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Novembro azul. De novo, nada. Novamente sim.

Publicado em 06/11/2020


“Todo dia ele faz tudo sempre igual...” conforme já escreveu Chico Buarque em sua música “Cotidiano”. E novamente o novembro chega e com ele outra campanha de saúde, desta vez para aqueles que “vestem azul”, os homens. E sem nos questionarmos entramos nesta publicidade como se fosse algo que tivesse retorno conforme seu objetivo inicial: Para quebrar o preconceito do homem de ir ao médico e fazer o exame do toque em vista diagnosticar o câncer de Próstata. Teve a primeira iniciativa no Brasil pelo Instituto Lado a Lado pela Vida no ano de 2008, sendo escolhido o mês de novembro por ser dia 17 de novembro o Dia Mundial de Combate ao Câncer de Próstata.


A campanha veio para alertar, tendo em vista que o câncer de próstata é o segundo que mais mata os homens no Brasil. Conforme o Instituto Nacional de Câncer (INCA) e o Ministério da Saúde, o ranking é: primeiro o câncer de pulmão com 16.137; segundo o de próstata com 15.391 casos e terceiro o de intestino com 9.207 casos (dados referentes à 2017). Para o mesmo Instituto, a previsão de incidência de câncer no ano 2020 é: câncer de Próstata 65.840 casos; câncer de Cólon e Reto 20.540 casos e Traquéia, Brônquio e Pulmão de 17.760 casos.


Mas por que a campanha em torno do câncer de próstata? Se o primeiro em morte é o de pulmão?


Porque, no início, havia constatação na Saúde de que os homens fugiam do exame diagnóstico que consiste em o homem se sujeitar a ser tocado pelo médico através do ânus, e diante de um cenário machista da sociedade, muitos homens fugiam deste procedimento, e fogem até hoje por acreditarem que é uma ação que mexe com a sexualidade de ser hetero ou homo, inclusive com muitas brincadeiras homofóbicas. Além disso, as previsões para 2020 do câncer de próstata estão em uma estimativa muito acima dos demais tipos de câncer. Assim, esta campanha é necessária, e trouxe de fato muita consciência.


Uma nova proposta!


Há questões que não conseguimos responder ao longo destes anos desde o início da campanha, e aqui enumero algumas, que tem me incomodado dentro de uma visão de um plano nacional de assistência integral à saúde, e para cada questão emerge uma proposta, como:


1) Por que azul? Para continuarmos mantendo este estereótipo de que homem veste azul e mulher veste rosa? Estamos em um momento político brasileiro das intransigências ideológicas, e um dos fatores que tem crescido muito é o feminicídio e uma tendência conservadora com base em fundamentalismo religioso que acentua as diferenças do homem em relação às mulheres mantendo o perfil patriarcal e consequentemente machista, tanto que há um aumento de agressões dos homens em relação às mulheres em pleno século XXI.


Líderes religiosos de igrejas pentecostais emergentes pregam que as mulheres continuem submissas aos seus maridos e alguns até estão dizendo que a mulher deve estudar até no máximo o ensino médio e deixar para os maridos a possibilidade de fazerem o ensino superior.


O Azul traz esta simbologia da diferença e não ajuda a integrar. Mantém a questão de gênero ramificada no ser homem e no ser mulher a partir da referencia biológica. Mas como ficam os homens que assumem outras conduções de gênero como os transexuais e transgêneros? Por isso que vejo o Arco íris como a melhor simbologia para uma campanha que visa pensar a saúde integral. Quem sabe se na posição binária de “Outubro Rosa” e “Novembro Azul”, tivéssemos a inclusão destes dois meses como meses do Arco íris.


Vamos mais ao cotidiano para questionarmos o Azul: Estava em um shopping com minha nora e filho e a neta de ainda seis meses no carrinho. A neta estava vestindo uma blusa Azul com desenhos de âncoras. Uma senhora chega ao carrinho e diz: “-Que lindo menino!”. De bate e pronta, minha nora bem feminista disse: “- Ela é a Luna...” e a senhora muito educada respondeu: “- Nossa! A gente fica tão impregnada destas coisas de meninas vestem rosa e meninos vestem azul que acaba acontecendo este vacilo, me desculpa...”. Sem percebermos, entramos de cabeça em campanhas de prevenção unilaterais para melhorar um aspecto, e acabamos estimulando outros preconceitos e conceitos ultrapassados.


