A decadência do Cristianismo no BrasilPublicado em 31/07/2025 Apocalipse nos Trópicos, documentário dirigido por Petra Costa e lançado em julho de 2025 pela Netflix, marca novamente o perfil desta cineasta que teve outro documentário seu na lista dos candidatos ao Oscar de Melhor Documentário em 2019, Democracia em Vertigem. Sua marca é a capacidade de adentrar em territórios confluentes e divergentes, retirando material para compor documentários que escancaram o que está escondido. Neste texto, elaboro a partir de Apocalipse nos Trópicos, que, ao assistir, me causou enjôo. Por quê? Por ver um documentário que traz fatos reveladores de uma prática religiosa cristã totalmente desvinculada da essência cristã. Uma prática que se alia à política no que tange ao poder econômico, por meio da representatividade política e que se usufrui do sofrimento de um povo empobrecido que busca a sobrevivência e está afetado emocionalmente na construção da autoestima. Um terreno fértil para a exploração alheia a partir da fragilidade e vulnerabilidade dos empobrecidos. Do Evangelho à política: quando o discurso se torna armadilha Ascender ao poder político com a ideia de que, na política, os “bons cristãos” devem governar parece ser uma estratégia cristã originária pois, no Evangelho de Jesus Cristo, há o clamor para que “todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jó 10,10); Encontramos também no Evangelho de Mateus as duas fórmulas clássicas que conduzem as pessoas aos céus: as bem-aventuranças — “Bem-aventurados os que praticam a justiça” (Mt 5,6) — e, mais ao final, na segunda parte do capítulo 25, Jesus alerta que o Reino é para aqueles que acolheram os sofridos, os famintos e os presos. No Evangelho de Lucas, no cântico de Maria (Magnificat), ela anuncia: “Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes” (Lc 1,52). Nestas, e em muitas outras passagens dos Evangelhos de Jesus Cristo — que são a base da fé e a construção da identidade cristã — a prática cristã exige um atuar político em prol da justiça social e da defesa dos direitos para todos e todas. Porém, o usufruto do mandato religioso para ascensão política e obtenção de poder, com o discurso de que os evangélicos precisam livrar a política das mãos dos comunistas ateus — como se estes fossem o Diabo — passa a ser um Anti-Cristianismo. O próprio ensinamento de Jesus Cristo passa a ser considerado, por evangélicos fundamentalistas, como algo de esquerda. Não falam dos ensinamentos de Jesus quando se trata de justiça social, mas se prendem a temas e pautas de costumes sob uma ótica conservadora, como aborto, gênero, família ideal e propriedade. Com um apelo emocional que atrai aqueles que sofrem diante da exclusão social, constroem uma religião da promessa, que encanta, da prosperidade que enche os olhos. E, no documentário, fica claro o quanto todo o discurso religioso cristão é apenas uma estratégia de conquista do poder político. E fazem isso com um espectro enorme de interesses corruptíveis e acordos financeiros espúrios. A instrumentalização da fé e seus efeitos sociais Diante deste cenário que Apocalipse nos Trópicos apresenta, vemos os sinais de uma estrutura política brasileira teocrática, que caminha para a destruição do processo democrático. Associado a isso, há uma enorme divisão do povo brasileiro dentre as centenas de correntes cristãs, gerando uma perda do sentimento de pertença à nação, quebra do orgulho por uma pátria e uma fragmentação emocional coletiva que vai transformando o país em um ambulatório (ou sanatório) geral de doenças emocionais. Um povo que quer um salvador e tem vários que prometem muito, mas só favorecem aos próprios interesses. Quando vemos um líder religioso comandar a cabeça de um grupo político em nome de um Deus que toma para si como verdade, estamos, de fato, diante de uma ameaça cujo futuro não podemos prever. Só podemos assistir à ascensão de sociopatas que, no fundo, estão apenas preocupados com benefícios pessoais. O que vejo, diante da provocação que o documentário de Petra Costa nos faz, é a decadência paulatina das religiões cristãs que, na sua maioria — ou, se não for maioria, ao menos aquelas congregações que arrastam grandes quantitativos de fiéis, quase 30% da população brasileira — estão com seu futuro em declínio, pois caminham de forma antagônica aos verdadeiros ensinamentos de Jesus Cristo. Chegará o tempo em que se nominar “cristão” a partir de uma igreja cristã será motivo de chacota. Já vemos essa realidade acontecer quando nos deparamos com muitos líderes religiosos com comportamentos esdrúxulos e bizarros, quase folclóricos e caricaturais. Rumo ao colapso ou à resistência ética? A religião é fomentadora da fé e construtora da consciência coletiva para a prática do amor. Por esse motivo, o próprio Jesus Cristo ensinou: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21). Pois, em seu tempo, os zelotas — uma tendência política da época, à qual Judas Iscariotes pertencia — desejavam conduzir a liderança de Jesus para derrubar o Império Romano. Mas Jesus não embarcou nessa canoa furada. Hoje, no Brasil, muitos dos que dizem ser seguidores de Cristo estão não só embarcando em uma canoa furada, mas conduzindo um grande número de fiéis/cidadãos ao naufrágio de um transatlântico. Haja estrutura emocional para ver tudo isso sem se deixar influenciar ou desmobilizar emocionalmente. Muitas são as instituições religiosas cristãs no Brasil que não compartilham dessa estratégia perversa de usar a religião para atrair massas sofridas, o povo em desespero. Há um grande número de congregações que vivenciam uma prática cristã em sua essência: a vivência do amor e a construção da justiça social. Mas, se essas muitas denominações religiosas — que são éticas e mantêm o legado de Jesus Cristo em sua proposta original — não erguerem suas vozes e não se posicionarem, a decadência do Cristianismo no Brasil será apenas uma questão de tempo. |
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