Quando ser mãe é sofrimento
Publicado em 08/05/2023
Inevitável
não ver a imagem de mãe enquanto merecedora de créditos, principalmente nas
primeiras semanas do mês de maio de cada ano. As escolas enaltecem as mães, o
comércio as supervaloriza e as redes sociais passaram a ser um território de
sua exposição junto dos filhos.
Olhando
a partir deste prisma, a maternidade deveria ser um estado cheio de glórias e
alegrias, mas esta não é a realidade da maioria das mães. Estas mulheres que,
no cotidiano, assumem quase que sozinhas a função de criar e educar os filhos.
Este cenário é cada vez mais perceptível no cotidiano das escolas, postos de
atendimento de saúde, consultórios médicos pediátricos, assistência social,
etc.
Segundo
o IBGE, 50,8% dos lares brasileiros tinham liderança feminina, sendo 56,5% as
mulheres negras e 43,5% as não-negras, segundo dados do terceiro trimestre de
2022. Mas também temos os fatores do machismo estrutural, que ainda leva muitos
homens a delegarem os cuidados com os filhos para as mulheres. Este fator é
muito relevante neste processo de maternidade, que se agrava também pela
estrutura patriarcal na qual a mulher acaba assumindo esta posição de cuidar
dos filhos, como se este fosse o legado das mulheres.
Ser mãe um mix de stresse e bem estar
O
exercício de ser mãe no cotidiano traz mais estresse que sensação de bem-estar. Lógico que, dificilmente veremos uma mãe assumindo esta posição. Mas, para
aqueles que convivem com mães, esta realidade pode ser observada.Hoje,
particularmente com o agravante das mães terem que trabalhar para o sustento do
lar, a maior parte das famílias são lideradas por mulheres, como aponta o IBGE.
Desta
forma, a tripla função de mãe, trabalhadora e mantenedora da casa (arrumação),
torna a condição de ser mãe um sofrimento. É preciso estar muito atenta e fazer
uma escolha muito clara em ser mãe, para que o status de mãe não seja um eterno
sofrimento. Quando a mulher assume sua condição de estar sozinha nesta
empreitada de ser mãe, sem esperar um suporte ou apoio de alguém ou de um
homem, esta escolha pela maternidade se multiplica em força motriz. Assim, o
sofrimento não será o carro-chefe do ser mãe.
Ser mãe diante de tantos padrões
Diante
de uma Sociedade que prima pelo bem-estar estético no mundo da mulher, o ser
mãe carrega em si a quebra de um paradigma, pois a condição de gestar, parir e
amamentar traz uma forte alteração na estrutura fisiológica da mulher. E apenas
diante de uma escolha livre em ser mãe que a mulher conseguirá entender e
elaborar esta fase, mesmo assim estando sujeita a sofrer as pressões da
Sociedade de consumo pelo corpo estético. A gravidez, que muito é elogiada e
enaltecida no mês de maio, é um momento de forte alteração física que faz com
que muitas mães sofram com a perda do corpo anterior a tal processo. E a
pergunta que não se cala é: Este corpo será o mesmo de antes?
Ser mãe em uma sociedade que preconiza o
sucesso profissional, e com isto, a busca das mulheres por melhor
qualificação educacional para estarem em competitividade de igualdade ao mundo
machista, leva as mulheres a escolherem a maternidade tardiamente. E, quando
esta oportunidade chega, esta escolha livre em ser mãe esbarra em uma carreira
com pouco espaço para o cuidado do filho. O amor dividido entre o cuidar do
novo rebento e o ser profissional de ponta neste mercado que não perdoa.
Saídas encontram-se nas escolas
particulares, equipamentos educacionais públicos, parentes, etc. Mas um
sentimento que paira nas mães que estão em pleno vigor profissional é o de
ambivalência e consequente culpa por não estarem oferecendo plenamente o
cuidado aos filhos. Ocorre um fenômeno interessante quando uma mulher
profissional delega os cuidados a uma empregada doméstica, mas sem a certeza de
que o filho estará sendo bem cuidado. Além disso, surge a reflexão: E a
empregada doméstica que também é uma trabalhadora e, por vezes, mãe? Como fica
a sua emoção diante do filho que não pode levar ao trabalho?
