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Quando ser mãe é sofrimento

Publicado em 23/09/2024

Neste texto, vou enumerar alguns pontos, dentre milhares de outros possíveis, que entendo como demandas que mulheres carregam na condição de mães e que as colocam em situação de sofrimento no exercício desta função. Seguirei uma sequência didática, lembrando que esta, na vida cotidiana, não diz respeito a uma visão universalizada, mas me parece muito relevante por sua natureza quase comum no exercício da maternidade:


  • É colocado uma aura mítica em torno da nomenclatura MÃE, como se fosse o mais elevado de todos os papéis que uma mulher pode desempenhar. Este mito é carregado de sentimentalismo e glorificado, inclusive, no dia das mães. uma ampla disseminação da ideia de que ser mãe é uma vocação cuja recompensa é padecer no paraíso, representando um dom quase divino. Daí, emerge o sofrimento decorrente da forte pressão de que as mulheres mães consigam dar conta deste papel com maestria, adentrando a condição de ser mãe sem poder errar.

  • O sofrimento de estarem quase sozinhas no processo educacional dos filhos. Em mais de 50% dos lares brasileiros, as mulheres realizam tal processo literalmente sozinhas, e, das que têm seus parceiros, muitas lidam com a ausência de participação destes.
  • O sofrimento de verem na Sociedade a concepção de que filho é coisa para mulher cuidar. Aqui, entramos em um duelo da Maternidade X Machismo. Na maioria dos casos, a paternidade é idealizada na função de colocar dinheiro em casa. Hoje mesmo, estava na praia e pude observar que as mulheres estavam por perto enquanto as crianças brincavam entre a areia e o mar. Perguntei então para minha esposa: “Onde estão os homens?”, levando-a a olhar ao redor e me responder: “Bebendo nas mesinhas com outros amigos.”

  • O sofrimento da mulher em ver sua estética corporal sendo desconstruída com o surgimento dos filhos. Numa Sociedade que prima pelo ideal do corpo perfeito, o exercício da maternidade implica diretamente num fator de baixa autoestima corporal, levando à dúvida que não faz calar, de quando o corpo de antes dos filhos se tornará uma realidade novamente. O saudosismo de um corpo que não voltará.

  • O sofrimento de dividir a maternidade com a vida profissional num país onde a maioria do mercado de trabalho enxerga com olho torto as mães trabalhadoras que circunstancialmente precisam se ausentar para cuidar de seus filhos. Antes mesmo, no anúncio de que tal profissional mulher está grávida. De fato, esta é uma realidade que vemos avançar muito pouco na acolhida das mulheres trabalhadoras que também são mães, gerando uma constante dúvida e insegurança nestas se, uma hora, serão demitidas e substituídas por outras que não tenham filhos.

  • Sofrimento pelas incertezas do futuro do filho que está cuidando, principalmente quando a vida e o cotidiano são pautados pela perspectiva da morte. Demandas se os filhos terão uma doença crônica, se conseguirão ir até o final do ciclo educacional e/ou se conseguirão emprego.

  • O sofrimento de muitas mulheres jovens que, durante a vida toda, foram educadas para o sucesso profissional sem espaço e/ou tempo para pensarem a vida com filhos. Surge então a inabilidade percebida e/ou a sensação de que não sabem ser mãe.

  • Sofrimento pela perda do lazer próprio, de saírem de si para cuidarem de um outro ser em processo de construção. Este elemento é muito característico numa geração de mães jovens que estão imersas em uma Sociedade onde o prazer e as necessidades pessoais estão sempre em primeiro lugar. Uma Sociedade centrada numa estrutura narcísica que leva muitas mulheres ao sofrimento quando na condição de mãe por precisar sair do próprio mundo e adentrar no mundo de uma outra pessoa, o próprio filho. Este fator se agrava quando esta mulher não se percebe em uma rede de apoio.


Fórmulas mágicas para despistar um possível sofrimento materno


A partir destes pontos, vale observar que duas “fórmulas mágicas” foram criadas pela Sociedade para despistar estas formas de sofrimento e inibir as mulheres na verbalização coletiva de tais mazelas: A primeira, consiste na disseminação do mito do amor materno incondicional, o encanto de ser mãe independente de problemáticas; A segunda, por sua vez, consiste na noção de que ser mãe é um designo de Deus para prover e manter a família como principal elemento estruturante da criação divina. Desta forma, poucas são as mulheres que verbalizam seus pensamentos e revelam seus sentimentos negativos no processo educacional dos filhos, pois, se assim o fizerem, correm o risco de serem condenadas e vistas como péssimas mães. Consequentemente, ficam reprimindo um sentimento até explodir num sintoma emocional.


O melhor caminho para lidar com os percalços e pesos inerentes ao processo da maternidade dentro da Sociedade é comunicar este sofrimento e estabelecer laços com outras mulheres mães, se encontrando a partir da troca de experiências. Isto leva ao reconhecimento de que ser mãe também é vivenciar sofrimentos, e que o mito do amor materno é uma estratégia machista de sedução para que as mulheres continuem cultivando o orgulho divido em serem mães, e assim correndo o risco de passarem a vida apenas nesta condição e apenas cumprindo um papel designado por uma Sociedade que as enxerga de maneira extremamente restrita.


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