• 001 - ThinkingCreated with Sketch.
    O Psicólogo

  • O Consultório


  • Artigos

  • Vídeos


  • Notícias


  • Ócio Criativo


  • Contato



Para um mesmo Deus, diferentes olhares

Publicado em 04/11/2022

Este texto é decorrente do processo eleitoral para presidente no ano de 2022. Uma disputa onde o campo religioso esteve em primeiro lugar, tanto para angariar votos quanto para se usufruir de valores religiosos de modo que cada candidato fosse tido como o melhor ou pior, o mais ou menos perigoso. Desta maneira, as propostas e programas de governo em si ficaram em segundo plano, tendo seu lugar no debate tomado por ataques morais de cunho religioso.


Ao observar diferentes pessoas nas suas diversas formas de praticar a religião com o enfoque eleitoral (especialmente no âmbito das redes sociais), sistematizei alguns olhares para uma mesma divindade, mas com muitas formas de se ver/enxergar. Na verdade, não farei essas pontuações visando apenas o atual momento político brasileiro, mas também uma interlocução com posturas dentro da História.


A divindade referida é Jesus Cristo. Sempre fazendo a ressalva de que ser Cristão, para uns, é diferente para outros. Até porque o Cristianismo na cultura ocidental foi constituído a partir da Igreja Católica Apostólica Romana pelo legado de Pedro, e que, depois da cisão na Reforma Protestante (1517) de Martinho Lutero a João Calvino, passa a ter derivações, respectivamente, nas Congregações Luteranas e Presbiterianas. Mais recentemente, multiplicou-se em muitas outras ramificações a ponto de ficar difícil mapear quem e como são os denominados “evangélicos”, pois temos desde os tradicionais, com os pés na Reforma Protestante, até os atuais pentecostais, que, no Brasil, se expandiram em pequenas ou grandes congregações.


Tenho que ressaltar também que a Igreja Católica Apostólica Romana não tem a mesma forma de ver e pensar entre seus praticantes, os quais se estruturam em diferentes carismas e esquemas de práticas religiosas - fator alavancado muito pelo perfil de santos, que criaram formas diversas de se praticar o Catolicismo - e, ou, pelas diferentes formas de se interpretar as doutrinas e documentos apostólicos da Igreja Católica. Só estou descrevendo brevemente a multiplicidade institucional de formas de praticar o Cristianismo no Brasil, pois o objetivo aqui é pensar os diferentes olhares para um mesmo desejo.


O desejo da Vida Eterna, que une os Cristãos, e de um Deus que os protege.


Pela Defesa Da Vida


“...sou cristão e, por isso, defendo a Vida. Sou contra o aborto...” Jesus Cristo defensor da Vida, e, por isso, ser contra o aborto, pois a Vida é um Bem Sagrado; Com o mesmo argumento, Hitler conquistou grupos de cristãos na Alemanha Nazista (1934-1945) para empreender seu projeto de defesa da família pura, onde era contra o aborto.


O mesmo Hitler defensor da vida levou à morte nos campos de concentração mais de 7 milhões de Judeus e, nas intervenções militares baseadas em conquista de territórios, outras centenas de milhares de civis e militares vieram à morte. Em prol da defesa da família ariana pura e de suas propriedades, o direito de matar aqueles que ameaçavam a soberania ariana da nação sonhada por Hitler;


Também em nome da Vida, a Igreja Católica organiza a chamada “Guerra Santa” com o objetivo de reconquistar o Santo Sepulcro em Jerusalém e, assim, poder manter vivo os princípios cristãos, levando milhares à morte; Muitos cristãos justificam as armas como defesa com o argumento que Jesus Cristo também pegou em arma para defender o Templo do Senhor (um chicote) e Pedro carregava uma espada para defender Jesus já no momento da Paixão de Cristo.


Neste cenário de defesa da Vida, o não ao aborto e o sim às armas passam a ser defesas paradoxais. Nesta campanha de 2022, vimos a defesa da liberação de arma de fogo aos civis como forma de proteção da Vida e da Propriedade Privada.


Família é Sagrada


O argumento cristão para a defesa inegociável da Família se dá pela ideia de que esta também é um Bem Sagrado. A Família, aqui entendida como Pai, Mãe, filhos e parentes, remete ao modelo da Família de Nazaré: Jesus, Maria e José. Sendo assim, conceber outras formas de família foge do referencial tradicional do ideal cristão. Quem não está neste referencial de família, está no pecado.


