Escola - lembranças e segredos de um alunoPublicado em 31/05/2016 Escola é um espaço que está na vida da maioria das crianças e adolescentes no Brasil. Mesmo sabendo que muitos brasileiros iniciam seus estudos nos primeiros anos educacionais, sem conseguirem chegar à Universidade. Nossos índices de evasão escolar ainda são de terceiro mundo. No decorrer da carreira educacional, todos trazem cenas que jamais esquecerão, desde as piores até as melhores. Mas muitas vezes não partilhamos estas experiências. Carregamos muitos segredos educacionais. De minhas lembranças trago algumas que fazem com que eu tenha a certeza que a escola atual piorou em alguns aspectos e melhorou em outros. Mas uma das lembranças que a meu ver faz-me constatar que a escola não saiu do lugar é quando estava na fila de espera no pátio da escola, enfileirados por turmas (A - B - C - D - E - F) do primeiro ano. Muitas turmas assim por ser uma escola estadual, perguntei para a professora o porquê eu estava na turma F, ela me respondeu que era por que éramos os mais fracos. Retruquei perguntando como eles sabiam que éramos os mais fracos, e ela novamente respondeu-me que era por que estava na cara. Senti-me um "Zé Ninguém", e até hoje tento procurar o motivo que levou aquela escola a dizer que éramos os mais fracos, e não encontrei respostas. O engraçado que daquela turma, alguns se tornaram profissionais bem sucedidos no que fazem, como é o meu caso. Hoje, assessorando escolas, e atendendo muitos alunos provenientes de escolas, tenho certeza que os alunos ainda são avaliados mais pela aparência do que pela constatação de suas reais condições educacionais. A tão sonhada inclusão é artigo de luxo que fica gravado nos materiais publicitários dos governantes e de muitas escolas particulares ditas famosas. Divulgar os nobres alunos promovidos em Universidades concorridas é um fato denunciador desta realidade. Coitados dos que não passam, nunca serão lembrados. Casos e mais casos de problemas de aprendizado ainda são tratados como preguiça, desinteresse, vagabundagem. Eu não acredito no que vejo, ainda têm aluno que é retirado da sala de aula por que o professor não consegue dominá-lo. Outro segredo, é que quando eu não queria ficar na sala de aula, arrumava uma encrenca para o professor me tirar das aulas. Sabia que ficaria pelos corredores sem fazer nada. Mas isso há trinta anos. Neste item parece que também não saímos muito do lugar. E os alunos continuam espertos, conseguem se rebelar contra falsos limites, e continuam saindo da sala por que os professores ainda os retiram para ficarem pelos corredores. Das muitas lembranças, as que mais me deixa feliz, são aquelas que não rolavam dentro da sala de aula. Geralmente era uma atividade prática, e só os professores criativos e com relacionamentos de amizade com os alunos conseguiam realizar. Na época, o professor de OSPB, uma disciplina colocada pelo governo militar para vender a ilusão de que o Brasil era um país que ia para frente, enquanto “eles” torturavam cidadãos conscientes. O professor sutilmente e criativamente inventou uma pesquisa de campo para detectarmos na cidade o maior número de artesãos que trabalhavam no anonimato para sobreviverem. Este professor dispensou-nos das aulas por dois meses, e o resultado do trabalho foi de termos realizado uma exposição com mais de cem artistas, no salão de teatro da escola. A cidade inteira passou pela exposição para apreciar. Foi uma grande emoção, que depois, já adulto, fui refletir no que o professor tinha cutucado os alunos, na possibilidade de vermos que o que a matéria ensinava não era realidade, ele ensinou-nos a desconfiar do governo militar. Não podia falar disto em sala de aula, mas criou um mecanismo para que pudéssemos ver a realidade dos artesãos passando fome no município. Algo muito parecido com a realidade de hoje, a diferença é que estamos vivendo a ditadura da publicidade e da comunicação social que está nas mãos de poucas famílias com poderes econômicos. Uma ditadura que autoriza um deputado Federal dizer que artista não trabalha e mama na teta do Governo. Em uma esquina próxima a uma escola, alunos do segundo grau estavam esbravejando, aproximei-me deles e perguntei o que estava acontecendo. Eles disseram que na escola a orientação dos coordenadores pedagógicos era de não confrontar com os professores e aceitarem as coisas com mais tranquilidade. O tipo de orientação de quem é ignorante sobre adolescência. Lógico que questionei a veracidade dos alunos, mas só para tentar amenizar a barra dos professores. O problema é que neste ponto, a escola piorou. Na época dos militares, tínhamos a UNE que forjava as eleições dos Grêmios Estudantis, e hoje, no máximo elegem-se representantes de classe. Escola particular, pior ainda, se tiver dono e forem especuladores financeiros onde a educação é vista como lucro, aluno é apenas item de lucro e o que vale é a opinião dos pais. Cena boa é a da professora de Geografia que exigia-nos ler jornal de grande circulação semanalmente, valendo 50% da média. E pior, tínhamos que apresentar a matéria durante a aula. Coitada, como reclamávamos dela. Mas viramos leitores de jornais. Neste ponto, continua valendo a regra de que professores que a gente não esquece são aqueles que exigiram muito dos alunos, mas exigem com monitoramento, conhecimento e didática. Professor respeitado por aluno é aquele que não dá moleza. Certa vez fui convocado para detectar o que estava acontecendo em uma sala de sexta série, pois a indisciplina era absurda. No final detectamos que o professor mais querido era o único que não deixava usar boné na sala de aula, não permitia aluno mastigar chiclete e dava ponto positivo e negativo com perdas e ganhos na média geral, em casos de indisciplina ou de ações de solidariedade. Lembro-me do professor de matemática, quando ainda estava na quinta série, que usava esta técnica de ponto positivo e negativo. Fiquei com nota dez no bimestre, mas tive tantos negativos que acabei fechando com nota três. Quando encontrei com este professor, há pouco tempo, ele já bem velho, despertou em mim uma grande emoção e um grande prazer em vê-lo, pois a lembrança que ele deixou gravado em mim foi a de compromisso, dedicação e amor à profissão de professor. Este eu jamais esquecerei. Falando em quais dos professores deixaram boas lembranças, posso afirmar que alguns nem se quer lembramos os nomes, com certeza aqueles que só davam aula por necessidade econômica, mas não por amor ao ensino. E hoje, se for dar aula por questão econômica, é melhor vender picolé na praia, nobre tanto quanto. Mas alguns, tudo bem que poucos, não saem da lembrança, do desejo de vê-los. Com certeza aqueles que amaram muito a educação e consequentemente seus alunos. Por isto, é sempre bom um professor refletir no seu dia a dia, qual é a lembrança que deixará para seus alunos. Passará pela educação sem ser lembrado? Causará traumas quando for lembrado? Ou será venerado toda vez que um ex-aluno o encontrar? |
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