Cuidando da criança que está dentro de mimPublicado em 30/04/2024 Quando nos tornamos adultos, nos deparamos com a realidade nua e crua. Um dos sentimentos que sempre ronda a mente do adulto é o quão boa a época de criança era, sem preocupações, problemas para enfrentar e contas para pagar. A crueldade no processo de se tornar adulto é a mudança de posição de estar na condição de receber para passar à condição de dar. De ser cuidado para o cuidar. De ser amado para amar.
Porém, nossa história está enraizada em nossa memória, e, se não a cultivarmos, vamos sofrer por não termos consolidado em nós a construção de nossa existência até a vida adulta. Tudo bem que as infâncias de muitas pessoas são pontuadas por cenas traumáticas que o tempo pode levar ao esquecimento. No entanto, este não é um processo sustentável, pois o que foi vivido continua armazenado em nosso inconsciente e se manifestará na vida adulta de alguma maneira. Quantos são os casos que chegam até ao meu consultório com sintomas de algum transtorno emocional e, ao longo do processo de análise, há um consequente entendimento do porquê tais sintomas se manifestam apenas na vida adulta. É muito comum o relato em início de análise de que a pessoa não se lembra de nada da infância e, no decorrer do processo, as cenas do passado começam a brotar.
Sabedor desta dinâmica, Winnicott, psicanalista inglês que dedicou a construção de seu referencial teórico para a Psicanálise Infantil, já nos orientava no processo de Psicanalistas de adultos que o objeto de análise muitas vezes é o resgate pela escuta da criança que existe em cada adulto que analisamos. Por isso mesmo, Winnicott preconizava a ideia de que, quem analisa adultos deve analisar também crianças. Como não deixar a criança dentro de nós desaparecer?
Desta forma, podemos enquanto adultos não deixar morrer a criança que existe dentro de nós e para isto podemos seguir alguns passos:
1. Revitalizar a história sem estar apegado a ela. E, se não lembra do período em que era criança, procure pessoas que acompanharam seu desenvolvimento para que elas possam resgatar cenas de sua infância. Rever fotos, conversar com parentes, irmãos e ou, quem puder ter contato com os pais, peçam para eles falarem da sua história. Só fique atento a não ficar preso a esta viagem e não se apegar às lamentações e/ou saudosismos; 2. Buscar cenas da infância onde o brincar era o foco. Pode ajudar o resgate de brincadeiras da época com as crianças que estão ao seu redor; 3. Utilizar as crianças que estão ao seu redor para que elas colaborem em aliviar seu cansaço. Lembrando que crianças, por estarem desprovidas de compromissos, possuem mais energias positivas que favorecem os adultos que se aproximam delas em brincadeiras no processo de desestresse; 4. Ver no seu cotidiano que a presença de crianças não é um problema, mas uma solução. Não é verdade que adultos que cuidam de crianças tendem a ficar mais atentos ao processo de projeções futuras? Isso ocorre pois há uma criança para colaborar na construção do futuro dela. 5. Observar se a dificuldade de se aproximar de crianças já não representa uma forte dificuldade em pensar na criança que existe dentro de você. Hoje sabemos, por intermédio de muitas pesquisas, que há pessoas que, ao chegarem em uma idade x, têm a sensação de estarem em uma idade bem anterior. Este processo se dá principalmente com adultos que não deixam a criança que está dentro deles morrer, caducar, enrijecer.
A cada etapa de vida, uma vivência. Quando os adultos educam crianças como se elas fossem suas miniaturas, sempre com foco em compromissos escolares e regras rígidas (inclusive para o brincar), estão colaborando para futuros adultos também enrijecidos e mal-humorados. Sendo assim, aqui vale o velho ditado: “Quem amadurece muito cedo, também apodrece mais cedo” e não se tornam adultos com a liberdade de sorrir.
Termino este texto lembrando que, enquanto houver uma árvore a florir, um riacho a correr, uma criança a brincar, haverá, sim, o amor a triunfar. E as crianças que estão ao seu redor refletem diretamente a criança que está dentro de você. |
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