Inclui-se aqui o referencial cristão da fidelidade conjugal e, assim, o conceito do adultério. Porém, em nome da conversão ao Cristianismo, justifica-se a aceitação da pessoa que tenha passado por vários casamentos, mesmo defendendo o casamento pleno e a fidelidade em seu pacto original, tornando o conceito de adultério algo relativo. Afinal, se a posição de Casamento como consagração sacramental de fato for colocada em prática, muitas igrejas se esvaziariam visto que poucos são os que estão casados nesta perspectiva. Sem contar aqueles que assumem a vida conjugal homossexual, a qual faria muitas igrejas perder fiéis de acordo com sua estrutura dogmática e moralmente rígida.


E aqui vale ressaltar que a Família de Nazaré na ocidentalização europeia (Jesus, Maria e José) não representa a forma original do modelo de família da época de Jesus, que se estabelecia com o núcleo familiar coligado à força da Comunidade, formando uma “Família Comunitária. Pois a nucleação restritiva de Família, circunspecta apenas no núcleo da consanguinidade direta, nasceu a partir da Revolução Industrial Inglesa (entre 1760 e 1840), vindo a se expandir para o resto da Europa e para os EUA.


O homem para a fábrica e a mulher em casa cuidando dos filhos. Aqui toma forma as orientações de João Calvino e a noção da defesa da Família e da Prosperidade Econômica, no sentido em que, quanto mais próximo de Deus, mais próspero será. Esta noção deu origem à ideia de que pobres são os que estão distantes de Deus.


O homem como a cabeça da Família e a mulher como submissa a este homem, como preconiza algumas formas de vivenciar o Cristianismo. A Família padronizada no referencial cristão de “Família Santa e Perfeita”, onde os filhos estão à sombra do guarda-chuva espiritual de seus pais cristãos. Tal princípio leva à justificativa de muitas formas de machismo e controle dos homens sobre as mulheres, assim como propostas políticas baseadas na educação domiciliar em detrimento da escola coletiva a fim de garantir que os filhos não sejam contaminados por professores com outras formas de práticas religiosas. Acentua-se, nesta perspectiva, a mulher como submissa ao seu marido, a partir da carta de São Paulo aos Coríntios.


Estabelece-se então a negação de famílias em que o modelo é comunitário, e assim, a desqualificação de modelos que incluem as famílias dos povos originários. Tal noção é a base que justifica o avançado processo de extermínio de nossas comunidades indígenas. Até me arrepio quando vejo igrejas cristãs tentando configurar famílias indígenas no modelo ocidental, um nítido processo de destruição das tradições e subsequente fragilização de um povo. Porta aberta à exploração destruidora da floresta.


Da mesma forma, os cristãos não aceitaram a forma comunitária dos negros no período da escravatura, tendo católicos batizando os escravizados ainda em seus países de origem, separando familiares estruturados em tribos de origem com um modelo não-nuclear, mas também comunitário. Davam-lhes nomes europeus e sobrenomes portugueses ou característicos de famílias originárias do país escravista sob o julgo de que suas almas fossem salvas de todas as possibilidades de influências de divindades malignas (herdadas da cultura africana) e valessem como referenciais de famílias da colônia - as quais, antes da Revolução Industrial, tinham como referências as dinastias e nomenclaturas (rei, rainha, príncipes e princesas, dentro de uma estrutura também nuclear) que davam sustentação às explorações de territórios e povos.


Até hoje, as religiões de matriz africanas praticadas no Brasil são demonizadas por muitos cristãos. Como bem nominou os moradores do Palácio da Alvorada em Brasília que, encabeçados em oração a partir do seu referencial cristão pela Primeira-Dama deste período atual, estavam limpando as maldades divinas que outros moradores que por ali passaram deixaram.


Os Pobres


Jesus Cristo defende os pobres, e, diante desta noção, há que derrubar do trono os poderosos e afastar os ricos com as mãos vazias. Assim, pelo Evangelho de Cristo, fomenta-se o modelo de uma Sociedade da partilha dos bens, onde todos viviam numa comunidade de comunhão.

