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Winnicott para pais e educadores | Moral e educação na relação com Deus

Publicado em 20/05/2021


Seguimos, neste artigo, dando continuidade a série O pensamento de Winnicott para pais e educadores, que estou desenvolvendo com vários textos e vídeos sobre o assunto, confira:



Playlist de vídeos no Youtube: O pensamento de Winnicott 


Sempre recebo perguntas de pais sobre como conduzir um filho, desde a infância a seguir a religião dos pais e desenvolver o relacionamento com Deus. Normalmente respondo que a escolha religiosa é uma condução pessoal e depende muito de fatores internos do indivíduo, construídos ao longo de sua história até chegar a vida adulta. Sabemos que, muitos seguem a religião ou acreditam em Deus por uma mera tradição e poucos escolheram praticar a religião que dizem professar.


Processos de conversão religiosa e crença em Deus ou alguma entidade sagrada, é pessoal e relacionado na sua quase totalidade por necessidades afetivas.


Religião e o estabelecimento do vínculo afetivo

No pensamento do Psicanalista Winnicott, encontrei um respaldo para minha maneira de ver esta necessidade, retirado de um artigo de 1963 copilado no livro “O ambiente e os processos de maturação”[1]. Winnicott, diz: “A boa alternativa tem que ver com o proporcionar ao lactente e às crianças aquelas condições que possibilitem a coisas como confiança e “crença em”, e idéias de certo e errado, se desenvolverem da elaboração dos processos internos da criança. Isto poderia ser chamado de evolução de um superego pessoal”. (WINNICOTT, 1963; 1983, p. 89).


O conceito de superego que foi elaborado por Freud, diz respeito à estrutura de regras e valores que ao longo do desenvolvimento emocional da criança vai equilibrando as forças do impulso (ID) para a estruturação do ser (EGO). É como se fosse, a grosso modo, uma energia psíquica de controle. Este mecanismo se dá no estabelecimento de vínculo da criança/mãe e posteriormente aos que os cercam, chegando depois ao ambiente escolar. Nem tudo o que desejo posso realizar, por forças internas que reprimem meu desejo, de forma consciente e na maioria inconscientemente.


Neste sentido, Moral e Educação para o sentido de Deus na vida humana, passa pelo processo de vínculo afetivo e desenvolvimento interno, tendo em vista que Deus na nossa cultura ocidental está muito vinculado à uma prática religiosa e consequentemente a normas de conduta. Winnicott assim acrescenta: “A religião (ou a teologia?) escamoteou o bom da criança em desenvolvimento e estabeleceu um esquema artificial para injetar de volta o que lhe tinha sido tirado, e denominou-o “educação moral”. Na verdade, a educação moral não funciona a menos que o lactente ou a criança tenham desenvolvido dentro de si mesmos, por um processo natural de desenvolvimento, a essência que, quando colocada no céu, recebe o nome de Deus. O educador moral depende para seu êxito de existir na criança aquele desenvolvimento que possibilite aceitar Deus do educador moral como uma projeção da bondade que é parte da criança e sua experiência real da vida.” (WINNICOTT, 1963; 1983,p. 89).


O ambiente suficientemente bom


Não poderá ter acesso a um sentimento de Deus na perspectiva de algo bom e bondoso, se em sua história de vínculo pessoal não houver registros substanciais de um ambiente educacional também de bondade, ou de um ambiente suficientemente bom.


Crianças que tiveram rompimentos de laços afetivos e ou experiências negativas de vínculo amoroso com seus educadores, não conseguirão vivenciar a experiência com Deus?


Dentro de uma perspectiva de substituição do elo perdido favorável, que se dá no processo de amadurecimento, posso dizer que é uma missão quase impossível, mas nada impede que este vínculo aconteça. Contudo, é provável que, se acontecer, seja estabelecido num tipo de vínculo com o Sagrado Deus pela prática doutrinária, repressora e sem afeto. Tipo religiões que se apegam em disputas de poder e estimulam o ódio; ou também, aquele indivíduo sem a experiência favorável de vínculo afetivo, que se encontra em um contínuo processo de carência afetiva na vida adulta, poderá se identificar com um Deus que seja o apego paterno e materno que lhe faltou ou falhou na sua história, e assim o apego às práticas religiosas messiânicas, de promessas de salvação e de um Deus que supre todas as necessidades humanas.


