As datas que marcam a infânciaPublicado em 19/03/2024 A infância é marcada por etapas, evoluções. E, todo adulto tem, dentro de sua estrutura emocional, lembranças marcantes de momentos que definiram viradas de posicionamentos.
Você, com certeza, deve ter muitas cenas de sua infância. Uma lembrança minha que vejo muito claramente é de quando estava na pré-escola, aos seis anos, e era muito ligado à professora, sempre apanhando uma flor pelas praças nas quais passava a caminho da escola para presenteá-la. Memórias da infância são formativas por definição.
Quando alguém me diz que não lembra nada da infância, dentro de uma escuta analítica, já entendo que nesta não-lembrança há um sintoma. Algo que pode revelar processos de bloqueio que geraram esquecimentos, pois o ato de esquecer uma fase tão intensa e estruturante da psique não é algo apenas corriqueiro, mas está representando algo. Mudança de fases no desenvolvimento infantil
Aqui, trago algumas datas que, a partir da minha carreira com psicólogo também de crianças e a partir do referencial da psicanálise da criança, considero prioritárias por representarem marcas de mudança de fases no desenvolvimento infantil. Lembrando que vamos definir a infância, ou o ser criança, de 0 a 12 anos de idade.
O nascimento é um rito de passagem da vida intra uterina para uma criança que passa a ser vista, tem um corpo e um rosto. No entanto, este “marco zero” não é lembrado por nós a partir do que vivenciamos, mas sim a partir do que nos relatam. As expectativas boas ou ruins, o que projetaram para aquele ser, desejado ou não, negado ou não e em condições de se desenvolver, ou não. E esta percepção é o que teremos como referência, a partir de relatos transmitidos a nós ou de informações coletadas ao longo de nossas histórias pessoais, após os fatos.
Primeiro ano de vida. Um marco universal e a fase mais estruturante dos vínculos afetivos. Ano de superação biológica, de muitas possibilidades de um bebê se desfalecer. Época de colo ou ausência dele. Celebrar o primeiro ano de vida representa aos familiares a alegria de terem superado esta fase tão cheia de incertezas. O primeiro ano de vida é uma passagem. Nela, e dela, levamos as nossas memórias afetivas de acolhida ou abandono.
Terceiro ano de vida. Chega o tempo de desbravar pessoas para além de pai e mãe, terceiros que nos configuram numa relação de socialização. Porém, aqui a criança ainda tem nos pais uma referência absoluta de proteção, mesmo com a perda de si e das necessidades fisiológicas mais elementares para uma maior interação social. Ainda na dependência quase simbiótica (necessidade) dos pais, é a fase em que a porta do mundo ao redor começa a se abrir para a formação do indivíduo.
Sete anos de vida. Passados os desafios da primeira infância e do narcisismo primário (em que o mundo da criança é todo voltado para suas necessidades) para adentrar no narcisismo secundário (no qual a criança passa a desejar o conhecimento). Aqui, ainda vale a ideia de que o processo de alfabetização, propriamente dito, começa aos sete anos, na entrada na primeira série (hoje segundo ano). Neste período, a criança está, de fato, entrando numa fase de latência em que as demandas de estruturas afetivas adormecem (pelo menos em intensidade) para dar vazão ao campo de busca de conhecimento e exploração do mundo. Basta reparar em como a criança fica muito curiosa nesta etapa da vida.
Doze anos de vida, o tempo da pré-adolescência. Agora, começa a fase de transformação que leva a uma confusão tanto física como emocional. Inicia-se os processos de luto pela perda do ser criança, a perda do corpo de criança e a perda dos pais de criança. Uma fase em que pais e familiares os veem como crianças e, ao mesmo tempo, como adultos. A fase da “linguiça do cachorro quente”, dos questionamentos e de profundas mudanças. E é neste período em que a infância acaba, mas a criança interior permanecerá em cada um de nós. O que analisamos em um adulto é a sua infância!
E é através da transcorrência desses marcos do tempo de vida e destas memórias que viveremos a vida adulta com leveza ou com pesar. A trajetória destes períodos marcantes nos formam e nos configuram para o resto de nossas existências. Como já nos ensinou Donald Winnicott, psicanalista inglês que deixou uma extensa obra sobre a psicanálise infantil, o que analisamos em um adulto é a infância deste.
Diante deste breve retrospecto das principais idades a serem comemoradas na vida de uma criança, a você, que ainda tem filhos na infância, espero que consiga dar valor a cada etapa e que, no processo educativo, consiga fazer memória positiva às crianças que o cerca e da qual se responsabiliza.
Qual adulto passou pela sua infância e que, até hoje, você não esquece? E por que não esquece? |
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