Celular! A babá predileta das crianças para alívio dos paisPublicado em 02/10/2017 Saí da Missa pensando no celular como a mais nova forma de babá para as crianças. Estava inspirado por um fato: Uma criança muito esperta e ativa brincava com um carrinho de mão empurrando-o pelo corredor central da igreja bem na hora da homilia do padre. Ele, muito criativo, emitia sons altos simulando seu potente carro. Esta cena, mesmo representando algo muito bom, de uma criança brincando livremente, trazia um forte incômodo. Mãe pra baixo, mãe pra cima. Filho pro chão, filho no colo. E por incrível que pareça o pai não movia uma palha para ajudar sua esposa no cuidado da criança. Até que a mãe, para alívio geral do povo na igreja, resolveu entregar seu próprio celular ao menino que hipnotizado ficou acompanhando filmes e jogos. Daí pra frente, ninguém mais ouviu o menino e sua alegria espontânea pela igreja. Ficou ali no banco, parado, olhando para a tela do celular de sua mãe, sem piscar os olhos e se passaram mais de trinta minutos assim. Esta cena me fez lembrar de outras que vejo constantemente no restaurante onde almoço perto de minha clínica. Em todas as mesas em que há uma criança pequena, há sempre a estratégia de deixá-la com um celular nas mãos, enquanto a mãe dá a comida na boca da criança e o pai almoça sossegado. E olha que em restaurantes esta cena acontece com frequência em muitas mesas. Aqui nestas duas cenas temos o instrumento do celular como babá e também a postura machista dos pais que não assume o cuidado dos filhos como se esta tarefa fosse só da mulher. E o pior, estas cenas são relacionadas a casais novos, com filhos pequenos. Dois elementos arcaicos do cenário familiar, mas vivenciados por casais que aparentemente são modernos e acreditam não repetirem o passado dos pais. Lembrando um trecho da música do compositor Belchior: “...como nossos pais...”, vemos a repetição do elemento babá e da sujeição da mulher ao legado de ter que, sozinha, cuidar do filho. A diferença em relação ao passado é que com o celular nas mãos, as crianças paralisam a criatividade natural da idade delas. Vejam na cena da criança na igreja, depois que o celular entrou em cena, a criança desapareceu, não mais incomodou. Também a cena do restaurante nos faz observar que, enquanto o celular está deixando a criança quietinha no restaurante, ela fica também dependente para o ato de comer, pois a mãe dá a comida na boca, ela mesma não tem a autonomia de comer sozinha. Assim, repetindo comportamentos passados com elementos novos, também eliminamos certos potenciais que, antes, as crianças tinham que desenvolver por não terem tanto acesso ao celular ou qualquer forma de tecnologia de distração, e hoje estão se restringindo e criando dependência de imagens e programações que já estão prontas e com isso exigem muito pouco do desenvolvimento cognitivo delas. Há quem defenda que precisamos nos encontrar com a tecnologia ao invés de a criticarmos. Mas a questão aqui não é de criticar a tecnologia, o celular, mas sim de observarmos o quanto nossa geração de pais mais novos está perdendo potencialidades de interatividade com seus filhos. Nas cenas acima descritas, os pais envolvidos com as crianças não conseguiam manter as crianças no controle, ao contrário, eram os pais que estavam se submetendo aos filhos. Existe, então, uma incapacidade de colocar o limite, e ao mesmo tempo de entrar no mundo da criança conforme a linguagem delas. O resultado desta incapacidade dos pais em educarem seus filhos na mais tenra idade não pode ser previsto. Parece que estes novos pais, fruto de um processo educacional que ofereceu muito a eles, principalmente na classe média, não foram preparados para o exercício da paternidade e da maternidade. Agora vemos estas crianças, uma geração que se apresenta plugada nos eletrônicos, evoluirão de alguma forma, para algum lugar. Hoje já observamos, em muitos jovens universitários que ainda não casaram, que o desejo de casar e de gerar filhos começa a ser uma necessidade distante. No futuro, as crianças de hoje podem construir uma forte necessidade de se relacionarem com tudo o que não seja humano, mas sim eletrônico. No período de 1995 a 2000, estava lançando meu livro “O poder da TV no mundo da criança e adolescente”, pela editora Paulus-SP. Naquela época, a demanda era das crianças que não sabiam mais brincar por estarem diante da TV por pelo menos cinco horas todo dia. Agora, temos a realidade das perdas cognitivas, da perda de concentração e da ansiedade generalizada, também decorrente da dependência eletrônica, principalmente do smartphone. Amanhã, vamos ver como chegará esta atual geração de crianças, criadas por pais inaptos e extremamente apegados às redes sociais e aos recursos eletrônicos. Para cada tempo, um desafio, uma nova estratégia. Prefiro que os pais percebam que as crianças de hoje continuam sendo crianças. Que é melhor os filhos darem trabalho por estarem brincando, bagunçando, e alegres por estarem livres para serem apenas crianças do que verem-nas “mortas vivas” e hipnotizadas por um equipamento as tiram da realidade, da realidade de serem crianças. Aos pais, é preferível o cansaço no exercício de estarem juntos com os filhos, pois esta presença participativa é o melhor recurso na construção de um cidadão com potencialidade para enfrentar os desafios de um futuro que chega mais rápido do que podemos imaginar. |
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