Winnicott nos lembra: “Os pais não têm de fazer seu bebê como o artista tem de fazer seu quadro ou o trabalhador de cerâmica seu pote. O bebê cresce a seu modo, se o ambiente é suficientemente bom.” (WINNICOTT, 1963; 1983, p. 91).


Aqui fala de um de seus ícones de estrutura para o desenvolvimento emocional de uma criança, que é o ambiente suficientemente bom. Neste ambiente, pode ser mais fácil estabelecer a relação de um Deus bom, que de fato possa representar a sequência e projeção deste ambiente para a vida adulta. “À criança que não tem experiências suficientemente boas nos estágios iniciais não se pode sugerir a idéia de um Deus pessoal como substituto de cuidado do lactente.” (WINNICOTT, 1963; 1983 p. 92).


A escola e a construção da moral e ensino religioso


Quando o processo de educação moral religiosa é introduzido de forma doutrinária e de maneira impositiva, pode até dar resultado, mas para situações de indivíduos antissociais, como geralmente acontece em centros de recuperação de dependentes químicos cujas mantenedoras são de instituições ligadas a alguma religião. Como já dizia Haroldo Hans, um Padre Jesuíta dos Estados Unidos que foi o precursor do modelo de comunidades terapêuticas de recuperação de dependentes químicos no Brasil, ao questionar as instituições que se utilizavam da ‘lavagem cerebral religiosa’ para conduzir o dependente à abstinência onde troca-se a droga por uma outra droga, que é a Bíblia, pois segundo ele, a Bíblia imposta de forma autoritária, não condiz com a verdade de um Deus de amor. Pude trabalhar com Haroldo Hans por quase três anos na Comunidade Vila Brandina na cidade de Campinas-SP, em processo de estágio durante meus três primeiros anos cursando Psicologia na UNESP de Assis-SP.


E é sobre isto que Winnicott vai nos alertar: “Medidas drásticas ou repressivas, ou mesmo doutrinação, podem se adaptar às necessidades da sociedade para o manejo do indivíduo anti-social, mas essas medidas são a pior coisa possível para pessoas normais, para aqueles que podem amadurecer a partir de dentro de si mesmos, desde que recebam um ambiente favorável, especialmente nos estágios iniciais do crescimento.” ( WINNICOTT, 1963; 1983,p. 98).


E quando a criança entra no sistema escolar, não será muito favorável aos professores tentarem introduzir uma moral religiosa, pois não fará eco nas necessidades internas do indivíduo, pois esta memória afetiva ou sem afetuosa, já se deu nos primeiros anos de vida. Assim, o doutrinar num ambiente que é para levar ao conhecimento do mundo, fica desconexo e corre-se o risco de cada professor transmitir sua própria experiência e ou condução doutrinal.


Por este motivo que particularmente não sou a favor do ensino religioso na escola na forma doutrinal, mas sim no processo de conhecimento das religiões pelo mundo. Lembro-me de um pensamento do Padre Domênico Salvador, Doutor em Filosofia pela Universidade de Milão Itália, que se você quiser educar um filho para o catolicismo, não o coloque em uma escola confessional católica, pois ele poderá se decepcionar com as incoerências que irá encontrar lá dentro.


O melhor caminho para que uma criança consiga se encontrar com a crença de um Deus de Amor, é provocar desde o início de sua existência, um ambiente em que o amor é praticado de forma espontânea. E se há pretensões de líderes religiosos em converter fiéis para as suas religiões, com foco em pessoas adultas, o melhor caminho também será pelo encontro sem falsas intenções, onde este Deus será identificado não por doutrinações, mas por encontros afetivos de solidariedade.



[1] WINNICOTT,W,D - O Ambiente e os Processos de Maturação - Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, Editora Artmed, 1983


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