458
“...O meusorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.”(Jesus, 2014, p. 38)[i] Dandocontinuidade a esta série “Sociedade antirracista”, para texto neste site e osvídeos no meu canal do Youtube, vou abordaro conceito pinçado por Lélia Gonzalez[ii]“Neurose Cultural Brasileira”. Elaborandoum conceito Lélia Gonzalez, ao recorrer da psicanálise a partir de Laca...
Politícia e Sociedade 06/08/2021 18:55:47
Estamos vivendo tempos de retrocesso no Brasil. Uma nítida tendência de retorno à idade média, onde o fundamentalismo religioso condenou muita gente à morte, principalmente aqueles que manuseavam a ciência. Em nome de Jesus Cristo, condenavam pessoas como bruxas e bruxos e as queimavam nas fogueiras ou decepavam suas cabeças.
Esta articulada conversa de defesa sobre o voto impresso, que o Presidente Bolsonaro jogou lenha na fogueira para tentar salvar seu governo que saiu tão rapidamente dos trilhos (e a população brasileira, ainda bem que já começou a perceber), ainda cativa os aliados deste projeto de extrema direita do atual presidente e convence e/ou faz aumentar o caldo daqueles que investem na desestabilidade democrática do país em vista a terem benefícios.
Sabemos que o golpe militar de 1964, ano em que nasci, não foi somente uma ação para moralizar a nação supostamente mergulhada em corrupção, mas sim, foi a elite da época, que estava representada pela oligarquia brasileira, quem arquitetou o Golpe de 64 e depois nadou em plenitude nos bens que esta terra sempre ofereceu aos mais endinheirados. E com isso, o regime militar no Brasil, que foi de 1964 a 1985, enriqueceu ainda mais os que já eram enriquecidos e ainda fez emergir uma nova classe de políticos que eles, os militares, nomearam para governar os estados. Esta classe está contida até hoje no grupo de parlamentares que leva o nome de “Centrão”, do qual Jair Bolsonaro sempre fez parte nos seus quase trinta anos como Deputado Federal. Com os militares, a corrupção andou solta neste período.
Com a abertura política de 1985, ano em que ingressei no curso de Psicologia na UNESP campus de Assis-SP, pudemos voltar a votar, e ainda na época o voto era impresso. Gente, quem estava vivo naquela época, votou e participou de mesas de apuração dos votos, sabe muito bem o quanto a contagem manual humana dos votos dava margem sem precedentes para aproveitamento de votos em branco e/ou não contagem de votos. E como demorava os resultados nas urnas. Também, de alguma forma fomos vendo o emergir de lideranças e partidos que saiam do eixo ARENA dos militares e MDB da oposição pacífica aos militares (ou dos intelectuais forjados pela elite). Neste cenário, surgiram governantes que de alguma forma deram visão ao olhar social, a projetos para a inclusão e para o processo de amadurecimento da democracia, que após 21 anos de ditadura militar estava começando a dar seus primeiros passos.
Depois, quando já formado em Psicologia e o Brasil andando a trancos e barrancos, porém melhor que no período militar, pois os ventos da liberdade democrática sopravam, acabei aceitando em conjunto com minha esposa Maria Celina de desenvolver um projeto social na área da Saúde Integral da Mulher na cidade de Pinheiros-ES, que fica no extremo norte do Espírito Santo. Lá, desenvolvemos muitas ações no campo social diretamente vinculado à Diocese de São Mateus-ES, que na época Dom Aldo Gerna era o Bispo. Tivemos como mentor deste projeto o Padre Italiano Domenico Salvador. Na época, as Comunidades Eclesiais de Base estavam com muita força e fomentavam esperanças ao povo sofrido de nosso interior brasileiro tão cheio de injustiças sociais. A Pastoral da Juventude estava muito forte e nas eleições municipais de 1996 vários jovens da região se lançaram candidatos a vereador e prefeito. Em Pinheiros-ES, pudemos colaborar com a campanha eleitoral para vereadora da jovem, mulher, pobre e negra, Zenilda dos Santos, a ZENI. E é daqui que trago a cena do voto impresso.
