Educar adolescentes na era do celularPublicado em 11/07/2025 Após
o sucesso da série “Adolescência”, lançada pela Netflix neste ano de 2025, e do
profundo impacto que causou em muitos pais, falar da adolescência volta à cena. As demandas
estão cada vez maiores em torno de sintomas
comportamentais neste grupo e quadros como ansiedade generalizada, depressão
com desejo suicida, auto-agressão, assim como comportamentos dissociativos com
características psicóticas. Quadros que chegam com fortes indicadores e com os
quais precisamos dialogar de maneira mais próxima aos psiquiatras que os
acompanham, pois há a tendência de enquadrar o quadro como psicose e, na
maioria das vezes, tais sintomas podem ser dissolvidos por meio de uma intervenção
rápida, seja terapêutica e/ou medicamentosa, assim como de hábitos
cotidianos do adolescente por parte dos pais e familiares. Desta
maneira, tratamos estes quadros como episódios de crise,
pois é característico da adolescência haver uma desorganização interna de
pensamento que os Psicanalistas argentinos Maurício Knobel e Arminda Aberastury
caracterizaram de “Psicopatologia Normal da Adolescência”.1 O novo cenário da adolescência e seus sintomas Observo
que, na atual conjuntura da Era Digital, o celular está se incorporando como
necessidade elementar similar à de um órgão adicional. Esta demanda atinge
diretamente adolescentes e crianças, pois há um bom tempo livre no cotidiano
que está sendo ocupado com o uso deste dispositivo. Sabemos que o celular é uma realidade
de uso desde os primeiros
anos de vida até a vida
adulta - basta observar a quantidade de idosos constantemente ligados a tais
aparelhos. E aqui vale observar
que, se os impactos nos adultos e idosos já são danosos, mesmo estes já
possuindo autonomia e maturidade para processos de escolhas, imagine os
estragos na vida adolescente. O Comitê Gestor da internet no Brasil, que
desenvolve pesquisa sobre o uso das TIC (Tecnologias de Informação e
Comunicação) nos domicílios brasileiros, identificou que, entre 9 a 17 anos,
95% usam o celular por um período
de 9 horas por dia. Daí entendermos o foco dos processos dissociativos e de transtornos
emocionais que a adolescência atual está apresentando. Muitos
são os estudos hoje que comprovam os efeitos danosos para a vida emocional dos
adolescentes quando estes ficam entregues ao celular por tempo excessivo. Nem
precisaríamos de dados estatísticos para sabermos disso, visto que as clínicas
psicológicas que trabalham com adolescentes já estão recebendo inúmeros casos
com sintomas associados à dependência do celular,
e, nas famílias, os pais estão percebendo esta realidade quando o adolescente
dentro de casa fica inoperante, isolado e depressivo.
Sintomas visíveis nas famílias e nas clínicas Uma
pesquisa interessante do Programa de Pós-Graduação em Medicina Molecular
da UFMG indica que, ao analisar
142 artigos que atingiram cerca de 2 milhões de pessoas em vários países do mundo, 72% dos adolescentes apresentaram
depressão associada ao uso intensivo do celular. Desta forma, não precisamos
mais argumentar que o excesso
de celular traz malefícios aos adolescentes e a todos nós. Sendo assim, ainda precisamos
enxergar e aceitar esta realidade para podermos agir conosco mesmo e com os
filhos. Cinco passos para os pais enfrentarem a dependência digital Aqui, quero apenas apresentar algumas intervenções necessárias para os pais tomarem atitude sobre o uso do celular com seus filhos adolescentes. Vou focar na adolescência devido à sua condição como uma etapa de muita vulnerabilidade vinda das diferentes fases de transformações e que demanda muitas queixas das escolas sobre dificuldades de aprendizado e processos de disciplinas no ambiente escolar. Segue então algumas orientações aos pais: 1) Primeiro Passo: Fazer a pergunta “O que desejo para o futuro dos meus filhos?” Faço a
analogia simples de questionar se pretende-se colher um fruto tipo exportação ou um fruto para marmelada. O fruto tipo
exportação envolve um cuidado quase que individualizado no qual até se embrulha os frutos no pé
e, quando se vai colher, colhe-se um a um para não os
machucar. Já, se for para marmelada, pode deixá-los até bichar no pé e, ao
colhê-los, uma boa vara para derrubá-los ajuda. Aqui, estou falando de processo
preventivo, pois se quero para eles um futuro próspero, é melhor cuidar com
toda a atenção, de mão em mão. 2) Segundo Passo: Observar se, como pai ou mãe, estou
viciado no meu celular. Uma certa vez, eu e minha esposa estávamos na sala
de casa assistindo TV, cada um em um canto do sofá com seus respectivos
celulares e neles fixados. Um de meus filhos filmou esta cena escondido e nos
mandou pelo nosso Whatsapp. Ao assistir o que ele tinha enviado,
assustei de me ver naquela cena por me pegar fazendo isso sem perceber.