O
sofrimento materno é grande quando a mãe começa a projetar o futuro dos filhos.
Diante de cenários caóticos (guerras, catástrofes, etc.), a mãe se vê apavorada
sobre o futuro dos filhos. Um sentimento que inquieta, incomoda e muitas vezes
faz perder o sono. Qual mãe fica bem ao saber que o filho pode morrer?
Este
é outro elemento que causa muito sofrimento às mães desde a gestação. A dúvida
de como virá a criança e todos os questionamentos tão incertos sobre a saúde e
a vida desta criança, especialmente nos primeiros anos. O sofrimento materno
aumenta diante da possibilidade da morte do filho e na medida em que a mãe se
recusa sequer a imaginar esta realidade.
Lógico
que, seria estranho uma mãe simplesmente imaginar a morte de um filho como algo
natural mas, infelizmente, a Morte é a maior certeza desta empreitada. Saber
desta possibilidade e não temer o que vem pela frente, (principalmente a morte
do filho) é um forte passo para a diminuição de sofrimento diante da
perspectiva da perda. Pois, quanto maior o medo do filho morrer, maior o
sofrimento em ser mãe.
O sofrimento funcional na maternidade
Vale
lembrar também do cenário atual de muitas mães jovens que, em sua maioria, não
foram educadas para serem mães por pertencerem a uma geração cujos pais (e/ou a
Sociedade em geral) as direcionaram para os estudos, carreira profissional e
conquistas pessoais, incluindo o imaginário de primeiro maximizar o lazer e
aproveitar a vida para então ser mãe. Nestes casos, o sentimento de cansaço na
maternidade é constante, principalmente se o papel materno estiver associado a
uma funcionalidade de obrigação. É como se tal mãe estivesse continuamente sem
tempo para descansar, pois o filho estará o tempo todo despertando a
necessidade de cuidado.
Aqui,
o sofrimento é funcional, como se a mãe fosse uma trabalhadora cujo horário de
expediente é infinito. E isto traz um sentimento de perda dos benefícios de
outrora (pré-maternidade) que fomenta uma frustração e/ou reclamação contínua.
Neste cenário, o círculo de rede de apoio entre parentes, amigos e instituições
se mostra fundamental. Da mesma forma, se a mulher convive com um parceiro ou
parceira, esta função partilhada em que o filho não é apenas responsabilidade
da mãe, pode dar condições para que esta mãe tenha seu descanso da função
materna, evitando tal sofrimento.
Diante destes e de muitos outros
sofrimentos que assolam as mães, os quais frequentemente não podem sequer serem
verbalizado pela possibilidade de representar uma ofensa aos próprios filhos e
à Sociedade, dois elementos entram para anestesiar ou camuflar estas mazelas: O
primeiro é o culto ao Mito do Amor Materno como estado de glória, muito
difundido no Dia das Mães; O segundo,
por sua vez, é a ideia da mãe como fonte de preservação da família na dimensão
espiritual, garantindo um legado sagrado (principalmente para os cristãos). A
ideia de que, mesmo que sofram no paraíso, mães são dotadas duma missão
sublime, visto que todo ser humano é nascido de uma mulher. No entanto, estes
são elementos de camuflagem que não podem evitar que mulheres mães evidenciem
seus muitos sofrimentos no exercício da maternidade.
É possível evitar o sentimento de sofrimento
Para
que o ser mãe não represente apenas sentimentos de sofrimento, o primeiro passo
é assumir-se mãe sabendo que esta posição de responsabilidade sobre uma vida
alheia não é para sempre, pois um dia o filho tornar-se-á adulto e
independente. Para que a maternidade não se torne um martírio, deve-se lembrar
que a condição mãe é mais um papel dentre muitos papéis que uma mulher pode
vivenciar na sua integridade (como profissional, filha, companheira, amiga
cidadã, etc.) Pode ser, que diante de uma escolha livre, mesmo que o filho
tenha chegado sem planejamento, o estado de ser mãe reserve mais prazeres do
que sofrimento. Buscar este caminho é uma boa opção para a sanidade física e
mental das mães e consequentemente seus filhos.
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