• 001 - ThinkingCreated with Sketch.
    O Psicólogo

  • O Consultório


  • Artigos

  • Vídeos


  • Notícias


  • Ócio Criativo


  • Contato



Prostituição partidária e a fragmentação da democracia no Brasil

Publicado em 30/08/2022

Este texto escrevo a partir de minha trajetória como cidadão deste país que vive uma crise institucional sem precedentes, e onde a ameaça da democracia é real, não só especulação subjetiva.


Já na minha adolescência, na oitava série da época, hoje nono ano, na Escola Estadual Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo, São Paulo, fui aprendendo a conversar sobre política­ — até porque, na cidade, se cultua o escritor Euclides da Cunha pelo livro “Os sertões”. Euclides escreveu este livro na cidade de São José, durante o período em que estava se reconstruindo uma ponte metálica ali. Isso, por volta de 1898, após ser correspondente no Jornal O Estado de São Paulo, fazendo a cobertura da Guerra de Canudos (1896-1897), que dizimou aproximadamente 25 mil habitantes de Canudos pelo Exército Brasileiro, e cujos relatos deram origem ao histórico livro “Os sertões”.


Assim, nessa escola, cresci com a referência de Euclides da Cunha. A obra sociológica e de caráter político é estudada até hoje na Semana Euclidiana. O encontro de estudiosos do livro “Os Sertões”, que acontece todos os anos, no mês de agosto, foi onde pude aguçar meu olhar sobre a história política no Brasil.


No ano de 1979, escolhi entrar no “Colégio Agrícola Carolino da Motta e Silva” na cidade de Espírito Santo do Pinhal, ainda no estado de São Paulo. Em três anos me formei técnico agrícola e pude ver nos trabalhos de assistência rural o quanto o programa militar para a agricultura -“Planta que o João garante” — do governo do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, de 1979 a 1985 — era uma farsa: empréstimos rurais em que a oligarquia agrícola se beneficiava dos fartos empréstimos bancários para comprarem casas boas e carros de luxo. Aqui a sociedade brasileira já estava esgotada pela longa trajetória do regime militar, que era financiado por essa mesma oligarquia rural, e que começou em 1964, ano em que nasci. A promessa de ser por um período curto, a princípio para preservar o país das ameaças comunistas da época, acabou virando duas décadas.


Quando entregaram o país para a retomada da democracia, estávamos endividados, arrasados economicamente. Esse foi exatamente o ano em que entrei na universidade, para o curso de Psicologia pela UNESP de Assis-SP: em 1985 acontece a abertura política, e a reconstrução da democracia no Brasil. Na época havia dois partidos basicamente, ARENA (sob o comando dos militares) e o MDB (sob o olhar dos militares). Outros partidos foram proibidos de exercerem suas atividades. Uma democracia que ainda está frágil após 37 anos da abertura política, e que no momento encontra-se fragmentada, portanto, ameaçada.


A Democracia requer partidos fortes, será que temos? 


A tentação é de achar um bode expiatório para ser o protagonista de um novo golpe militar, e com isso o fortalecimento de um ou outro político. No caso atual, o então Presidente Bolsonaro, como o ameaçador da democracia, pois ele incorpora este papel muito bem encenado com seu traço de extrema direita. E, do outro lado, o ex-presidente Lula, que vem como o salvador da democracia. Logo, neste cenário, tornamo-nos cegos para ver que a democracia está ameaçada pela fragilidade partidária no país.


A Democracia requer partidos fortes, com clareza de posturas, compromissos e ações. Partidos com estatutos bem definidos, que seguem os critérios regulamentares da constituição para existirem e que tenham seus membros comprometidos com a ideologia que pregam. Não tem como conceber partido político sem ideologia, uma lógica que vem sendo desfigurada, como se ideologia fosse um problema. Não existe partido sem ideologia.


Mas em 37 anos, após 21 anos sem partidos novos ou antigos poderem exercer seu papel, tendo apenas dois partidos no controle dos militares, emerge uma configuração partidária de 32 partidos políticos legalizados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022. A Democracia é a coexistência das diferenças ideológicas representadas pelas suas partes/particularidades, o que deveria estar definido nos partidos políticos regulamentados. Na Democracia tem que conviver desde a extrema direita, passando pela direita, centro-direita, centro-esquerda, esquerda e extrema esquerda. Se não for assim, não veremos Democracia acontecer. E a porta ficará aberta para a intransigência de diálogos e a ascensão de ditadores. Tudo bem que na história do Brasil temos mais tempo sendo comandados por totalitarismos do que por democracias. Isso por si só pode ser um fator relevante para a configuração de uma república democrática de fato.


