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A importância do desmame na construção da estrutura psíquica

Publicado em 22/10/2024

O desmame tem uma importância estruturante na vida de todas as pessoas. Não representa apenas uma demanda biológica, configurando uma etapa de mudança de fase que terá forte importância na configuração da estrutura psíquica da pessoa, independente da filiação dos seios nos quais foi amamentada. Todos passamos por este processo e temos marcas em nossa personalidade (ou melhor, em nossa estrutura emocional) decorrentes desta fase.


Desde a fecundação, passando por toda a gravidez até chegar no processo de desmame, mãe e filho estão vinculados numa mesma estrutura psíquica, que podemos chamar de simbiose materno/filial, em que há uma inter-relação mútua. E, mesmo que uma criança não tenha sua mãe biológica, mamando em outra mulher e/ou via mamadeira, a interação simbiótica se dá neste longo ciclo de existir até o desmame. A configuração de mãe, para o entendimento da psicanálise, não está diretamente relacionada apenas ao processo duma relação biológica, pois os vínculos se estabelecem por laços afetivos. Assim, precisamos sempre ressaltar a mãe como aquela que faz presença afetiva e que, inclusive, pode não ser uma pessoa do sexo feminino. Por isso que, quando nos perguntam se um casal homoafetivo masculino pode adotar uma criança ainda bebê, podemos afirmar que sim.


O desmame vai representar a passagem de fase


Dentro das perspectivas da psicanálise a partir de Melane Klein, Winnicott e Dolto, assim como o próprio Lacan, que pouco escreveu sobre crianças, podemos entender que o desmame vai representar a passagem de uma fase de estabelecimento de vínculo estruturante para a entrada no processo da linguagem, das regras e, assim, da socialização. No texto de Lacan “Complexos Familiares” (1932), teremos uma clareza desta configuração e da importância do desmame para a evolução do sujeito na configuração de sua própria estrutura psíquica. Lacan vai dar o nome deste momento de “complexo do desmame”, onde mãe e filho são uma só pessoa. Mas então é possível questionar: “E as crianças abandonadas, que perderam o vínculo com a mãe desde o parto, e ou que foram bruscamente retiradas de suas mães, não vivenciaram este uma só pessoa em mãe e filho?”


Esta pergunta não deixa de ser complexa, pois, de fato, vemos com frequência a interrupção de vínculos de maneira tão catastrófica que podemos até não conseguirmos entender que uma criança desvinculada de sua mãe possa passar por este desmame de forma saudável - isto é, que a projete para novas etapas da vida de forma propulsora, estimuladora. E, de fato, vemos ser instauradas muitas “desestruturas” psíquicas por conta destas interrupções abruptas. Também, em muitos processos nos quais, mesmo tendo todas as estruturas de suporte, logística e referenciais de vínculos aparentemente saudáveis e/ou padronizados num modelo adequado, poderemos ter perdas de vínculos afetivos onde prevaleceu a logística e a funcionalidade materna.


Desta forma, é fundamental que todas as frentes de atendimento às crianças nos primeiros anos de vida sejam configuradas por profissionais com conhecimento da estrutura do desenvolvimento emocional no início da vida de uma criança em suas mais diversas instâncias, desde o atendimento ao pré natal, até ao trabalho de parto (hospital), creches, cuidadores, familiares e/ou profissionais de instituições de acolhimento de passagem. Todos os profissionais devem estar devidamente preparados para a manutenção de laços afetivos.


Por isso, não basta ter uma graduação ou formação técnica para trabalhar com crianças. É preciso ter potencialidade para acolher de maneira que o profissional seja a extensão uterina da mãe pois, da fecundação até ao desmame, a criança estará absorta numa interação interina que vai se romper no desmame. Posto esta demanda, apresentarei aqui algumas prevenções importantes para que o processo de desmame aconteça dentro de uma estrutura viável. Lembrando que viável, em psicanálise, não representa livre de traumas e/ou conflitos, mas que possa potencializar a construção de uma estrutura psíquica que se evolua para uma autonomia de identidade, de singularidade.


O que observar para que o processo de desmame aconteça dentro de uma estrutura viável


Na Pediatria, se preconiza o desmame aos 2 anos de idade, levando-se em consideração as demandas biológicas e vitais numa sociedade com altos índices de famílias em estado de pobreza. Este critério colabora para que, pelo menos, o sujeito tenha melhor estrutura fisiológica. Mas, sendo esta uma necessidade fisiológica, é necessário estar atento para que o desmame tardio não esteja carregado de dependência simbiótica e dificuldade de rompimento da criança com sua mãe, criando uma disfunção na autonomia da criança.


Esta demanda também pode se dar mesmo que a criança não seja amamentada no seio materno, mas via mamadeira. Dentro do desenvolvimento da estrutura psíquica onde não podemos ver apenas demandas biológicas, o melhor caminho é desmamar uma criança aos seis meses de idade, ou com a aparição dos dentes, pois deste ponto em diante, o ato de amamentar torna-se sofrível para a mãe. Vale ressaltar que, mesmo que seja um processo via mamadeira, a perspectiva de avanço da criança para desenvolvimentos de novas habilidades e buscas justifica o desmame. Você já deve ter visto muitas crianças bem desenvolvidas apegadas em mamadeiras e até objetos similares, vide a chupeta.


O desmame tem, em si, o rompimento deste ciclo simbiótico para a entrada na relação com terceiros, onde a criança descobrirá que existe um mundo para além da figura materna. Retardar este desmame é potencializar o não-crescimento e não-estabelecimento de novos e outros vínculos. E este processo, quando não ocorre, pode predispor a criança a atrasos em seu desenvolvimento social e cognitivo. Desmamar é se encontrar com o que está ao seu redor, e dar asas a buscas, inclusive pelo conhecimento.


Ao longo dos anos e da evolução das formas de se viver em Sociedade, muitos mitos sobre o processo do desmame foram sendo formados no meio popular, tais quais: A fixação do ser humano ao seio feminino (principalmente nos homens), fator que não tem equivalência com a amamentação e referem a outra demanda na vida do adulto, levando à erotização do ato de amamentar, dificultando ainda hoje para que mulheres ofereçam seus seios aos filhos bebês em ambientes públicos; Que o desmame pode levar a uma fixação alcoólica, por não ter desmamado (ou pelo trauma do desmame), num equívoco grosseiro, visto que o alcoolismo é uma doença de estrutura fisiológica; Fixação ao ato de fumar, como se o indivíduo fumasse para reviver o ato de amamentar quando, na verdade, é um hábito associado às químicas compostas no cigarro para gerar dependência física; dentre muitos outros mitos.


De tudo que discorri aqui neste texto, cabe ressaltar que a maior importância do desmame está categoricamente na construção dum sujeito que é colocado ou impulsionado para a construção de sua autonomia. Lembrando que a autonomia deve ser entendida para cada etapa da vida humana. A autonomia de um bebê de oito meses é diferente de uma criança aos 7 anos, ou de um adolescente de 13 anos, como também de um adulto de 40 anos, e assim sucessivamente. Mas a engrenagem da autonomia está de fato pontuada originariamente no processo de desmame.



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