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Saúde Mental, Política e Democracia

Publicado em 20/03/2025

Podemos ligar a Saúde Mental com a Política? E, a partir desta perspectiva, como a Democracia pode interferir no plano da Saúde Mental?


Trago este tema pois há uma tendência dentre os profissionais no campo da saúde mental de adotarem certa neutralidade de posicionamento político em função da atuação profissional. Há uma confusão quanto ao limite existente entre se posicionar politicamente na Sociedade e influenciar pacientes do sistema da saúde mental, tanto no âmbito público e/ou privado. Eis que surge a questão: O Psicólogo pode ter uma posição quanto à sua percepção política?


Na atuação direta como Psicólogo, preciso ter respeito sobre as diferentes escolhas e visões dos diferentes pacientes que atendo, tanto quando estou atuando no processo clínico individual quanto em uma intervenção institucional. É preciso não se posicionar por um lado específico, pois não estarei em um campo de ação política direta, como na partidária. Mas isto não anula ter uma visão política e um lado de escolha, principalmente quando diz respeito ao processo eleitoral ou à atuação partidária.


Já passei por situações muito constrangedoras no início de minha carreira profissional, pois atuava numa cidade pequena com clínica particular para crianças adolescentes e adultos, e participei de um grupo político para eleger um prefeito novo na cidade, a qual estava polarizada em dois políticos tradicionais que nunca queriam sair da prefeitura anos. E, neste processo externo à clínica, houve tentativa de depreciar minha ação como Psicólogo ao colocarem pessoas como pacientes para investigar se eu estava fazendo campanha para o meu candidato dentro do atendimento clínico. Como sempre soube separar estas instâncias, entre a ação profissional específica e a minha postura como cidadão implicado com o município, soube perceber e manter um posicionamento de neutralidade.


Em outro município, também como cidadão envolvido na campanha de um prefeito que poderia representar renovação política local por meio de processos eleitorais arraigados, o clima era tão pesado que chegava ao ponto de famílias locais nem se falarem, chegando ao ponto em que fui até ameaçado de morte. Mas, como tinha clínica particular em outro município próximo, os mesmos que me ameaçavam na cidade onde estava apoiando candidato, eram meus pacientes na clínica da outra cidade.


O Impacto da Polarização na Sociedade


O Brasil, após a campanha de Bolsonaro contra Lula e a polarização da discussão política como disputa de torcidas de futebol, viu o tensionamento sobre o debate político se tornar arraigado ao extremo, a ponto de familiares e amigos de longa data cortarem laços terminantemente. Até então, sempre me posicionei politicamente nas cidades nas quais morei, até atuando em partido político na condição de cidadão por entender que a política partidária é um caminho de colaborar, sim, na construção de leis justas e solidárias dentro de um referencial democrático.


No entanto, o diálogo político tornou-se inviável em qualquer instância, pois sempre haverá uma dinâmica de ataque e defesa entre lados, sem elaborações mais substanciais. Saudade hoje daqueles tempos em que uma família podia colocar seus adesivos nos carros disponíveis durante o período eleitoral, mesmo que fossem votos divergentes. Agora, este movimento se tornou impensável. Com isso, começamos a ver as divisões familiares e os ataques emocionais e, consequentemente, o crescente processo de adoecimento emocional nas famílias.


Nosso Brasil ficou politicamente burro. Quem é a Direita, quem é a Esquerda, e quem é o Centrão, num personagem político ou financeiro? Diante deste quadro, o exercício clínico passa a requerer do profissional muito mais cuidado.


A Psicanálise e a Realidade Social


Freud, em seu clássico texto “Mal estar na civilização”(1929), já nos alertava sobre as ambivalências no processo de construção cultural e na polarização entre vida e morte com regras morais de ordem pública e/ou religiosa que determinem o controle egóico sobre as pulsões (eros e thanatos – vida e morte), apontando que o desejo de uma Humanidade que pudesse ter uma convivência no coletivo e, ao mesmo tempo, atendendo às necessidades pessoais, gerando sempre os conflitos entre o Bem Comum e individual. Freud cultivou, sim, a esperança de uma Humanidade que cultuasse e vivesse o Bem Comum, principalmente em um período no qual a Europa estava contaminada por guerras e poderes ditatoriais. A Psicanálise em si, a partir de Freud tem um olhar voltado para o bem estar individual no campo emocional, mas numa perspectiva coletivista, onde processos internos pessoais são influenciados por demandas externas culturais e vice-versa.