Estava acompanhando a apuração dos votos de ZENI e, para tal, fiz uma planilha para manusear, pois ainda não tínhamos as facilidades digitais de hoje. Em todas as urnas Zenilda tinha votos, numa média de 12 a 15 votos. Depois de um tempo, que me lembro 12 urnas corridas na sequência, zerou os votos de Zeni no painel manual oficial de apuração que eram postados em papéis. Achei estranha esta quebra de votos e solicitei ao Juiz eleitoral que estava acompanhando a apuração a recontagem dos votos das urnas que Zeni havia zerado. O Juiz acatou, pois também considerou estranho. Após a recontagem, a mesma média de votos apareceu e a ZENI acabou sendo eleita. Se não fosse esta recontagem, seria outro candidato a se eleger, um que tinha o apoio de fazendeiros da região.
Assim que as cédulas apareciam, comecei a observar que alguns membros da mesa apuradora ficavam com canetas nas mãos e ao se depararem com votos em brancos, riscavam algo no voto. Imaginem isso em uma cidade pequena do interior deste país e transportem este cenário em nível de Brasil? Quantos erros de contagem de votos por ação planejada. Após o episódio, comecei a receber recados que ao término das apurações a “coisa ia pegar para meu lado”. Nesta época, o estado do Espírito Santo tinha a fama no Brasil de ter profissionais pistoleiros para matar, que a oligarquia agrária contratava. Havia até uma instituição paramilitar de aluguel de matadores. Fiquei sim com medo, e antes de acabar a apuração, eu e minha esposa saímos para passar a noite em uma cidade vizinha, para os ânimos se acalmarem. Depois disso, no ano seguinte, foi publicada uma lista de dez pessoas da cidade que estavam marcadas para morrer, e meu nome saiu em primeiro lugar. Na época, achava tudo isso uma aventura. Mas, de fato, estávamos correndo muito risco de vida. Zenilda fez um belo mandato de vereadora, mas foi tão atacada moralmente por quatro anos, pela oligarquia local, que faziam até panfletos anônimos a chamando de “cadela negra” (Feminicídio e racismo). Ela acabou saindo de Pinheiros-ES e mudou-se para Vitória-ES, onde reside até hoje e atua como Professora da rede pública.
E vejam, em 1999 começou o processo das urnas eletrônicas, que foi algo espetacular, em que esta patente brasileira não foi encampada pelo mundo afora por ser brasileira. Quem é este país para criar uma coisa tão avançada desta? O processo foi se aprimorando e nestes longos anos de urna eletrônica não se tem prova de falcatruas. Se há questionamentos da fragilidade das urnas, com certeza também há da contagem manual humana, algo que a própria história já provou que é mais violável do que as urnas eletrônicas.
Apostar no voto impresso, com nossa estruturada experiência do voto eletrônico, é de fato uma posição de não convivência com a democracia, é perfil de grupos que querem impor domínio. Sabemos que questionar e ter visão diferente da maioria é um direito e uma posição, mas dentro de uma perspectiva dos olhares e opiniões no estado democrático de aceitar o posicionamento que tem o apoio da maioria, é saber se colocar no processo democrático. Do contrário, é puro exercício dos interesses pessoais.
No caso de Jair Bolsonaro está claro: ele criou um veneno para desestabilizar e ameaçar a democracia. Um governo que coloca milhares de militares em primeiro, segundo e terceiro escalão, espalhados em todas as instâncias de poder do governo federal, sabendo que estes mesmos militares já foram usados para golpear e controlar, não está louco e nem é bobo. Está sim querendo a perpetuação do poder e, assim, ter poder para direcionar os benefícios políticos e financeiros para a sua fatia de apoiadores, como aconteceu com o regime militar no Brasil. E observem que de fato é uma pequena fatia da população que ainda hoje está dando as mãos a esta estratégia política.
Que minha experiência possa servir para alguma reflexão sobre o retorno do voto impresso e as artimanhas que toda esta trama representa.
