Diante
da pandemia da COVID-19, que após um ano de expectativas, ensaios e erros,
tanto das ciências como dos políticos, vejo pessoas, e muitas, pedindo a Deus
uma saída. Neste Brasil, segundo dados do IBGE de 2010, 64,6% são católicos e
22,2% protestantes. Temos uma marca de 86,8% de população brasileira se
declarando cristã e um cristianismo de clamor diante de situações de desespero.
É uma fé cega, fundamentalista na sua quase totalidade.
Como já
parafraseou a cantora e compositora Maria Rita, filha de Elis Regina:
“Deus
lhe pague, Deus lhe crie,
Deus lhe abençoe! Deus
é nosso Pai e nosso guia. Tudo que se faz na
terra, se coloca Deus no meio. Deus já deve estar de saco cheio...”
Essa letra de Marco Antônio
e Nair Serra, consagrada na voz de Maria Rita, é um pouco a sensação que tenho
sobre os múltiplos clamores que o povo cristão faz a Deus, o qual é buscado
apenas na hora em que estamos desesperados pelas múltiplas besteiras que
fazemos aqui na terra:
“...
fazendo mil besteiras e o mal sem ter motivo. E só se lembram de Deus
quando estão no perigo.”
De tanto ser solicitado,
e a coisa só piora, Deus deve estar mesmo é surdo.
A capacidade de pensar ja é um grande milagre
Na
verdade, minha visão de Deus como criador está muito enraizada na ideia de o que
Deus tinha que fazer por nós, ele já fez. Ele nos deu potencialidades de
crescermos, multiplicarmos e dominarmos a terra, conforme o relato ilustrativo
no livro de Gênesis, capítulo 1, versículo 28.
Agora,
o resto depende do próprio ser humano. O legado Dele de nos dotar com
capacidade para pensar, já é o grande milagre.
Mas, no
lugar de pensarmos na perspectiva do cuidado, indicado em Gênesis, seguimos a
famigerada raça humana na forma sapiens, uma espécie afeiçoada a
destruir. Assim, destruímos as florestas onde os vírus podem permutar, se
alojar e existir. Não existindo as florestas, teremos os vírus para nos
habitar. Esse microelemento que nos derruba, como é o caso do Sars-cov-2 e suas
muitas mutações. Os povos primitivos no Brasil, que ainda restam alguns
remanescentes, já sabiam disto e atribuíam à floresta fenômenos divinos, para
que ela ficasse intocada.
O legado de viver no coletivo!
Este
mesmo Deus que nos criou nos deu o legado de vivermos no coletivo. É o lado a
lado anunciado na simbologia de Adão e Eva, também citado em Gênesis capítulo
2, versículo de 18 à 25.
Mas
este legado do coletivo torna-se poder de dominação. Vejo o quanto as nações
mais ricas estão procurando, criar cada uma delas, isoladamente, sua defesa
contra o COVID-19. Uma tamanha besteira, pois estamos globalizados. Não adianta
um país pensar só em si, pois o vírus circula. Todas as ações só terão
resultado se forem orquestradas a uma ação coletiva global. Mas a desigualdade
econômica entre as nações coloca a humanidade em franca posição de fragilidade
diante de uma pandemia. Antes o vírus da China, hoje as mutações do Amazonas, África
do Sul. E agora o Brasil passa a ser o foco assustador para todo o planeta,
pois sua extensão continental, que se avizinha de vários países na América
Latina, associado ao fato do governo federal não ter conseguido desenvolver
ações de contenção ao vírus COVID-19, decorrendo de variações para formas mais
resistentes do vírus.
A
letargia para ver o que Deus já nos deu, que é o potencial
para crescermos, multiplicarmos e cuidarmos deste paraíso terrestre, nos
coloca cegos para avançarmos na ciência, para preservarmos o meio
ambiente, para protegermo-nos no futuro. A força do valor econômico nos
domina para o prazer do lucro no aqui e agora. Prazer este que está
reservado a pouquíssimos no planeta.
Somado
a tudo isto, aqui no Brasil, os crentes fundamentalistas, que batem no peito
aos berros dizendo “Senhor! Senhor! Senhor!”, se multiplicam na mesma rapidez
do COVID-19. Sustentam esse governo fundamentalista/ negacionista
que promovem uma verdadeira ação homicida/ genocida. Tudo em “nome de Deus”.
É preciso agir!
Deus
não está surdo, não está cego. Deus está assistindo. Aquilo
que ele criou não deu certo. Ele só pode ter errado em ter dado aos humanos o
livre arbítrio. Eu entendo que não foi um erro de Deus, mas sim nosso,
nossa cegueira ao querermos negar nossa essência de multiplicar e cuidar.
Aos
berros, e muitas orações, não vamos conseguir receber as graças de Deus. É pela
ação de cuidado, do fazer prevalecer a vida neste paraíso terrestre que
poderemos encontrar soluções para uma vida saudável neste planeta.
Engraçado
que nos países onde o sistema público é regido pelo materialismo dialético,
onde se coloca Deus de lado, o cuidado do coletivo acontece. Veja os índices de
controle do COVID-19 em Cuba, Vietnã e também na própria China. Creio que
Deus está por lá aplaudindo o cuidado daqueles governantes, que se quer estão
preocupados com Deus.
Mas, nós por aqui, que dizemos ser o nosso
modelo político o melhor, estamos só dando cabeçadas. E por aqui na verdade,
Deus está de camarote assistindo.Quem sabe Deus está arrependido de ter
colocado inteligência nesta criatura humana, ou quem sabe esperando que esta
humanidade consiga entender e cuidar de tudo o que já foi criado.