”Elena” : Narrativa sobre a experiência do suicídioPublicado em 09/09/2024 Para falar de Setembro Amarelo, sempre trago elementos voltados para os aspectos da Psicologia e como os profissionais da saúde mental lidam com esta temática. Mas, neste texto em particular, começarei com um testemunho familiar de quem teve pessoas próximas que se suicidaram.
De início, indico o filme “Elena”, dirigido por Petra Costa, também diretora do documentário “Democracia em Vertigem”, indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2020. Porém, pouco ouvimos falar deste filme, assim como pouco são os pronunciamentos ou publicações de familiares falando sobre suicídio no seio da família por representar uma demanda de muito sofrimento para os envolvidos. Petra Costa fala do suicídio de sua irmã, fazendo uma narrativa bem esclarecedora sobre a experiência deste tipo de ocorrência em família ao partir de sua experiência pessoal para desenvolver uma perspectiva social e de saúde pública. Vale a pena conferir.
Identifiquei-me muito com este filme por também ter vivenciado experiência similar a partir do suicídio do meu irmão, Edson. Na época, ele tinha 22 anos e eu, 21. Dormíamos no mesmo quarto e tínhamos muitas atividades em conjunto na cidade onde nascemos e morávamos. Fiquei três dias em claro procurando por meu irmão ao lado de nossos respectivos amigos. Edson era de muitos amigos e muito extrovertido, trabalhador e parceiro. Um episódio que assustou a todos na época, pois o perfil dele não condizia em nada com o que se falava do perfil de um suicida potencial. Passaram-se, pelo menos, 20 anos para que minha mãe recuperasse seu emocional e, até hoje, temos dificuldade de falarmos a respeito em nosso núcleo familiar e de amizades. Logo em seguida, parti para estudar Psicologia após uma forte ascensão como técnico agrícola na época, levando muitos a acreditarem que eu desejava seguir este caminho em função do ocorrido. No entanto, acredito que este episódio referente ao meu irmão só fortaleceu um desejo, pois o fôlego necessário para sair de uma carreira profissional já bem sucedida ainda bem novo no intuito de começar um curso longo e complexo (como em algumas universidades ainda é), de fato só foi possível com tal ocorrência.
Desta maneira, abordar o suicídio discutindo apenas o ato, é ineficaz por não atingir o problema em sua essência.
Ao longo de meus quase 34 anos de exercício profissional, atendi muitos pacientes suicidas em potencial e uma quantidade enorme de pacientes que, se não tratassem a depressão, estariam hoje mortos pelo suicídio. Sabemos que 80% dos que chegam ao suicídio são pessoas que estavam com tal condição. Sendo assim, a razão primária para o Setembro Amarelo, é a prevenção de enfermidades referentes à saúde mental no coletivo e o avanço no tratamento da depressão. Mas, apesar de presenciarmos avanços no tratamento de depressão, também observo muita especulação medicamentosa a partir do alto índice de pacientes que não conseguem metabolizar a medicação psiquiátrica de maneira a pontuar resultados. Pior ainda: Segundo a Associação Médica Brasileira (AMB), apenas 5,1% dos pacientes com depressão fazem psicoterapia. Diante destes dois dados, vemos muitos pacientes medicados, ou que “estão se tratando”, cometendo suicídio. Os índices de melhoria dos sintomas da depressão, associando medicação psiquiátrica e psicoterapia com psicólogas(os), chegam a mais de 60% de eficácia. Desta maneira, abordar o suicídio discutindo apenas o ato, é ineficaz por não atingir o problema em sua essência. Temos um longo caminho a percorrer nas políticas de saúde pública para a demanda da saúde mental. Meu índice de pacientes que chegaram a cometer suicídio é zero. Pontuo este dado não para me gabar, mas para evidenciar o quão importante a psicoterapia é para o tratamento da depressão. E, no meu caso em particular, este índice positivo se deve ao fato de que tais casos de risco desenvolveram uma boa psicoterapia, baseada nos instrumentos teóricos e técnicos da Psicanálise. E aqui vale frisar que a maioria das indicações dos médicos psiquiatras é de Terapia Cognitiva Comportamental, por apresentarem maior eficácia em relação a outras modalidades de psicoterapia. Vale frisar que isso se deve pelo fato de que, em diversos casos, o profissional que manuseia a teoria psicanalítica comete o erro de analisar o paciente com depressão como se este estivesse em uma análise livre, chegando até a negar o suporte medicamentoso psiquiátrico. A meu ver, se, nas pesquisas, o método psicanalítico está com baixa eficácia no tratamento da depressão, é porque os profissionais responsáveis por manusear este método podem o estar fazendo de forma equivocada.