Mas, no quesito dos pobres, o Cristianismo que vê no conceito de Pobre, aqueles que carecem de Espírito, onde a Fé não está relacionada à Compaixão e àqueles que passam fome de alimento real; Aqueles que associam a pobreza com a falta da prática cristã, na perspectiva da prosperidade; Mas também a prática cristã da Caridade na ideia de que, ao se manter os pobres, se manterá o exercício do ato cristão de Solidariedade;


Da Igreja que se atrela ao Poder Político-Econômico e que preconiza a máxima que “pobres sempre tereis...” (Jesus Cristo), a eliminação de tal contexto de pobreza e a oferta de condições dignas de vida geram um questionamento: Quem vai servir aos que, em nome de Deus, triunfaram pelos caminhos da prosperidade?


Homossexualidade


O Cristianismo que repudia a prática da homossexualidade, pois o modelo de casal é heterossexual, e aqueles que estão nesta prática não alcançarão o Reino dos Céus. No entanto, Jesus Cristo tinha um discípulo amado, João, e isto conduziu ao nascimento das igrejas cristãs que acolhem os casais homossexuais, pois confiam que a relação de Jesus com João era de caráter homossexual.


Em nome do Cristianismo, até a cura gay entra no programa para a saúde emocional pública no intuito de restabelecer um padrão de normalidade comportamental a partir do referencial definido por Deus, que fez o homem e a mulher.


Afrodescendentes


O cristianismo europeu, em um país afrodescendente, que vê nas manifestações religiosas de matriz africana, incorporações diabólicas e de caráter maléfico.


O cristianismo que, nos Estados Unidos, condenou à forca mulheres negras por ordens de pastores quando elas eram consideradas bruxas por desenvolverem rituais africanos em terras norte-americanas, podendo contaminar a fé cristã nas famílias e trazer o mal dentro das casas.


Diabo


Cristianismo este que foge da tentação do Diabo e que, para estar com Jesus no coração, discute mais a presença do Demônio do que do próprio Jesus Cristo. Do Inimigo de Deus que está em todo lugar e apavora, levando diversos cristãos a carregarem a cruz fixa no peito como forma de repeli-lo.


Dos cristãos que veem o demônio como uma figura de linguagem, aquele que divide, diabólico, que elimina o diálogo. Onde o Diabo é a própria ação humana quando se inspira no Ódio e na crueldade destrutiva.


Salvação


Cristianismo que conduz à Salvação pelas boas ações, e, nesta lógica, o Reino de Deus é para os humanos de boa vontade, onde o Amor está acima de tudo;

Dos cristãos que creem que a Salvação se dá pela prática dos rituais religiosos e pela quantidade de rezas que se faz ao longo da vida;


Do cristianismo que julgará pelas bem aventuranças na prática da Justiça, e, com isso, uma vida calcada na prática dos Direitos Humanos e do exercício da Ética Cidadã;


Pelo poder de se ter ganho dinheiro ao longo da vida e a prosperidade terrestre, se encontrará com a prosperidade celestial.


Sexualidade


Cristianismo que prega a Castidade e, com isso, o crédito aos namorados e noivos que chegam virgens ao casamento;


Cristianismo que entende que a Castidade só está para o órgão genital feminino, autorizando com isso, o sexo anal ou oral antes do casamento para algumas orientações de pastores em algumas nominações cristãs norte-americanas;


Do cristianismo que entende que ao homem é autorizado ter várias mulheres; E dos cristãos que está reservado a terem apenas uma mulher;


E dos outros cristãos, que entendem que o Casamento pode acontecer com pessoas do mesmo sexo, tendo inclusive lideranças religiosas que são de união homossexual.


Um desejo semelhante, mas para olhares diferenciados e com isso ações divergentes.


E aí vai se arrolando as várias formas de se ver Jesus Cristo e vivenciar este tal Cristianismo, pulverizado em centenas e milhares de partes e formas de viver a religião. Um desejo semelhante, mas para olhares diferenciados e com isso ações divergentes.


Mesmo que se tenha a Bíblia como referência para embasar as ações, temos aqui um outro problema: A Bíblia, ao longo dos anos e pelas variações de denominações cristãs extremamente polarizadas e diversificadas, foi sendo reescrita e adaptada em alguns textos para respaldar conceitos e procedimentos ou conveniências. A Bíblia, que se mantém historicamente a mesma após a Reforma Protestante, é a que em comum acordo se definiu entre Luteranos, Calvinistas e Católicos Apostólicos Romanos e que será encontrada nas Igrejas que mantiveram-se fiéis a estas Igrejas Históricas. Por isso, que sempre falo: “me mostra lá na bíblia onde está escrito isso ou aquilo...”


