SOCIEDADE ANTIRRACISTA | Vergonha em ser branco. Sobre o filme “Medida Provisória”Publicado em 10/05/2022 Este foi o meu sentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos. Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateia que lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de mais de 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último crédito finalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando nomes de negros assassinados pelo equipamento policial racista, ela chorando em prantos. Eu, com a vergonha de minha raça e ancestralidade europeia (português e espanhol). O filme conseguiu trazer o racismo manifesto e estrutural dos brancos no Brasil, com os fragmentos sutis e/ou escancarados que fazem parte do cotidiano brasileiro nas relações entre brancos e negros. Expressões como: “Eu não sou racista, tenho até amiga íntima que é preta...”; ou cenas de ambientes nos quais supostamente um negro não poderia estar, como em um condomínio de classe média, em um bar de elite, etc. Dentre muitas expressões que a linguagem cinematográfica faz emergir de forma escancarada, o filme fez emergir a simbolização do racismo brasileiro. Outro elemento é a omissão dos brancos, mesmo daqueles que se colocam na posição de antirracistas, mas que na hora de se posicionar, silenciam-se. Assistem passivamente a ação de um governo ditador, sem se rebelarem contra tamanha crueldade que a “medida provisória” estava provocando. Esta passividade que revela um racismo estrutural latente, no filme emerge com toda força. Uma distopia quase que “hilariante” Imagine o Brasil tendo a população negra expulsa sumariamente para países do continente africano com o argumento que estavam sendo reparados pelos 330 anos de escravatura, e que estaria sendo dada aos negros a liberdade de retornarem para suas origens, suas terras. Uma distopia quase que hilariante, que ao assistirmos o filme, ficamos pensando se esta ficção poderia ser um dia realidade. Mas as ficções resultadas de uma produção artística, como é esta magnífica obra, normalmente são como uma profecia. E não precisamos ir muito para o amanhã para imaginar que a distopia do filme já é um fato. É só olharmos para as praças e avenidas com centros comerciais espalhados pelo Brasil, entre as médias e grandes cidades, que veremos os negros sendo expulsos do sistema na condição de moradores de rua. Ou se olharmos nas milhares de comunidades periféricas que o Estado esta ausente em saúde, educação, saneamento básico, mas presente em repressão policial e genocídio autorizado em nome desta pseudo-segurança que os governos brancos oferecem. Também estão excluídos do sistema eleitoral, vejam as chapas sendo formadas para esta eleição de 2022, onde estão os negros? É preciso despertar nossa indignação para a ação! Toda a produção do filme trabalhou com elementos de estudos antropológicos, sociológicos, históricos e econômicos, a partir da força de muitos pensadores e pesquisadores negros que começam a ter voz neste país. Vejo crescer a força do movimento negro, nas diversas formas de organização: a economia solidária nas comunidades periféricas; a produção acadêmica nas universidades públicas; o fortalecimento do feminismo negro; a literatura dos escritores negros aparecendo com a força e a espiritualidade dos ancestrais africanos; as religiões de matriz africana apresentando com força nos milhares de terreiros que se espalham pelo Brasil afora (que na minha percepção atingem mais pessoas do que as religiões de base cristã europeia). Enfim, da profecia de Lélia Gonzalez de que o Brasil se tornará um país negro na sua essência e institucionalização. Mas sabemos que o racismo branco europeizado, e toda política de embranquecimento da população brasileira com a falácia da democracia racial, vai exigir muita luta, muita resistência e muita organização. Pois a elite branca e a classe média branca não vão querer dividir equitativamente o bolo econômico. Minha vergonha após o filme fortaleceu ainda mais meu desejo de estar na luta por uma nação antirracista, que galgue na luta do povo negro à equidade quantitativa de direitos: no congresso nacional, nas escolas, nas universidades, nos cargos de direção empresarial, nos postos públicos de alta representatividade nas diferentes instâncias executiva, judiciária e legislativa. Que o filme “Medida Provisória” consiga, de fato, provocar a população brasileira para ficar indignada com o racismo presente em todos os cantos deste país. Um racismo que precisa ser visto, e no filme, além de mostrar, nos faz sentir, se emocionar e desejar a transformação que acontecerá com ações de todos e todas nesta construção de um país em que o racismo seja extirpado de nosso vocabulário. |
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