Quando a criança consegue ficar sóPublicado em 23/06/2016 O processo de construção da identidade pessoal e da configuração da capacidade de se estar só passa pelo caminho da dualidade, na relação mãe/filho nos primeiros meses e evolui para a tríade com o vínculo e estruturação do complexo de Édipo, em que a relação se estabelece com um terceiro - a figura paterna -, acontecendo o processo de relacionamento cruzado entre masculino e feminino na tríade mãe/ filho/ pai; depois o desenvolvimento evolui para a relação unipessoal, pela construção da própria identidade, que passa de processos narcísicos primários aos secundários, até o narcisismo estrutural. Entendendo aqui narcisismo como a formação pessoal de olhar para si mesmo. É primária na relação mãe/filho, secundária na relação mãe/filho/pai e estrutural quando o indivíduo forma sua identidade (self) (WINNICOTT , 1962). É na condição unipessoal, que vamos perceber a capacidade do indivíduo ficar só. A criança que brinca no seu espaço pessoal, em uma intrínseca relação com seu brinquedo e ela mesmo, está demonstrando a construção de seu ego pessoal, de estar consigo mesma. É notório em processo de análise infantil, que crianças com dificuldades de perdas de vínculos ou relacionamentos simbióticos (dependência com a figura materna) ou em pleno campo de batalha edípica por ciúmes de irmãos na relação com os pais, tendem a se posicionar em análise com grande apego ao terapeuta, ou faz muito o uso dos jogos de competição, revelando um frenético movimento de disputa e apego, isto é, só brinca na condição de existir o outro. Crianças em processo de alta psicoterapêutica, quando já passado os processos de elaboração dos medos, de separação do vínculo materno filial e onde já se elaborou o complexo de Édipo na sua condição de possessão, tendem a construção de brinquedos e brincadeiras pessoais, dando ao analista a condição de ver com transparência os processos transferenciais. É a criança capaz de estar só, sentindo-se segura consigo mesma. A condição de estar só revela o nível de maturidade na criança que refletirá em posturas de autonomia para estabelecimentos de vínculos sociais, aumentando sua capacidade de estabelecer novas amizades e amizades duradouras; na escola com postura de autonomia aos estudos sem a necessidade de monitoramento intensivo dos pais e professores; e na incorporação de regras, pela construção de processo moral, em que torna-se capaz de fazer suas escolhas integradas com o contexto social em que vive. Ao vermos uma criança fantasiando com seu brincar de forma intensa e prazerosa, temos a certeza que ela está se conduzindo na sua individualidade. Estar só e seguro. É resultado de uma mente que segue seu ciclo de maturidade. No adulto isto é percebido quando se encontra consigo mesmo e na sua individualidade, como é no estudo; ler um livro; fazer sua oração pessoal; dormir sozinho, estar em uma longa viagem; esperar em uma fila de banco ou consultório, etc. Como acontece com os cônjuges em um coito orgástico, que após o ápice de prazer encontram-se só estando juntos na seguridade de amor manifesto. Os corpos repousam no degustar do gozo. Amo a ti por que sei que também me amas (Lacan). O estar só é percebido naqueles que conseguem ser por si sem que haja necessidade do outro para existir. Necessidade enquanto dependência. O outro é parceiro. A busca por um processo analítico incomoda muita gente quando tem que se deparar com o estar no seu silêncio mesmo tendo um analista ao seu lado. O não suportar o silêncio pode ser um sintoma de uma mente que não evolui da díade para a tríade e da tríade para o seu próprio eu. “A paz que você procura está no silêncio que você não faz” (LARRAÑAGA). Silenciar-se é um ato de maturidade emocional, evolução da díade para tríade até chegar à condição unipessoal. O que somos na vida adulta é resultado de uma longa caminhada que teve início desde os primeiros vínculos afetivos de criança, neste processo contínuo de se encontrar consigo mesmo pelo próprio silêncio. |
|||
| |||
|
Visualizações: 848
Autor: