Violência à mulher, chapeuzinho vermelho não sabiaPublicado em 29/11/2019 O que tem por trás dos contos de fadas ? No livro “Psicanálise dos contos de fada”, Bruno Bettelheim inova seu olhar para os contos de fada, trazendo elementos interpretativos das simbologias contidas nos contos desde um olhar Psicanalítico. Bettelheim é um dos maiores psicólogos infantis da história, nasceu em 1903 na Áustria e faleceu em 1990 nos Estados Unidos - país que foi seu refúgio em 1939, após passar um ano no campo de concentração nazista. Trata-se de um homem que aprendeu a entender a fantasia infantil e conviveu com a maldade de homens revestidos de cordeiros e salvadores da pátria, um deles o genocida Hitler e seus muitos aliados. Em “Psicanálise dos contos de fadas”, Bettelhein interpreta vários contos a partir de seus textos originais. Ele interpreta diversas estórias que foram escritas para que as crianças pudessem ter a percepção da realidade das relações humanas de maneira lúdica, no futuro mundo delas, o mundo adulto. Relações que são pautadas no duelo entre o bem e o mal, nas quais, geralmente, o mal triunfa e, demonstrando isso, tais estórias podem mexer na percepção inconsciente das crianças e ajudá-las a se precaverem dos perigos deste mundo humano. Pena que no Brasil temos um falseamento da realidade, forjada estrategicamente como “maravilhosa”, por uma cultura da subserviência engendrada pela coroa no período colonial. Falamos de uma construção histórica subjetiva de mais de 300 anos, que se aproveitou da cultura indígena e dos mais de 12 milhões e 500 mil negros escravizados pela coroa portuguesa para atuarem como mão de obra escrava por um período enorme. Com chicotes na mão, os colonizadores domesticaram índios e negros. Com este perfil de controle para a subserviência, a produção literária herdada da Europa foi adaptada para um processo educacional da passividade. Assim, os contos dos irmãos Grimm, dois irmãos poetas e escritores nascidos na Alemanha no século XVIII, que sistematizaram contos de mais de 200 anos ao longo da história, foram adaptados para o Brasil tentando amenizar o resultado trágico dos contos, escondendo a maldade e sempre ocorrendo de as vítimas darem um jeito de vencerem, uma adaptação para camuflagem da realidade, com conotações de bondade sempre ao final. Porém, estes contos, no modo original, são maravilhosamente reais, são numa leitura lúdica que não poupa a criança de ver a realidade como ela é, porém se utilizando de sua própria linguagem. A chapeuzinho vermelho não sabia. E nós, sabemos? No livro, Bettelheim faz a interpretação da estória de Chapeuzinho Vermelho, muito conhecida por todos. Acredito que uma das estórias preferidas dos educadores e dos pais. Nela, o Lobo Mau quer comer a Chapeuzinho Vermelho. Primeiro, ele a seduz, tornando-se amigo dela e mostrando o melhor caminho para que ela chegasse à casa da vovozinha. Mas por que ela é denominada Chapeuzinho Vermelho? Porque ela está na menarca, primeira menstruação. Ela é uma pré-adolescente que pode ser “devorada”, isto é, estuprada. Na história, o lobo literalmente destrói a avó, que seria a suposta protetora, e depois literalmente destrói a Chapeuzinho Vermelho, e a história original termina aí, provavelmente com o lobo todo ensanguentado com os sangues da avó e de Chapeuzinho Vermelho. Mas, no Brasil, geralmente, a estória continua a moralização, e chega um caçador, mata o lobo, abre a barriga dele e retira as mulheres vítimas, Chapeuzinho vermelho e a Vovozinha vivas e felizes, pelo salvador homem, o caçador. A Chapeuzinho Vermelho não sabia, a mãe da Chapeuzinho e a avó também não mensuraram os efeitos do lobo disfarçado de bonzinho. Ela também é uma representação da cultura de submissão da mulher na sociedade. E olha que estes contos dos irmãos Grimm são datados de mais de 400 anos, sinal de que esta submissão