O ambiente familiar gerador de depressãoPublicado em 12/09/2025 O ambiente familiar, por muitas vezes, pode ser um foco gerador de depressão. Esta é uma lógica que não queremos reconhecer, pois estamos apegados à ideia da família como o maior patrimônio de uma pessoa, especialmente dentro de um espectro religioso-cristão e dos modelos de igrejas que pregam uma ideia de instituição nuclear perfeita a partir do discurso de Deus, Pátria e Família. Porém, este modelo de Cristianismo parece desconhecer o Evangelho de Jesus Cristo, no qual a família é transposta para uma proposta coletiva universal, formando a problemática atual. Indiferença digital e isolamento Vivemos em tempos de internet e celulares nas mãos de todos, levando à quase total indiferença um para com o outro no mesmo ambiente familiar. Os estímulos externos e o mundo do outro passam a ser referência, levando a perda de identificações no mesmo núcleo familiar que geram um vazio pelo sentimento de solidão mesmo dentro do coletivo familiar. O processo de nucleação da família, para o circunspecto de uma família fechada em seu núcleo restrito de pais e filhos, sem conexão com o coletivo social na comunidade em que se encontram, levam à perda da rede de apoio e gerando o isolamento e consequente sensação de fragilidade e insegurança. Associado a isso a violência social estimulada pelas informações sempre dos episódios cruéis gerados pelo jornalismo policialesco. Educação pela perfeição e culpa A partir desta visão exigente em associação à questão acima, a família pode promover a depressão quando, no processo educacional, insiste em educar pela perfeição. Assim, teremos a repressão que gera culpas por comportamentos que não refletem o ideal desejado. E, aqui, a culpa é o chicote que estala no sintoma da depressão, numa problemática agravada por outro fator que também pode configurar a família como promotora da depressão: Quando a manifestação do amor se dá de maneira utilitária, numa dinâmica em que não há manifestação gratuita do sentimento amoroso e expressões de afeto são vivenciadas a partir dum processo de troca mediante cumprimento de obrigações ou da conversão do sentimento em bens materiais. Da mesma forma, quando os filhos ainda são crianças e os pais (ou responsáveis) não se conectam com elas na sua forma de ser e não se comunicam pelo brincar, não ocorre a produção da alegria que pode provocar a boa expectativa dos pais estarem em casa. Pelo contrário, a ausência do lúdico gera nas crianças o desejo de estarem fora de casa e/ou não voltarem para ela. Diante destes fatores e das relações agressivas entre seus membros, a depressão vai se instaurando lentamente. Dia após dia, com a rotina tóxica de ataques e ofensas estereotipadas, o terreno estará fértil para a depressão. A família moldada pelo capitalismo Este ciclo de um ambiente familiar gerador da depressão é o legado do processo de industrialização, que chegou para trazer benefícios e tranquilidades às famílias, mas as escravizou na necessidade de fazer a engrenagem do capital acontecer. E a evolução tecnológica da indústria e os avanços da comunicação digital, tornaram as pessoas mais escravas da necessidade de produção e do sucesso econômico que, na verdade, chega para pouquíssimos. Muitos e muitos fatores do cotidiano de uma família são provocadores do desenvolvimento da depressão. No entanto, sabemos que esta demanda não é gerada apenas pela família ou que esta gera a depressão por si só. Este modelo foi moldado para um sistema fechado nuclear, criado para fazer dar vazão à industrialização na perspectiva capitalista de produção, potencializando a família na sua forma existencial hoje, a tornando ambiente prioritário de desenvolvimento da depressão. Na perspectiva da Psicanálise, em que somos construídos na estrutura emocional por pulsões de vida e de morte, nossa engrenagem social nos faz polarizados na pulsão de morte, o que eleva ainda mais a produção da depressão a ponto de já podermos dizer que a Humanidade atualmente vivencia a pandemia da depressão. Esta estrutura, forjada na perspectiva do produzir, trabalhar e sobreviver, dá vazão a uma pulsão unilateral que é a morte. Quando as religiões tentam resgatar a família como um território de vivência do amor, posso entender que há um desejo que está polarizado na pulsão de vida neste movimento. Mas este desejo, de alguma forma, foi cooptado pela estrutura capitalista produtiva para enquadrar as famílias neste esquema, transformando a religião em um processo condenatório de repressão. Uma adaptação que fez até do próprio evangelho uma prática individualizada, não coletiva. Pulsão de vida como resistência Mas é pela pulsão de vida que podemos visualizar alguma possibilidade de quebra dessa estrutura patológica, principalmente se houver nas famílias a percepção da armadilha nas quais foram colocadas para, a partir daí, se recolocar na contramão do que o sistema insiste em mantê-las. Neste sentido, a Psicanálise é revolucionária, pois permite pessoas inseridas em família a repensarem suas práticas e, assim, reinventarem posicionamentos onde possam prevalecer ambientes de partilhas em um canal espontâneo de comunicação de afetos sentidos, não cobrados, e fortalecidos na perspectiva de um coletivo aberto para o comunitário. A correnteza contrária à pulsão de vida é muito forte, mas esta é a única brecha para manter viva a esperança de uma outra construção de família. Quem sabe, estamos chegando num cume para começarmos a cair ao retorno tribal, onde cada um não é de ninguém, mas responsabilidade de todos. Onde filhos, esposos e maridos não sejam propriedades de famílias nucleares, mas pertençam a um povo e um coletivo. |
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