Assim, para quem manuseia a Psicanálise, dificilmente verá alguém que não tenha como parâmetro no coletivo a prática da Democracia, ou, numa linguagem psicanalítica, em que o direito a desejar é para todos e todas. Desta maneira, diante do atual cenário paranoico da política brasileira, já vemos pessoas dizendo que psicanálise é coisa de comunista. Quem sabe, por isso mesmo a ascensão das psicoterapias comportamentais, muito utilizadas para controles de massas populares no regime nazista. Hoje, até líderes religiosos são denominados comunistas quando preconizam o bem comum e ações de solidariedades para os menos favorecidos em uma homilia ou pregação. Desta forma, se instaura uma insanidade coletiva, e, com isso, um crescimento paulatino dos sintomas patológicos mentais nos indivíduos.


Pelo modelo democrático, podemos visualizar o Bem Comum. Já por modelos políticos autoritários/totalitários, vemos a busca do bem para si e/ou grupos específicos que se unem para defender e proteger seus patrimônios e convicções enviesadas. Pela Democracia, se visualiza uma partilha que, inclusive, é preconizada na Bíblia - principalmente no livro “Atos dos Apóstolos” - e, pelos sistemas ditatoriais, se evidencia o medo de perder privilégios pessoais ao pensar em tal partilha.


Mas chego no ponto de meu desejo inicial nesse texto de hoje, de vermos que o adoecer mental na sociedade brasileira dá-se pela polaridade intransigente de idéias, na qual não se debate, pensa ou reflete sobre nada, em que pensamentos se tornam hermeticamente fechados e o egocentrismo está em primeiro plano. Também por vermos um país que se intitula democrático, no governo para o bem comum, tendo 59 milhões de brasileiros na faixa da pobreza. Mais de 50% dos brasileiros estão na classe D e E. Assim, ao preconizarmos que somos um país democrático simplesmente por que votamos, sem perceber que Democracia é o exercício da deliberação do Bem Comum, os índices denunciam uma realidade drástica de diferença social, e contradiz o discurso estabelecido, gerando um fator altamente favorável ao desenvolvimento de doenças emocionais, levando a índices assoladores indicando que 60% da população demonstra estar com ansiedade e/ou depressão.


Mesmo a psicanálise, a partir de Freud, tendo um olhar de bem estar na perspectiva de uma Humanidade que conjuga o Bem Comum, ao longo dos anos muitos psicanalistas se posicionaram com neutralidade, como se as demandas políticas e o sistema de governo não fossem elementos que influenciam na estrutura psíquica das pessoas. Mas esta postura é decorrente da elitização da psicanálise que, de alguma forma, foi se prestando ao serviço de uma elite dominante que representa parte dos que temem a Democracia. Tanto é verdade que o golpe militar de 1964 no Brasil, basicamente sustentado pela oligarquia ruralista, não difere muito da tentativa de golpe do Oito de Janeiro, também financiada por alguns setores da elite brasileira.


O Papel da Psicanálise


Com isto, a psicanálise e o psicanalista não vão entrar nas escolhas pessoais dos pacientes. Faço um paralelo com o pastor que não vai receber em sua igreja apenas pessoas que pensam em uma única condução política, ou no Padre que excluiria quem diverge de seu pensamento político. As Igrejas são para todos que as buscam, assim como o processo psicoterapêutico. Não vou colocar juízo de valores ou direcionamento sobre a prática política que os pacientes seguem. Porém, se na prática política e desejo de Sociedade, estiver prevalecendo um sintoma comportamental que remete a um transtorno comportamental, surge a necessidade de se pontuar e interpretar.


Segundo Freud, a Psicanálise é o Social, e, pelo seu olhar, poderemos colaborar na leitura da Sociedade também no campo da Política, pois o ser humano expressa seus desejos e pulsões neste campo, podendo transferir suas neuroses e paranoias para a prática política. De fato, pessoas com um controle obsessivo muito intenso, com estruturas plenamente egoístas, tendem ao domínio e ao controle, prato cheio para os autoritários; Conversamente, pessoas com maior potencial de vínculos positivos e tendências mais altruístas, tendem a se solidarizar e partilhar mais. Lógico que há muitas variações comportamentais que farão com que as pessoas se vinculem à política de forma perversa ou com foco no Bem Comum, mas pontuo aqui duas vertentes que, a meu ver, são as mais comuns.


Diante disso tudo, os conceitos de Saúde Mental, Política e Democracia estão intrinsecamente conectados, tornando impossível a escuta de um paciente sem observar as forças culturais sobre ele exercidas como propulsores na construção da estrutura psíquica. Neutralidade em psicanálise não é uma realidade absoluta, e uma prática preconizada por Freud. Por isso, a política brasileira e a falsa democracia em que vivemos tem predisposto os brasileiros ao sofrimento emocional. Pois a demanda emocional não está apenas relacionada à individualidade de cada pessoa dentro de seu restrito círculo familiar. Assim, a ética da psicanálise é de ir de encontro a estas percepções e integrar as demandas pessoais internas à realidade em que cada um está inserido. Mesmo que possam nos confundir com comunistas.


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