é antiga e de que a ilusão de um homem que cuida sempre foi um desejo frustrado nos resultados. Assim como a Chapeuzinho Vermelho não sabia parece que todos ignoramos que os homens não evoluíram. Contudo, foi estabelecido o dia 25 de novembro como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, que teve início pelo Movimento Feminista Latino americano para marcar a data em que foram assassinadas as Irmãs Mirabal, na República Dominicana. Este episódio ocorreu em 1960 no município de Salcedo, o qual é hoje a província Irmãs Mirabal. Quando Trujillo chegou ao poder, estas irmãs acreditavam que ele levaria o país ao caos econômico, e formaram um grupo de opositores que ficou conhecido como Las Mariposas. Depois de serem presas e torturadas, Trujillo decidiu acabar com a vida delas, e elas foram estranguladas em um canavial. O lobo mau estrangula a presa quando ela é submissão, e também estrangula a presa quando ela é rebelde. Nossa! Parece um caminho ou uma armadilha sem saída. Os lobos maus estão a solta por aí, mas as chapeuzinhos vermelhos estão mais atentas Olhando para os dados recentes no Brasil, de que a violência às mulheres só está aumentando - mas que na verdade apenas começaram a ser mais registrados e denunciados, pois esta violência sempre existiu, podemos acreditar que não haja uma saída. E, pelo andar da carruagem, vemos emergir muitos lobos maus na forma de representantes políticos, na forma de lideres religiosos, e até mentores intelectuais, os quais estão treinando outros lobos (homens) para camuflarem suas crueldades para persuadirem as vítimas como se fossem os salvadores, os protetores das mulheres. A ponto de uma das maiores lideranças evangélicas no Brasil ter recentemente pregado, em um culto na sede de sua catedral, a ideia de que as mulheres que seguem a Cristo pela sua igreja e orientação precisam apenas estudar até o segundo grau para continuarem submissas aos seus maridos ( não conto quem é o pastor pois ele é tão poderoso e tão lobo mau disfarçado de ovelha do bem que posso até correr risco de vida). Mas quando vemos as mulheres se organizando, buscando meios de ampliar as denúncias e também as ações de solidariedade, de fortalecimento em projetos coletivos de mulheres, etc, vejo ascender a esperança de que esta história pode ser recontada. No dia 25 de novembro de 2019, eu estava em um Seminário sobre comunicação na Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória-ES, e presenciei uma cena que representa o fortalecimento das mulheres e a ascensão inclusive em gestão pública. A Profa. Doutora Ethel Leonor Noia Maciel, eleita reitora da Ufes para o próximo mandato, com outras professoras da Ufes, fizeram um momento para marcar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher. Ethel fez uma observação diferenciada do olhar do homem na gestão pública, ao chegar até o local do evento já à noite (dentro da UFES campus de Goiabeiras em Vitória), ela observou que vários caminhos por entre as árvores estavam sem iluminação, e de imediato pensou nos riscos para as mulheres que estudam e trabalham no campus. Preocupação imediata tendo em vista que há muitos relatos de violência e abuso sexual às mulheres no campus da UFES, questão que vem sendo debatida internamente e que conta com uma tomada de providências, porém, até então, na lentidão dos gestores homens. Assim, o caminho é de fato o fortalecimento do movimento das mulheres em busca da igualdade de direitos e da eliminação radical da violência contra a mulher. A inércia dos homens, o isolamento das mulheres e a consequente submissão só contribuem para que o fascínio de poder dos homens lobos maus cresça vertiginosamente, mesmo em pleno século 21 . Já passou da hora de nós homens abrirmos mão dessa construção histórica subjetiva que tanto causa danos à tudo que é diferença. |
|||
| |||
|
Visualizações: 938
Autor: