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A escuta psicanalítica para além do indivíduo

Publicado em 29/05/2025

Olhar na escuta, esta é a minha dinâmica no processo de escuta em psicanálise. Desde um atendimento a bebês junto de suas mães para já intervir em vínculos que possam estar bloqueando a transmissão de afetos materno-filiais, até crianças, adolescentes e adultos. A escuta psicanalítica, na minha perspectiva analítica — que intitulo psicanálise contextualizada — parte da palavra do analisando para entrar na cena. Como costumo pontuar aos meus pacientes: “Preciso ver a cena, toda a cena”. Quase como um Big Brother. Por isso mesmo costumo dizer que psicólogos são meio que fofoqueiros — adoram ouvir uma fofoca — apenas com a diferença de que essas histórias ficam apenas na memória dos pacientes.


O entrar na cena pela palavra dita em setting analítico (nas sessões) se de diferentes formas. Por exemplo: As crianças falam pelo brincar, os adolescentes transitam entre verbalizar e jogar, e os adultos o fazem por meio da fala direta. Mas em todas essas formas de comunicar, a cena vem e torna o processo mais transparente, tanto para o psicólogo-analista quanto para o paciente. Quando a fala não faz emergir - não formando uma cena - podemos estar diante de uma expressão fantasiosa que pode estar conectada a um mecanismo de defesa que é ativado quando o paciente não quer se revelar, como um processo de resistência. E é nessa resistência que pode morar o sujeito que não quer que a verdade sobre ele seja revelada.


Freud vai avançar em sua escuta para além do Indivíduo após a Primeira Guerra Mundial, pois, até então, parecia estar em uma redoma, mergulhado na construção de sua teoria e tentando convencer seus colegas médicos de que suas descobertas tinham caráter científico. Sendo Freud um neurologista e pesquisador das enguias marítimas, no seu esquema neurotransmissor, ele rompe com a neurologia laboratorial e parte para construir seu relato de tratamento psíquico — a Psicanálise. Seu maior legado que, de fato, representa um corte epistemológico (um pensamento que é descoberto e faz mudar o rumo de uma forma de pensar), é quando nomeia o Inconsciente. De lá pra cá, tudo que se entende como inconsciente, devemos ao gênio Freud.


Freud: da escuta individual à construção teórica


Mas imagine: Freud precisava manter-se hermético em sua teoria, que era fruto do mergulho em sua escuta clínica. Tanto que temos cinco casos paradigmáticos sobre os quais Freud escreveu sistematicamente, com base na escuta individual de seus pacientes e que podemos encontrar no livro "Histórias Clínicas: Cinco Casos Paradigmáticos da Clínica Psicanalítica", editado pela Editora Autêntica. Nestes casos, a escrita de Freud faz surgir as cenas das sessões. Em alguns momentos, parece que estamos assistindo a um filme a partir da transcrição de Freud sobre a fala de seus pacientes em sessão.


Por isso, escutar a cena, para mim, é um legado que trago de Freud. Um Freud que fala e elabora teoria com transparência no escrever, como se estivesse exercendo a práxis (teoria e prática), onde a boa teoria emerge da vivência prática. Neste sentido, esse é um dos grandes méritos de Freud — tanto que foi premiado com honrarias equivalentes ao Nobel de Literatura por sua escrita literária, como foi o caso do Prêmio Goethe da cidade de Frankfurt, em 1930.


A cena como legado freudiano


Porém, até então, antes da Primeira Guerra Mundial, Freud estava envolto na construção da Psicanálise. De fato, vemos que ele olhava para as demandas do indivíduo e, no máximo, fazia conexão com pessoas próximas a seus pacientes para compreendê-los. Verás, por exemplo, no caso Dora (em que analisa uma adolescente) que Freud ficou apenas na demanda da histeria — um conceito em franco desenvolvimento na época mas deixou de ver de forma mais ampla o quanto a adolescente que analisava estava envolvida em uma sociedade que invadia as ingenuidades de uma jovem em processo de definição de sua identidade, sendo inclusive vítima de assédio sexual.


Com as mazelas vividas no pós-Primeira Guerra — tendo inclusive sua família empobrecida e marcada pelos traumas emocionais da guerra, como toda a Viena da época — brota em Freud um olhar para o social, levando-o a instaurar clínicas públicas que viriam a se espalhar pela Europa após 1919. A partir daí, a psicanálise adquire um novo olhar de uma escuta que inclui o indivíduo no contexto social, gerando novos textos de Freud com maior imersão social. Ele chega a afirmar que a psicanálise é o social.


Da escuta individual ao sujeito inserido no social


Hoje, estou empenhado em reescrever a psicanálise para a nossa realidade brasileira e latino-americana. Para isso, revisito conceitos da psicanálise desde Freud, passando pelos pós-freudianos até chegar a Lacan (especialmente a partir de 1933), quando sua influência começa a tomar corpo por meio dos seminários de 1953 em diante. É necessário descolonizar a psicanálise eurocêntrica e pensá-la a partir do seu principal legado — o Inconsciente — em diálogo com os pensadores da diáspora africana no Brasil e da ancestralidade indígena brasileira e latino-americana. É um desafio sair de uma clínica centrada no indivíduo, como se o processo analítico fosse algo isolado dentro do setting terapêutico, desconsiderando o sujeito como extensão de sua cultura e de sua história. Um desafio que vivencio no meu cotidiano: Escutar a cena e contextualizá-la no ambiente onde ela acontece, desde a microvivência até a macrovivência.


Como escutar um sujeito que não está mais pontuando ereção peniana sem compreender esse sintoma dentro de seu contexto socioeconômico e cultural? Como analisar uma pessoa com disfunção alimentar sem enxergar, em sua estrutura psíquica, a avalanche publicitária do gourmet e os significados regionais atribuídos ao alimento? Enfim, a escuta da cena precisa ser como um filme transmitido, uma novela em desenvolvimento que nunca acaba. Ou um conteúdo da Netflix que obsessivamente repete, repete, mas nunca termina. Faz laço, enlaça e vicia pois, na fala analítica, a repetição tem sentido pleno — assim como fazem muito sentido as voltas e retornos que a história dá, nesse processo cíclico que parece sempre nos devolver ao mesmo lugar.


Contextualizar para escutar


E é aí que entra a geopolítica na escuta, pois entendo que vivemos e nos relacionamos como resultado de políticas instituídas e ideologias traçadas. Sendo assim, como levar as pessoas em processo analítico a identificarem traços de sua própria ideologia — aquilo que representa sua forma de escolher, viver e reconduzir-se pelas estradas que trilham — se essa ideologia está impregnada pela ação política no espectro da geopolítica global?


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