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Politícia e Sociedade 06/08/2021 18:55:47 893
Estamos vivendo tempos de retrocesso no Brasil. Umanítida tendência de retorno à idade média, onde o fundamentalismo religiosocondenou muita gente à morte, principalmente aqueles que manuseavam a ciência.Em nome de Jesus Cristo, condenavam pessoas como bruxas e bruxos e as queimavamnas fogueiras ou decepavam suas cabeças. Esta articulada conversa de defesa sobre o votoimpresso, que o Presidente B...
Politícia e Sociedade 16/10/2020 13:53:39
Já estamos na segunda quinzena de outubro de 2020. Neste ano, prometi a mim mesmo que não escreveria nada sobre o “Outubro Rosa”, pois há tempos que este slogan vem me incomodando por três motivos:
1. Pelo estigma do rosa para mulheres, acentuando a face reacionária da sociedade que quer segregar as diferenças deixando o rosa para mulheres e o azul para os homens, dando corda para o coro da atual ministra Damaris e seus seguidores sectários das religiões fundamentalistas;
2. Por que esta campanha necessária, da prevenção do câncer de mama, não possibilita o acesso geral e irrestrito à saúde para todas as mulheres. Assim, elas ficam expostas a uma gama intensa de publicidade pelas diferentes mídias e não conseguem agendar suas consultas médicas e exames laboratoriais. Há regiões do Brasil que chega a até 80% das mulheres que não conseguem fazer a prevenção, e nas regiões com melhores índices até 40% não conseguem a prevenção;
3. O crescente ganho das redes particulares para diagnóstico do câncer de mama e dos laboratórios de análise, onde as mulheres que possuem um plano de saúde ou que podem pagar uma consulta particular conseguem. O caos do Sistema Único de Saúde agrada aos empresários da saúde particular no Brasil.
Mas, sobre a crise programada do SUS favorecer a rede privada de saúde, já está mais do que evidente. Veja o quanto ganharam as grandes redes de saúde particular e alguns institutos particulares com seus hospitais durante a pandemia da COVID19. Não é a toa que o nome “Outubro Rosa” segue firme e forte. Pois vem de uma vertente ligada à saúde pública que poucos conhecem do que realmente acontece com a população brasileira e muito menos como é a vida no cotidiano das mulheres brasileiras. Se formos pelas publicidades, parece que as mulheres do Brasil são de classe média alta com recursos para manter prevenção de saúde, corpo esbelto e estética para salão de beleza em dia (cabelo/unhas/rosto), padrão autoajuda de instagrans de beleza da mulher.
Convém mencionar que não se trata de questionar a importância do objetivo da campanha, que é uma conscientização em relação a um cuidado da mulher extremamente necessário. Aumentar este cuidado, sim, é necessário! Trata-se, na realidade, de questionar o formato com que esta campanha acontece, nos moldes de um padrão e de uma indústria da saúde que nunca beneficiaram e continuam sem beneficiar justamente as mulheres !
Quero ressaltar aqui que a manutenção do conceito “Outubro Rosa”, digo conceito por que está carregado de uma ideologia neoliberal do consumo pelo consumo e onde as pessoas são vistas apenas como massa de manobra para tanto e, neste sentido, as mulheres são alvo certeiro. Aqui entra a formação do caráter patriarcal enraizado na cultura mundial e especificamente no Brasil.
Este caráter patriarcal que impregna também a mulher sem que ela o perceba, e acabam reproduzindo estereótipos como se fosse normal. Para que mexer no nome “Outubro Rosa”, se é apenas um nome de uma campanha que já acontece desde 2002? Lembrando que esta história começou em 1997 nas cidades de Yuba e Lodi nos Estados Unidos. E olha que não precisamos ir muito longe para identificarmos o quanto a sociedade norte-americana é patriarcal, e o quanto nosso país ainda segue farejando os passos da cultura norte-americana, que hoje está mais do que evidenciado na relação do presidente Jair Bolsonaro com o Presidente americano Trump. Dois machistas de primeira linha.
