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Quando esqueço que um dia fui criança

Publicado em 26/06/2025

A vida adulta carrega em si a crueldade da imersão profunda na realidade do cotidiano. A meu ver, este é um elemento agressivo da saída da vida de criança, levando a um longo período de transição pela adolescência até chegarmos à vida adulta. Tal passagem é tão cruel que há fortes sugestões de que a adolescência se estenda conceitualmente para além dos 26 anos. Hoje, ainda preconizo até os 22 anos, tendo o período de 17 a 22 anos reconhecido como adolescência adulta.


A crueldade do fim da infância e a longa travessia para a vida adulta


Mas essa crueldade da entrada na vida adulta — que a Organização Mundial da Saúde (OMS) delimita a partir do final da juventude, aos 29 anos parece fazer com que tudo perca o encanto. A emersão da fantasia infantil, que nos remete sempre ao saudosismo da fase da vida em que não éramos preocupados com nada, entra em um patamar sem flores. E aqui lembro do belo filme A História Sem Fim (1984), dirigido por Wolfgang Petersen, no qual um garoto sobe ao sótão de sua casa, entra em um livro infantil e viaja por essa história. O filme nos coloca diante de um processo de transição entre fantasia e realidade, no qual a criança está em pleno processo de imersão na fantasia.


Fantasia e realidade: o risco de perder o encantamento


Já na entrada da vida adulta, a fantasia parece dar lugar total à realidade. E, se o adulto permanece preso ou imerso na fantasia, algo parece estar fora do lugar. No entanto, entrar na vida adulta torna-se ainda mais cruel quando esquecemos que um dia fomos crianças — não restando sequer as lembranças das fantasias passadas. É comum, no processo de análise, que aqueles analisados não consigam lembrar das cenas da primeira infância num primeiro momento (principalmente entre 1 e 4 anos de idade). Há também aqueles que chegam totalmente absorvidos em um processo regressivo infantil, nos quais a realidade da vida adulta parece desconexa.


A criança esquecida e os sintomas da vida adulta


Se esquecemos que fomos crianças ao adentrarmos a vida adulta, apresentaremos comportamentos com sintomas, tais quais variações de humor, rigidez comportamental e intolerância ao convívio com crianças. Um dos sintomas mais comuns que observo em adultos que se tornam mães e pais é o cansaço excessivo pelo contato com os filhos, ou uma intolerância em brincar com eles e adentrar sua fantasia.


No início do processo da análise, o analisando se apega à descrição das cenas do cotidiano, como se estivesse relatando uma notícia, descrevendo os fatos sem analisá-los de fato. Depois, com o desenrolar do processo e com o cansaço de falar das mesmas coisas e pessoas, o analisando começa a falar de quem foi, da sua história, e as memórias da infância começam a emergir. Por isso, dizemos que o sujeito analisado vai se tornando mais leve, pois começa a ver e reconhecer a criança que foi e que, aprisionada pelo inconsciente, se manifesta por meio de sintomas comportamentais que finalmente podem ser vistos e reelaborados.


Lembrar, sonhar e viver com criatividade


Como já nos orientava o psicanalista e pediatra Dr. Donald Winnicott, o que analisamos no adulto é a criança que está dentro dele. Assim, ao lembrar, reviver e elaborar essa criança do passado — que ainda habita o adulto como comportamento e memória — passamos a encarar a realidade cruel com mais suavidade e leveza, pois há a fantasia que podemos deixar se manifestar no cotidiano. Tornamo-nos adultos melhores, que se permitem brincar e sonhar.


Pois infeliz é o adulto que não sonha — esse não estará mais vivendo. Sonho aqui no sentido de desejar, fantasiar, se permitir brincar na vida e fazer do cotidiano um desafio a ser vivenciado com criatividade. A criatividade é a evolução da fantasia infantil para a vida adulta. Por isso, dizemos que, para viver o dia a dia, é preciso ter muita criatividade e cultivar a arte de viver.


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