Viver é uma apostaPublicado em 21/08/2024 A Humanidade desenvolveu-se ao longo da História a partir da perspectiva de conquistas. Somos marcados pelo legado da aposta, entendendo aqui a ideia desta enquanto arriscar-se em um projeto, lançar-se em um objetivo sem saber se teremos sucesso ou não. É um conceito diferente daquele dos jogos de azar, mas não sem correlação, pois, uma vez que evoluímos ao longo da História a partir de nossa alta potencialidade de assumir riscos, de alguma forma também desenvolvemos um hábito muito atrativo de jogar com a sorte. Mas, aqui, nosso pensamento está direcionado à ideia de que viver é uma aposta.
Se pensarmos a partir da visão do psicanalista Lacan e seu processo de elaboração do que constitui o sujeito do desejo, teremos a busca incessante por uma configuração que nos dê singularidade no processo da subjetividade. Isto é: vamos construindo o nosso núcleo pessoal do existir ao longo de nossa existência - o sujeito desejante – que, em Lacan, vai se dar na configuração de uma constituição que perpassa de “um significante para outro significante”, conceito que vamos encontrar no Seminário 16 de Lacan, intitulado “De um Outro ao outro”, o qual ilustra a construção da estrutura psíquica do indivíduo a partir do encontro com o outro para alcançar uma singularidade. Assim, o encontrar-se com o outro é uma condição primordial na existência humana, que pode dar (ou não) o resultado que se espera na realização dos nossos desejos, configurando uma aposta.
Podemos relacionar esta busca humana com a ideia deste jogo de azar a partir da observação de diferentes ideias de conquistas pessoais, como, por exemplo, conquistas financeiras a partir do desejo do sucesso - que, numa linguagem capitalista, podemos colocar com o conceito pinçado por Karl Marx: “Mais valia” como reflexo da busca incessante do ter. A partir de uma comparação homóloga, Lacan, no Seminário 16, relaciona o “mais” da Mais valia marxista com o que, na psicanálise, ele nomeia “mais-de-fazer", que é a busca pelas realizações dos desejos internos que, incessante e insaciável, sempre nos remete a uma perda, uma falta que nos projeta continuamente à procura de algo mais. Cultivar expectativas, projetar, se arriscar, é um bom caminho.
Se pararmos para pensar, diante de demandas sociopolíticas e cenários caóticos - que incluem um aumento assustador da fome na maioria das nações, crescimento da violência urbana, guerras (entre nações e civis), catástrofes naturais e previsões sobre o clima nada animadoras para o futuro - poderíamos dizer que as pessoas não desejariam mais terem filhos diante dum futuro tão incerto. Porém, não é o que observamos, visto que os filhos continuam sendo desejados. A cada dia, aumenta a busca pela gravidez, especialmente no caso de mulheres com dificuldade de engravidar. Neste caso, podemos dizer que a aposta pela vida está marcada no desejo de ter filhos para deixar um legado genético e uma continuidade na História. E qual é certeza que alguém que gera um filho tem do sucesso no processo educacional deste? É uma aposta.
Da mesma maneira, fico pensando quão representativos e dependentes de sorte são os casos de empresários que se arriscam em iniciar um negócio em pleno cenário de crise econômica. Uma pulsão que passa pela estrutura psíquica, colocando o empresário diante de uma escolha de risco que representa exatamente esta ideia da aposta. Das diversas apostas da vida, a única certeza é que viver é uma aposta. Aqueles que vão se configurando em um apego ao real, ao aqui e agora, querendo pontuar o gozo momentâneo buscando sempre prazeres imediatos, se predispõem a não pontuarem prazer algum e caírem em um vazio existencial com uma projeção pessimista de vida. Começam não a apostar, mas recuar, se isolando e provocando a morte psíquica a partir da construção duma mente em sofrimento emocional que vai desembocar em sintomas de transtornos emocionais.
Para uma construção da saúde emocional e prevenção às doenças emocionais, cultivar expectativas, projetar, se arriscar, é um bom caminho. É dar vazão ao apostar na vida, para viver a vida como uma aposta. E quem aposta sempre tem a perspectiva de ganhar e, se perder, retorna ao campo da aposta novamente com o desejo de tentar novamente. Aí sim temos uma mente que pulsa de fazer do sujeito, um sujeito desejante. |
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