Diagnóstico emocional precoce em criançasPublicado em 23/07/2024 Num passado recente, no meio leigo às demandas do comportamento humano, era quase um absurdo dizer que uma criança pudesse estar com sintomas de depressão e/ou ansiedade. Hoje, esta realidade mudou e já percebemos famílias procurando avaliar as crianças quando estas, desde o início, começam a apresentar algum sintoma. Crianças desenvolvem transtornos emocionais desde o primeiro ano de idade, e isto é um fato. E os meios para se identificar disfunções emergentes estão, cada vez mais, sendo utilizados por pediatras, psiquiatras infantil, neuropediatras e psicólogos. Estou no campo da Psicologia Clínica e lido profissionalmente com crianças há 33 anos, (além dos 3 anos na clínica-escola, durante a graduação). Durante este tempo, aprendi que comunicar aos pais o diagnóstico de transtorno emocional dum filho era quase uma comunicação de morte, levando muitos a se fecharem e apenas fazerem vista grossa, deixando pra lá. Ao longo dos anos, fui definindo uma postura de só iniciar um diagnóstico infantil diante da certeza de que os pais aceitariam os resultados, comunicando (até hoje) da seguinte forma: O diagnóstico é como uma cirurgia para detectar algo que esta disfuncional. Se, diante deste procedimento, os pais falarem que está tudo bem ou que podem resolver depois, estariam levando o filho após a intervenção com uma ferida aberta sem tratamento. Por outro lado, também vemos hoje uma precipitação em definir diagnósticos e intervenções que, em consultas de 10 minutos, já estabelecem códigos de transtornos que necessitam de avaliação interdisciplinar (em alguns casos até com exames neurológicos), chegando a resultados categóricos de maneira rápida. Esta demanda é muito percebida nos quadros do espectro autista e/ou disfunções de aprendizado, como também é o caso da TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Há uma pressão dos pais para que a criança tenha um laudo constando o transtorno, permitindo que reivindiquem um auxiliar de turma no acompanhamento diferenciado à criança. Também há muitos profissionais que acabam não seguindo critérios de avaliação que exigem tempo para alcançar uma conclusão fidedigna. É muito comum receber crianças que já chegam com um diagnóstico redutivo, mas os pais gostariam de desenvolver um diagnóstico mais claro e interdisciplinar. No entanto, esta é uma realidade pouco comum, vista especialmente nos pais mais esclarecidos. Avaliar com calma e numa intervenção interdisciplinar é o melhor caminho. Avaliar uma criança apenas pelos sintomas emergentes que ela está apresentando pode levar a erros de longo prazo e, pior ainda, à estigmatização da criança. É comum pais chegarem com laudos desenvolvidos anos atrás, com a crença de que o filho é aquilo e pronto. Por este motivo, ao apresentar um laudo após um processo claro de intervenção, faço a leitura ponto por ponto, explicando com o máximo de detalhe possível e de maneira acessível. Muitas vezes, é preciso fazer laudos específicos conforme o profissional que estará manuseando as informações. Por exemplo: quando apresento o laudo aos pais, vou dar ênfase também na psicodinâmica da família, nos aspectos mais íntimos da família a partir de fatores que possam estar contribuindo para o sintoma da criança. Mas, se o mesmo laudo apresentado aos pais tiver que ser apresentado à escola, foco nas demandas que dizem respeito à escola. Do contrário, estarei expondo a família e suas intimidades a terceiros. Por estas e muitas outras questões que implicam um laudo psicológico infantil, creio que não seja possível realizar uma avaliação precisa em apenas uma entrevista, inclusive pelo fato de que outros profissionais também precisarão ser ouvidos. Na prática da clínica psicológica, dificilmente conseguiremos fechar um laudo por menos de dois anos, visto que, duma primeira avaliação até delimitação de uma nomenclatura para o sintoma, o processo posterior de intervenção poderá evoluir para caminhos que não sabemos. Muitos foram os casos nos quais sintomas dum quadro que parecia definitivo foram eliminados em menos de seis meses de intervenção. Não que a intervenção em si desencadeou a “cura” do sintoma, mas o simples fato da família ter dado atenção à criança e procurado ajuda profissional em junção a mudanças nos processos educacionais durante o cotidiano surtiu efeito sobre o quadro da criança. Assim, o diagnóstico inicial foi diluído. Avaliar com calma e numa intervenção interdisciplinar é o melhor caminho. Mas, neste nosso país, quem consegue encontrar e bancar um processo destes? Assim, acabamos sempre presenciando um crescimento vertiginoso de crianças “laudadas”, escolas desesperadas para lidarem com tantos diagnósticos e famílias perdidas, sem saber, de fato, se a criança está sendo avaliada e/ou tratada de forma adequada. Apenas deixo o alerta aqui, de que avaliações a toque de caixa, de forma relâmpago, devem ser vistas com desconfiança. Neste sentido, muitas vezes é melhor desconsiderar o avaliado. |
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