Mary Wollstonecraft, em seu livro “Reivindicação dos direitos das mulheres” de 1792, reeditado em 2016 no Brasil pela editora Boitempo, trabalha esta temática do caráter patriarcal que está impregnado na estrutura inconsciente das mulheres.
Segundo a autora, para se superarem como mulheres na busca de um espaço de igualdade de direitos, é preciso o reconhecimento interno do caráter patriarcal. Tenho longas histórias ao longo de minha carreira como Psicólogo Clínico pelo viés da Psicanálise, onde as falas das mulheres muito reproduzem este caráter patriarcal sem que elas percebam. Tanto, que por muitas vezes fui ameaçado por maridos de mulheres que buscaram análise pessoal, por elas estarem mudando de posturas em relação à vida conjugal e, consequentemente, se colocando em pé de igualdade ao homem.
Lembro-me de um dia em que o sujeito “macho” me ligou e disse: “O que você está fazendo com a minha mulher? Se ela continuar indo ai na sua clínica, vou mandar te matar”. Mal sabia ele que era ela mesma que mudava, eu ali ocupava uma função otimizadora para seu próprio caminho. Foi aí que percebi que ser Psicólogo era também desafiar a sociedade.
Diante do exposto, dentro do limite que temos para este texto, pois este tema dá “pano pra manga”, entendo a necessidade de mudar o conceito publicitário “Outubro Rosa”, que vem só acentuando diferenças entre mulheres e homens reeditando a cultura patriarcal.
Por que precisamos seguir os passos da sociedade norte-americana? Aliás, lá nos Estados Unidos, trabalhadoras imigrantes latinas e africanas, com certeza nem tempo para realizar prevenção conseguem, pois para sobreviverem precisam trabalhar mais de 12 horas por dia. O que nasceu nos Estados Unidos, de fato é um movimento para favorecimento de uma minoria de mulheres de classe média alta.
Não é a toa que por lá, residem os mentores intelectuais do fundamentalismo machista do atual governo federal no Brasil. Que inclusive tem o sustentáculo do fundamentalismo religioso, que preconiza a máxima machista de São Paulo: “Mulheres, sede submissas aos seus maridos”, ( Colossenses 3,18 ou Efésios 5, 22-23). Nestas passagens, dentro do fundamentalismo, da palavra ao pé da letra, submissão é submissão. Lógico que há outras interpretações de grupos não fundamentalistas que não pegam a Palavra Sagrada ao pé da letra, pois como já nos alertava o Teólogo Carlos Mesters: “A palavra não tem pé”.
Até quando vamos ter que engolir este indigesto “Outubro Rosa”?
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Politícia e Sociedade 16/10/2020 13:53:39 880
Já estamos na segundaquinzena de outubro de 2020. Neste ano, prometi a mim mesmo que não escreverianada sobre o “Outubro Rosa”, pois há tempos que este slogan vem me incomodandopor três motivos: 1. Pelo estigmado rosa para mulheres, acentuando a face reacionária da sociedade que quersegregar as diferenças deixando o rosa para mulheres e o azul para os homens,dando corda para o coro da atual min...
Politícia e Sociedade 15/05/2020 13:26:46
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Politícia e Sociedade 15/05/2020 13:26:46 884
Já passaram alguns meses do anúncio da pandemia do coronavírus, e quase dois meses de quarentena no Brasil. Após assistirmos o aumento paulatino do número dos infectados pelo mundo, e o de mortes diárias, sem parar, ainda tenho que ouvir logo pela manhã o presidente Bolsonaro dizer que “...quem quer ficar em casa que fique, mas vamos trabalhar, o Brasil não pode parar...”(Rádio CBN Brasil, 13 de...
Politícia e Sociedade 08/11/2019 19:54:08
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Politícia e Sociedade 08/11/2019 19:54:08 885
Tendo em vista a discussão que iniciei este mês no meu canal do Youtube (Abarca Psicólogo), a qual trata de problematizar a crise da masculinidade e a necessidade dos homens repensarem seus conceitos e posicionamentos, aproveito para abordar, neste texto, dois elementos que, dentro de alguns anos, no Brasil, darão mais força ainda para esta crise. Fatores que fomentam a crise da masculinidade&nb...