2) A campanha não está chegando à maioria dos homens, pois apenas 40% conseguem realizar os exames. Quem consegue são aqueles que podem ter um plano de saúde e ou podem pagar. O SUS não está dando conta desta campanha e com isto podemos concluir que ela não evoluiu. Aliás, evoluiu para o sistema privado de saúde, que tem ganho muito com a crise política e econômica do país, que já é datado de antes da pandemia do COVID 19.


Depois, é fácil simplesmente dizer que os homens resistem aos exames por causa do toque, esta é sim uma realidade, mas se a campanha saísse da publicidade e chegasse ao SUS pelo Programa de Saúde Estratégia da Família de forma ampla e irrestrita, ai sim poderíamos afirmar que a ausência dos homens em diagnóstico seria por preconceito e machismo plenamente.


3) A campanha não atingiu o propósito de atrair os homens por meio da questão da virilidade masculina, que pode estar “ameaçada” se a doença não for diagnosticada prematuramente, mexendo com a questão de “honra” dos mais estruturados na visão machista da sexualidade, para depois fazer um diagnóstico completo da saúde do homem. Mesmo aqueles que podem fazer os exames, que chega a apenas 40% dos homens, o diagnóstico fica apenas na questão do câncer em si, e não há uma acolhida no processo para que a consulta médica vire uma consciência de saúde ao homem.


Afirmo esta realidade a partir de minha própria busca pelo diagnóstico, que pude fazer já por vários anos consecutivos pelo plano de saúde. As consultas todas foram rápidas e focadas apenas no toque e na solicitação do exame de sangue e depois posterior leitura do diagnóstico. Pois, pelos planos, na sua quase totalidade, os médicos atendem rápido e não estão muito preocupados em fazer consciência da saúde integral. Assim como o SUS está fragilizado e para se atender altas demandas de pacientes o profissional precisa atender muito às pressas e é cobrado dele produtividade, nos planos o sucateamento das consultas está parecido, pois, segundo os médicos, os planos remuneram mal por consultas. E olha que pago um plano que se diz um dos melhores do Brasil, mas sabemos que para manter imagem gastam fortunas em publicidade e até financiam times de futebol.


A cada ano que vou fazer o exame, procuro nova alternativa de médico, mas caio sempre na mesma demanda da pressa. Imaginem os que não podem ter um plano de saúde.


4) Estas campanhas do tipo Novembro Azul/Outubro Rosa, acabam forçando municípios a oferecerem serviços diagnósticos como um meio de sobressaírem politicamente, terceirizando serviços e consequentemente favorecendo a rede privada. É o estado enfraquecendo o serviço público e levando vantagens ao privado com o imposto da população que não consegue ter acesso ao SUS. Não é a toa que na política muitos empreendedores privados de saúde apoiam candidatos ou se lançam como candidatos.


Para esta questão, a resposta é única. Fortalecimento do SUS através da sua capilaridade já existente em todos os municípios do Brasil, principalmente através do Programa Estratégia da Família, que deve ampliar o leque de profissionais nas equipes, pois hoje são Médicos, Enfermeiros, Dentistas e Agentes Comunitários. Cabem nestas equipes os Psicólogos, Nutricionistas, Fisioterapeutas, Educadores Físicos, Terapeutas Ocupacionais e Assistentes Sociais.

Ai sim pode fazer crer que qualquer campanha na área de saúde de fato dará certo e chegará a todos indistintamente, pois as campanhas não ficarão focadas em uma dualidade consultório médico/laboratórios, mas terá o pensar interdisciplinar e o agir quase que individualizado para processo de consciência plena de saúde integral.


Psicologia para pensar o coletivo


Por todos os argumentos acima descritos, você pode até estar frustrado, pois imaginava que eu fosse abordar questões psicológicas específicas em torno do câncer de próstata, mas não quero fazer uma ação da Psicologia que invés de fazer pensar acaba simplesmente fazendo o jogo e vendendo fórmulas de bem-estar, onde questionar e criticar são considerados perigo e até desestabilizador das emoções.


Mas a Psicologia tem que ser utilizada como ferramenta de fazer pensar no coletivo. Por isso que um Psicólogo dentro do Programa Estratégia da Família não é bem-vindo para aqueles que só querem iludir a população vendendo falsas ilusões.


Sei que há projetos de saúde pública em vários municípios do Brasil que estão fazendo a diferença, mas isto sempre acaba se enfraquecendo por ser uma ação isolada de gestores municipais que possuem a visão da gestão pública como um bem para todos, é de fato um posicionamento ideológico sim.


Porém, se não houver uma lei federal, ou mecanismos que façam exigir os termos da Constituição brasileira que garante o SUS, não veremos programas avançarem e perpetuarem no referencial público coletivo da população, virando até um traço cultural.


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