Neste episódio, entendi que, para colocar critérios aos meus filhos, preciso
ter critérios no meu uso pessoal, pois educar pelo testemunho, ainda prevalece
como regra de ouro. 3) Terceiro Passo: Criar mecanismos de controle nos quais o tempo de uso do celular possa ser monitorado. Aqui, indico um caminho que pode dar mais resultado, que é definir um período limitado de uso com horas marcadas (indico, no máximo, duas horas por dia). Pois assim como temos horários para ir ao médico, almoçar, dormir, ir a escola, etc, tal estratégia tem ajudado muito por não envolver uma negociação na hora de entrar e sair, já que estes processos de barganha geram muitos desgastes de relacionamentos (especialmente com adolescentes). E este critério deve ser acompanhado da mesma forma aos finais de semana e feriados, permitindo que os filhos fiquem ligados em atividades de socialização e integração com o coletivo. No entanto, para isso, os pais precisam se propor a serem ativos junto com seus filhos adolescentes. 4) Quarto Passo: Fazer atividades junto dos filhos, tanto envolvendo-os em suas
atividades quanto entrando nas atividades deles. Mesmo sendo uma etapa da vida
na qual acabam buscando seus vínculos de grupo, cabe aos pais entrarem no
esquema dos adolescentes. Se os
pais ficam isolados no seu próprio mundo sem interação recorrente com os
filhos, este processo de prevenção se tornará inviável. A internet
chama os adolescentes para dentro de seus quartos e o cotidiano chama os
adultos para seus afazeres. Tornar-se jovens com seus filhos adolescentes,
revitaliza a vida de qualquer adulto e reduz este abismo. 5) Quinto Passo: Por enquanto, o último passo deste artigo - sabendo que podemos fazer
uma lista enorme de possíveis ações para prevenir filhos da dependência
do celular e consequentes sintomas de transtornos comportamentais - consiste na
ideia de que os pais monitorem o que os filhos estão vendo e consumindo. Sejam chatos, sim, para terem
acesso aos conteúdos na qual estão navegando. O testemunho dos pais é o limite mais eficaz O
controle do celular nas escolas por regra federativa já ajudou muito aos
professores, que agora estão respaldados por lei. Mas não basta a escola ter o
controle, se este não ocorre na família. Voltando à pergunta do Primeiro Passo
(“O que desejo para o futuro dos meus filhos?”), só posso afirmar que os pais
que entendem a necessidade de impor limites ao mesmo tempo que prestam
testemunho de seus limites pessoais sobre o uso do celular, estarão dando
um enorme passo
para o sucesso emocional,
profissional e de cidadania de seus filhos. Como poucos terão a coragem de
“nadar contra a correnteza” de um “povo que segue como gado marcado”, os que
assim o fizerem estarão colocando seus filhos em um patamar de diferenciação
entre o Coletivo. Como esta meta será para poucos, o resultado ficará
escancarado. Mas
só vão conseguir definir posicionamentos e colocar limites, sendo parceiros na
construção do desenvolvimento dos filhos, aqueles que realmente os amam. Pois
quem ama, cuida; E quem cuida, não se poupa ao sofrimento, principalmente quando o sofrimento está relacionado a um bem maior,
que é a plena autonomia futura de seus filhos. 1 Aberastury,A; Knobel,M – Adolescência Normal – Artmed , 1971 |
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