Outubro rosa e o caráter patriarcal da sociedadePublicado em 16/10/2020 Já estamos na segunda quinzena de outubro de 2020. Neste ano, prometi a mim mesmo que não escreveria nada sobre o “Outubro Rosa”, pois há tempos que este slogan vem me incomodando por três motivos: 1. Pelo estigma do rosa para mulheres, acentuando a face reacionária da sociedade que quer segregar as diferenças deixando o rosa para mulheres e o azul para os homens, dando corda para o coro da atual ministra Damaris e seus seguidores sectários das religiões fundamentalistas; 2. Por que esta campanha necessária, da prevenção do câncer de mama, não possibilita o acesso geral e irrestrito à saúde para todas as mulheres. Assim, elas ficam expostas a uma gama intensa de publicidade pelas diferentes mídias e não conseguem agendar suas consultas médicas e exames laboratoriais. Há regiões do Brasil que chega a até 80% das mulheres que não conseguem fazer a prevenção, e nas regiões com melhores índices até 40% não conseguem a prevenção; 3. O crescente ganho das redes particulares para diagnóstico do câncer de mama e dos laboratórios de análise, onde as mulheres que possuem um plano de saúde ou que podem pagar uma consulta particular conseguem. O caos do Sistema Único de Saúde agrada aos empresários da saúde particular no Brasil. Mas, sobre a crise programada do SUS favorecer a rede privada de saúde, já está mais do que evidente. Veja o quanto ganharam as grandes redes de saúde particular e alguns institutos particulares com seus hospitais durante a pandemia da COVID19. Não é a toa que o nome “Outubro Rosa” segue firme e forte. Pois vem de uma vertente ligada à saúde pública que poucos conhecem do que realmente acontece com a população brasileira e muito menos como é a vida no cotidiano das mulheres brasileiras. Se formos pelas publicidades, parece que as mulheres do Brasil são de classe média alta com recursos para manter prevenção de saúde, corpo esbelto e estética para salão de beleza em dia (cabelo/unhas/rosto), padrão autoajuda de instagrans de beleza da mulher. Convém mencionar que não se trata de questionar a importância do objetivo da campanha, que é uma conscientização em relação a um cuidado da mulher extremamente necessário. Aumentar este cuidado, sim, é necessário! Trata-se, na realidade, de questionar o formato com que esta campanha acontece, nos moldes de um padrão e de uma indústria da saúde que nunca beneficiaram e continuam sem beneficiar justamente as mulheres ! Caráter patriarcal enraizado na cultura mundialQuero ressaltar aqui que a manutenção do conceito “Outubro Rosa”, digo conceito por que está carregado de uma ideologia neoliberal do consumo pelo consumo e onde as pessoas são vistas apenas como massa de manobra para tanto e, neste sentido, as mulheres são alvo certeiro. Aqui entra a formação do caráter patriarcal enraizado na cultura mundial e especificamente no Brasil. Este caráter patriarcal que impregna também a mulher sem que ela o perceba, e acabam reproduzindo estereótipos como se fosse normal. Para que mexer no nome “Outubro Rosa”, se é apenas um nome de uma campanha que já acontece desde 2002? Lembrando que esta história começou em 1997 nas cidades de Yuba e Lodi nos Estados Unidos. E olha que não precisamos ir muito longe para identificarmos o quanto a sociedade norte-americana é patriarcal, e o quanto nosso país ainda segue farejando os passos da cultura norte-americana, que hoje está mais do que evidenciado na relação do presidente Jair Bolsonaro com o Presidente americano Trump. Dois machistas de primeira linha. Reivindicação dos direitos das mulheresMary Wollstonecraft, em seu livro “Reivindicação dos direitos das mulheres” de 1792, reeditado em 2016 no Brasil pela editora Boitempo, trabalha esta temática do caráter patriarcal que está impregnado na estrutura inconsciente das mulheres. Segundo a autora, para se superarem como mulheres na busca de um espaço de igualdade de direitos, é preciso o reconhecimento interno do caráter patriarcal. Tenho longas histórias ao longo de minha carreira como Psicólogo Clínico pelo viés da Psicanálise, onde as falas das mulheres muito reproduzem este caráter patriarcal sem que elas percebam. Tanto, que por muitas vezes fui ameaçado por maridos de mulheres que buscaram análise pessoal, por elas estarem mudando de posturas em relação à vida conjugal e, consequentemente, se colocando em pé de igualdade ao homem. Lembro-me de um dia em que o sujeito “macho” me ligou e disse: “O que você está fazendo com a minha mulher? Se ela continuar indo ai na sua clínica, vou mandar te matar”. Mal sabia ele que era ela mesma que mudava, eu ali ocupava uma função otimizadora para seu próprio caminho. Foi aí que percebi que ser Psicólogo era também desafiar a sociedade. Será um direito para “todas” as mulheres?Diante do exposto, dentro do limite que temos para este texto, pois este tema dá “pano pra manga”, entendo a necessidade de mudar o conceito publicitário “Outubro Rosa”, que vem só acentuando diferenças entre mulheres e homens reeditando a cultura patriarcal. Por que precisamos seguir os passos da sociedade norte-americana? Aliás, lá nos Estados Unidos, trabalhadoras imigrantes latinas e africanas, com certeza nem tempo para realizar prevenção conseguem, pois para sobreviverem precisam trabalhar mais de 12 horas por dia. O que nasceu nos Estados Unidos, de fato é um movimento para favorecimento de uma minoria de mulheres de classe média alta. Não é a toa que por lá, residem os mentores intelectuais do fundamentalismo machista do atual governo federal no Brasil. Que inclusive tem o sustentáculo do fundamentalismo religioso, que preconiza a máxima machista de São Paulo: “Mulheres, sede submissas aos seus maridos”, ( Colossenses 3,18 ou Efésios 5, 22-23). Nestas passagens, dentro do fundamentalismo, da palavra ao pé da letra, submissão é submissão. Lógico que há outras interpretações de grupos não fundamentalistas que não pegam a Palavra Sagrada ao pé da letra, pois como já nos alertava o Teólogo Carlos Mesters: “A palavra não tem pé”. Até quando vamos ter que engolir este indigesto “Outubro Rosa”? |
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