Diante das manifestações religiosas em um país eminentemente Cristão, mas na qual não conseguimos identificar que Cristianismo é este, como fica os que não creem? Os de base espiritista, que não tem o Evangelho de Jesus Cristo como referência? Os que seguem religiões de matrizes africanas, tão demonizadas pela maioria dos praticantes do cristianismo?


Imagine então como ficam os dois terços da humanidade que não seguem Jesus Cristo e, na sua maioria, creem na reencarnação.


Ainda bem que, dentre muitas manifestações religiosas durante esta campanha, onde não-praticantes se intitulam praticantes e outros que já eram praticantes se deixaram levar por emoções eleitorais (como numa final de Copa do Mundo), alguns poucos veem Jesus Cristo como um ser MISERICORDIOSO. Aquele que, na Cruz, antes de seu último suspiro, clamou ao Pai: “...Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem...”


Mas a infelicidade estará sendo engendrada naqueles que escolhem viver uma religião sem fundamento histórico e convicção pessoal. Aqueles entram para uma religião para suprir limites e carências emocionais, pois tendem a se tornar mais instáveis e com transtornos emocionais que podem, inclusive, ser um caminho para o Radicalismo e para o Fanatismo.


Na minha forma de ver - e que a própria Psicanálise de alguma forma nos ajuda a entender - não podemos dizer que existe o Certo e o Errado no campo religioso. O que existe é a escolha que se faz. Dependendo do lado que escolho, alguns estarão errados e outros certos.


Assim, confundir religião com política gera um sério problema para as práticas cotidianas, pois na religião, sigo a moral religiosa; e na política, por sua vez, devo seguir a moral constitucional. Assim, quando em nome de Deus, digo que posso matar, em nome da Constituição Federal eu posso ser preso caso o faça. Se digo a um cidadão que ele está no pecado por ser homossexual, estou infringindo a moral constitucional pelo crime de homofobia.


Por isso mesmo que Marx já disse que a “religião é o ópio do povo”, principalmente se estiver servindo de base para procedimentos que remetem a uma estrutura social no coletivo. Esta mistura de religião com política no Brasil reflete o quanto estamos atrasados na construção de um Estado de Direito genuinamente democrático. Porém, só temos ainda um pouco mais de 500 anos de processo civilizatório e uma História ainda curta de Democracia.


Compartilhe:

 

Avaliação:



Comentário de Anônimo em 05/11/2022 08:11:07
O que chamo de problema nas religiões é a lógica imposta por cada crença doutrinária, e vc explicitou isto muito bem na sua análise. O pastor sociologo Elter Dias Maciel usava uma expressão que justifica so meu ponto de vista os erros das logicas doutrinárias, o termo era "Passado móvel" ou seja, as doutrinas se baseiam-se na leitua da Bíblia escrita a milhares de anos atrás, e não consideram as mudanças e avancos culturais dos povos e com diferenças entre países, ou seja ler e querer manter a cultura de séculos passados na atualidade é nao considerar e compreender a evolução humana. Tipo os pentecostais não aceitarem ate hoje que mulheres não usem calças compridas, somente vestidos, e não usar cabelos curtos, e mais uma série de loucuras impostas por líderes evangélicos e católicos que não cabem mais na sociedade atual.
Parabéns pela sua perfeita análise!

Comentário de Anônimo em 05/11/2022 19:27:28
Muito boa sua reflexão, você descreveu com conhecimento sobre a maior parte de tudo o que ouvimos no Brasil nos últimos tempos em relação a política e religião, uma mistura desnecessária e infeliz causada por tantos que se acham merecedores de atenção acreditando ter razão a partir do que pensam ser o certo! Infelizmente a maior parte desses questionadores, "ditadores", não têm estudo aprofundado para discutir sobre suas ações e pensamentos, o que possuem de concreto e declaram sem cessar vem de um texto pronto divulgado por um líder despreparado, sem caráter, com intenções de destruição da sociedade, e que prega de forma desumana o conflito e a violência. A partir disso, ninguém mais se entende e nem se aceita! E o único resumo que consigo fazer é que ainda precisamos desenvolver muito nossos conhecimentos sobre várias coisas, somente assim conseguiremos nos libertar para viver principalmente o amor ao próximo que deveria ser a base de toda religião.





Visualizações: 771

Contato

Site seguro

https://abarcapsicologo.com.br/ https://abarcapsicologo.com.br/