Casamento feliz é possível?Publicado em 18/04/2024 Diante do panorama histórico de péssimos casamentos e da alta incidência de divórcios computados no passado e no presente (especialmente no contexto da pandemia em diante), pode-se constatar que, atualmente, há uma crença amplamente difundida de que a instituição matrimonial está irremediavelmente falida. Diante deste cenário, perguntar se um casamento feliz é possível, nos coloca diante de uma perspectiva quase paradoxal. No entanto, vale ressaltar que tal questionamento surge num momento em que a própria noção de felicidade tem sido profundamente questionada.
Se tomarmos a felicidade como ausência de problemas e/ou sofrimentos, nunca conseguiremos pontuá-la, principalmente quando tal conceito se confunde com a ideia de estar sempre sorrindo. Logo, o casamento jamais poderá pontuar felicidade por sugerir um estado de espírito praticamente irreal. Mas, se tomarmos o parâmetro de felicidade como um estado de autonomia no ser e agir, calcado na clareza sobre a identidade pessoal e das escolhas que se faz no cotidiano, assim como dos projetos que pretende perpetuar ao longo da existência mesmo diante de crises e sofrimentos circunstanciais, aí sim podemos pensar na viabilidade da felicidade e de um casamento feliz. Pois a felicidade não se dá na ausência de desafios e intempéries, mas na clareza de um posicionamento identitário e no reconhecimento da própria potência para manejar e superar quaisquer percalços possíveis.
Pessoas com maior capacidade de vivenciar a capacidade de olhar para o Outro de maneira altruísta tendem a pontuar maior sentimento de felicidade. Na relação matrimonial, esta noção de altruísmo pode ser um fator relevante para a construção de um casamento feliz, onde os cônjuges não projetam a necessidade de preenchimento de satisfações pessoais no Outro. Neste caso, haverá duas pessoas inteiras, presentes em suas escolhas pessoais e que elaboram uma relação de troca calcada na realidade de quem são.
As religiões cristãs, em sua maioria, possuem grupos e encontros de casais em vista de salvaguardar os casamentos e para salvá-los também quando estão em crise. Inclusive, já colaborei muito em encontro de casais com palestras sobre a psicodinâmica conjugal. Mas sempre disse com todas as letras que religião não sustenta casamento. Estes encontros até podem fazer com que casais se reencontrem com seus ideais de família e suas promessas conjugais, mas não garantem que o casamento possa durar ou ser feliz. Pelo contrário, muitos acabam preconizando uma formatação conjugal que leva ao casal viver sobre uma lei rígida de sujeição a uma regra divina ou diretrizes espirituais, levando as partes envolvidas a perderem seu senso de identidade. Por este motivo, inclusive, não me sujeito mais a fazer formação nestes encontros. Aspectos que podem colaborar para um casamento ser feliz
Casais falseados de felicidades, típico de “casais vinte”, são camuflagem para manutenção de status social. Transparência de sorriso não significa felicidade. E, nos meios coletivos e ou institucionais, esta é a imagem que mais se vende. Mas quais os aspectos que podem colaborar para um casamento ser feliz, diante do prisma em que estou abordando?
1) Estabelecer sempre a origem do encontro, as forças confluentes que fizeram o casal desejar o encontro, aquele momento de encantamento e de atração, e, ao mesmo tempo, de percepção de vínculo. Existe forte tendência de não se pontuar ou cultivar este momento no decorrer da vida conjugal. Perder a história do vínculo amoroso é seguir na contramão da construção de um casamento feliz;
2) Uma relação onde um não dependa do Outro, mas fazem trocas e caminham como parceiros; Há uma máxima na dramaturgia que diz “Toda relação a dois pode ser duas coisas: Um dueto ou um duelo.” E todo dueto pressupõe duas partes autossuficientes trabalhando em conjunto para construir algo maior.
3) Duas pessoas que se descobrem e vão se encontrando mais pelas semelhanças que pelas diferenças. Às vezes, estas semelhanças são entendidas como diferenças e se chocam por espelhar coisas que um ou outro nega em si mesmo, levando a atritos e possíveis ataques, mas que, no fundo, configuram uma semelhança. Enxergar este detalhe ajuda um a não transferir no Outro o que é de si próprio.
4) Uma relação onde ambos são os maiores incentivadores da potência do Outro, valorizando seus talentos, estimulando suas realizações, torcendo por seus projetos e comemorando seu sucesso sem hesitação ou recalque.
5) Se o casal tem filhos e consegue entender que estes não são propriedades. Um dia os filhos partirão e o casal continuará. Desta forma, o casal viverá não apenas em função dos filhos, mas desprendendo tempo e energia para a manutenção do vínculo amoroso. Deste tipo de relacionamento, o casal poderá continuar na sua vitalidade amorosa mesmo com a saída dos filhos de casa. Casamento feliz, de fato não é para muitos, e por isso que a ideia de
conquistar uma felicidade conjugal
passa a ser quase uma quimera. Se este projeto for um desejo diante de uma realidade cotidiana
que consiste na convivência
com dores, lágrimas, conflitos e sofrimento,
tal configuração pode ser possível. Mas, quanto mais arraigado o casal estiver
a padrões de condutas ditados por
terceiros, de promessas messiânicas de completude, menos chance o casal terá de vivenciar um matrimônio
genuinamente feliz, pois não será uma escolha
na forma de viver a dois a partir das necessidades pessoais
dos cônjuges. |
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