Psicoterapia para todos, ainda é um tabu!
Mas quantos são os equipamentos públicos, tanto na área da Saúde quanto da Educação, que estão oferecendo profissionais de Psicologia para o amplo atendimento da população? Até os planos de saúde estão dificultando este acesso aos seus clientes, delimitando quantidades irrisórias de sessões por ano, mesmo cientes que a maioria dos casos pode levar anos de tratamento. A psicoterapia para o tratamento da depressão tem recomendação mínima de uma sessão semanal (o ideal sendo duas), o que pode perpassar de 40 a 50 sessões no período de um ano. No entanto, muitos planos de saúde delimitam o tratamento a, aproximadamente, 20 sessões. E isto se agrava quando os planos de saúde burocratizam o ressarcimento de valor aos pacientes, sempre exigindo laudos e mais laudos. A partir destas noções, falar seriamente de Setembro Amarelo é falar desta logística social da saúde. Podemos delimitar aqui algumas orientações para que a prevenção ao suicídio aconteça no seio familiar: 1) Não ter receio de falar sobre o suicídio na família; 2) Observar se, dentre os familiares, há pessoas desenvolvendo a depressão - e podemos fazer esta percepção pelo olhar - mesmo que, ao abordarmos tal pessoa, estejamos errados. Aqui, vale o ditado popular: “Melhor errar pelo excesso de cuidado do que pela falta.” 3) Se atentar à falta de contato afetivo. Prestar atenção em pessoas que, estando no núcleo familiar, ficam à parte de todos sem interação social, isolados em seus quartos e/ou cantinhos e alheios aos movimentos cotidianos da família. É necessário provocar o aproximar-se; 4) Identificar o sofrimento emocional por qualquer motivo que seja e insistir em levar a pessoa a uma entrevista psicológica e/ou avaliação psiquiátrica. 5) Não associar depressão a frescura e/ou ausência de Deus. Como somos um país de maioria da população cristã e de viés conservador, há uma narrativa religiosa ampla de que Deus vai curar todos os males a partir da fé. A partir desta ideia, corre-se o risco de não acontecer o milagre almejado e a depressão da pessoa ir se aprofundando cada vez mais quando o tratamento adequado pode ser uma forma do milagre acontecer. 6) Promover um ambiente familiar com o mínimo de repressão, lembrando que, aqui, repressão é diferente de limites. Fazer do ambiente familiar um local de alegria, de encontros saudáveis e sem opressão, a qual leva ao sofrimento. 7) Evitar brigas e discussões diante dos filhos, principalmente expondo questões pessoais de cada um e também gerando agressividade para com o outro. Pois as crianças e adolescentes captam internamente estes conflitos e passam a desenvolver o processo depressivo em silêncio e em isolamento. 8) Por final, dentre
muitas outras opções que poderia listar aqui, deixo uma que tem sido, de fato, motivo de muita
autoagressão, baixa autoestima e campo aberto para depressão e ansiedade entre crianças e adolescentes, que é o acesso livre e intenso à internet e redes
sociais. Este campo deve ser planejado e
monitorado, com horários definidos de entrada e saída, sempre tendo um adulto próximo. Lógico que, aqui, os
adultos dentro de uma casa, precisam se avaliar se também não estão viciados nas
redes sociais. Cuidado com o o acesso livre e intenso à internet e redes sociais! |
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