Politícia e Sociedade 01/02/2019 18:52:54
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Politícia e Sociedade 01/02/2019 18:52:54 887
A lama acumulada nas barragens de operação da extração do ferro em Minas Gerais e o pó preto decorrente das operações no porto de Tubarão na cidade de Vitória-ES, aparentemente são inofensivos à olho nu. Em ambas as regiões o ambiente topográfico e as paisagens são belos. Isto para quem observa com os pés no chão. Brumadinho e Mariana em Minas Gerais, estão localizadas em regiões montanhosas e ...
Politícia e Sociedade 20/11/2018 18:50:49
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Politícia e Sociedade 20/11/2018 18:50:49 881
Se sairmos por aí perguntando às pessoas pelas ruas e praças do Brasil se elas são racistas, vamos obter uma resposta politicamente correta: “Não!”. Mas se observarmos os números, percebemos uma contradição: 63,7% dos desempregados no Brasil são negros; a taxa de analfabetismo entre afrodescendentes é de 9,9%, mais que o dobro em relação aos brancos (4,2%); 64% dos presidiários...
Politícia e Sociedade 20/09/2018 20:12:02
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Politícia e Sociedade 20/09/2018 20:12:02 880
O cenário público municipal da cidade de São Mateus não está muito para festas. Uma administração cujo prefeito já está com os dias contados por que se elegeu de forma ilícita, segundo definição da justiça, ainda está no governo, pois se sustenta pelas lacunas que a própria justiça permite. Secretários municipais tidos como idôneos nomeados no início da gestão do prefeito Daniel já pularam do tr...
Politícia e Sociedade 11/07/2018 17:52:36
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Politícia e Sociedade 11/07/2018 17:52:36 876
A cidade de São Mateus-ES carrega uma vocação inigualável na geografia do estado, aglutina ao seu redor (região) pelo menos 10 cidades capixabas que desembocam muitos serviços no seu território em diferentes setores, além das cidades de outros estados, como Bahia e Minas Gerais. Atrai, desta macro região, pessoas a procura de serviços na área de saúde, educação, jurídica, artesanal, turística, a...
Politícia e Sociedade 07/06/2018 18:54:51
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Politícia e Sociedade 07/06/2018 18:54:51 891
Segundo dados obtidos pelo IBGE referente a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2015), realizada entre alunos do 9° ano do ensino fundamental na faixa etária de 13 aos 15 anos, no estado do Espírito Santo 53,5% já experimentaram álcool, sendo que 55,3% no grupo das meninas e 51,7% no grupo dos meninos. Declaram que tiveram episódios de embriaguez 22,2% das meninas e 18,6% dos meninos. A pes...
Politícia e Sociedade 30/05/2018 14:12:48
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Politícia e Sociedade 30/05/2018 14:12:48 871
O tema que abordo neste artigo diz respeito a fragmentos de exposições dos integrantes das mesas temáticas do “II SEMINÁRIO DE DIREITO E FRATERNIDADE – DESAFIOS”, realizado no dia 26/05/18 pela comissão Direito e Fraternidade do Movimento dos Focolares na cidade de Vitória/ES e teve o apoio da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Foi um evento marcado pela qualidade das argumentações e p...
Politícia e Sociedade 06/11/2017 19:31:47
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Politícia e Sociedade 06/11/2017 19:31:47 870
Neste ano monitorei vários alunos pré-vestibulandos na elaboração de redações. Todos eles estudantes de pré-vestibulares ou segundo grau. Todos eles sendo orientados de forma equivocada sobre como fazer uma redação adequada. Digo isso por que todos eles, alunos dedicados, encontravam-se com uma auto-estima muito baixa ou muito alta sobre seus textos escritos. Alguns provenientes de cursinhos qu...
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