Prostituição partidária


Na eleição de 2022 vemos desfiguração de identidade dos partidos que observamos em seus membros. A maioria sequer leu o estatuto do partido e muitos deles foram filiados por um sistema profissionalizado de se fazer partido no Brasil, devido à verba pública que os partidos podem abocanhar para se estruturarem (tem muita gente por aí que nem sabe que está filiado a um partido). Podemos observar assim, o que chamo de prostituição partidária, na qual vemos gente de extrema direita em partidos socialistas, gente de esquerda em partidos de direita. Alianças partidárias que, nas suas cidades e estados, não coadunam com as alianças para a campanha presidencial. Em nome do ganhar uma eleição, abre-se para todo tipo de configuração.


Um tabuleiro que se forma nada parecido com um jogo de xadrez, pois no xadrez, há um fim cheio de estratégias; mas este tabuleiro mais parece um labirinto que está nos levando ao abismo. Cresce a base de políticos do “centrão”, que na verdade governam este país desde a primeira eleição pós- regime militar (1989), depois da promulgação da constituição de 1988 — e desta atuei coordenando o Grupo de Participação Popular na Constituinte da cidade de Assis-SP, onde coletamos 22 mil assinaturas de eleitores para a emenda “Participação Popular”, que conseguiu ser inclusa na Constituição.


Assim, diante desta fragilidade partidária e prostituição em que não se liga a pessoa de um partido à ideologia que este partido prega, pois muitos dos “chefes” de partidos aderem às siglas partidárias em seus municípios. Tudo isso conforme a força financeira e interesses pessoais, passando esses líderes a serem os “donos” de seus partidos nas suas cidades, e a nível de confederação, um partido com forte representação vai ter uma fragmentação de pessoas, de todas as faces e facetas. Uma base estruturante abalada, como uma casa construída sem alicerce e ou na areia.


Sabemos que em uma eleição há alianças estratégicas. Assim acontece em muitos outros países democráticos, porém com clareza de quem é quem nestas estratégias. Podemos citar como aconteceu mais recentemente em Portugal, onde a atual presidência é um conglomerado de partidos de centro-direita à esquerda, numa articulação que trouxe estabilidade à democracia daquele país. Mas no Brasil esse cenário se complica exatamente porque pessoas passaram a valer mais do que partidos na hora de votar. Mesmo sabendo que hoje, no Brasil, o mandato é do partido, vemos a baila dos nomes quando chega a janela eleitoral que permite a troca de partidos. Os partidos se enfraquecem, nascendo, então, muitos partidos já frágeis, e ressaltam-se, com isso, nomes, pessoas.


Votar em partidos ou em pessoas? 


Eu sempre votei em partido, conforme aprendi na política, dentro desta perspectiva democrática, e hoje, com esta prostituição de pessoas nos diferentes partidos e a falta de critério destes para escolha de filiados e, pior ainda, com um nome que deseja ser candidato, que muitas vezes é aceito pela força econômica que representa,fica muito difícil definir qual partido realmente tem uma cara definida.


O que vemos acontecer: A derrocada vertiginosa do estado democrático.


Votar em quem: em pessoas? Em partidos? quais? Em conveniências, para hoje se derrubar um possível ditador que emergirá em um outro momento lá na frente? Ou votar no fortalecimento do estado de direito democrático? Vou por este caminho, é o que nos resta.


Acho que do jeito que andam nossas estruturas partidárias, esta é uma reconstrução para mais uns 500 anos.


Como já dizia o indígena atrás do coqueiro assistindo à primeira Missa celebrada pelo Bispo Henrique de Coimbra, em 26 de abril de 1500, na praia de Coroa Vermelha em Santa Cruz de Cabrália, no sul da Bahia, que com os punhos cerrados, e braços cruzados afirmava: “- Não vai dar certo! Não vai dar certo!”, e pelo visto ainda não deu.



Compartilhe:

 

Avaliação:



Comentário de Anônimo em 01/09/2022 10:49:26
Parabéns pelo texto, Gerson!

Uma análise franca e com muita propriedade de quem, como cidadão viveu e vive, como nós, sob os constantes ataques à nossa frágil democracia.






Visualizações: 964

Contato

Site seguro

https://abarcapsicologo.com.br/ https://abarcapsicologo.com.br/