Quem está no comando da adolescência?Publicado em 27/03/2025 Falar da adolescência e dos adolescentes sem considerar aqueles que por eles são responsáveis é atribuir exclusivamente a eles a carga dos atos que vivenciam no cotidiano, como se fossem autossuficientes e já pudessem agir por conta própria. É uma fantasia, como se a adolescência surgisse sem um ambiente familiar, uma comunidade ao redor e uma estrutura social, geopolítica e cultural que definem seus traços e características
Sabemos que cada indivíduo constrói sua identidade dentro de sua singularidade e individualidade, o que justifica o processo de psicoterapia individual para que cada pessoa se encontre consigo mesma. Porém, a psicanálise nos mostra que o indivíduo está inserido no coletivo. O que escutamos enquanto analistas está impregnado de cenas e cenários do cotidiano, e, na adolescência, isso não é diferente.
O impacto do meio social na saúde mental
Quando falamos de um adulto, podemos atribuir-lhe responsabilidade direta por seus atos, sim, mas sempre considerando o meio social no qual está inserido. Não podemos dizer que aquele que não quer trabalhar, no Brasil, é pobre, pois a maioria absoluta dos trabalhadores continua pobre mesmo com todo o labor, conseguindo, no máximo, sobreviver ao dia a dia. Isso ocorre por vivermos em uma estrutura social marcada por um grande disparate econômico entre trabalhadores e empresários. Da mesma forma, não podemos atribuir uma crise emocional (como o pânico) simplesmente a uma desestruturação psíquica individual, pois os adultos são também vítimas do meio em que vivem. Ambientes sociais com altos índices de criminalidade e baixa segurança pública podem desencadear transtornos emocionais.
Se, nem dentre os adultos, podemos analisar comportamentos psicológicos de forma isolada, na adolescência isso é ainda menos adequado. Sabemos que essa fase é uma transição entre infância e a vida adulta, durando de 10 a 12 anos (aproximadamente dos 11 aos 22 anos). Mesmo assim, é somente por volta dos 29 anos que o indivíduo pode ser considerado plenamente adulto. Portanto, pensar a adolescência e falar sobre adolescentes exige um olhar para os agentes que sustentam sua vida. Esse olhar precisa ser amplo, indo além dos pais ou responsáveis legais, incluindo parentes, amigos, professores, autoridades públicas e representantes sociais que compõem o núcleo de vivência do adolescente. Todo o ecossistema.
Quando episódios traumáticos envolvendo adolescentes chocam a opinião pública, tendemos a analisar os casos de forma isolada, focando apenas nos adolescentes envolvidos. Assim, a visão sobre a adolescência se torna unilateral, destacando apenas aspectos negativos. Criticamos o adolescente isoladamente para não enxergar nossa própria participação nesses episódios. Negamos nossa relação com a adolescência porque não queremos confrontar nossa própria adolescência mal resolvida— o que chamo de "ecos da adolescência".
Na série da Netflix, “Adolescência”, que tem sido amplamente comentada nas redes sociais, o foco é colocado no adolescente, mas a narrativa nos leva a questionar como eles chegaram àquela situação. Queremos enxergar o adolescente, mas não os adultos que permitiram que ele chegasse ali, de uma forma ou de outra.
O papel dos adultos na construção da adolescência
O que o Poder Público está fazendo para dar suporte aos adolescentes no campo educacional? As escolas públicas que os acolhem a partir dos 11 anos estão descontextualizadas da realidade, oferecendo um ensino que já não atende às necessidades dessa faixa etária. No ensino privado, repete-se a fórmula dos modelos antigos, com promessas que nunca se concretizam. Além da educação, o que está sendo oferecido em termos de esporte, saúde pública, trabalho e outras áreas essenciais?
No campo jurídico, há um abandono na aplicação das regras de proteção aos adolescentes. Veja as redes sociais, comandadas por grupos estrangeiros, sem critérios de segurança adequados. Eventos noturnos ocorrem sem fiscalização sobre a presença de adolescentes nesses ambientes. Os conselhos tutelares, que deveriam garantir essa proteção, parecem existir apenas "para inglês ver", com pouca estrutura e efetividade. No campo legislativo, o que nossos políticos têm mostrado além da busca por benefícios pessoais?
E quanto aos pais e adultos, que supostamente passaram por uma adolescência bem resolvida? Muitos estão mais viciados em telas e redes sociais do que os próprios adolescentes. O abandono do adolescente dentro de casa ocorre tanto nas classes mais altas, devido ao excesso de benefícios, quanto nas mais baixas, pela falta de suporte. Assim, a adolescência hoje é uma questão que atravessa todas as classes sociais, cada uma com suas particularidades, mas todas marcadas pela negligência do olhar e do cuidado. E cuidar não se resume à estrutura material, mas sim a um compromisso afetivo, um vínculo real com aqueles que pertencem ao núcleo familiar e comunitário.
A dependência emocional dos adolescentes nos assusta pelos sintomas que emergem — sintomas desestruturantes e chocantes, que desafiam nossa capacidade de enxergar a realidade. Talvez os adolescentes estejam gritando através desses sintomas para que possamos, como adultos, finalmente vê-lo. Mas há mais elementos favoráveis à vivência adolescente hoje do que desfavoráveis. O problema é que tais pontos positivos não ganham visibilidade, pois o que gera audiência é o espetáculo traumático.
Fica a pergunta: Você tem observado práticas adolescentes inspiradoras ao seu redor? Tem notado os ambientes onde adolescentes vivem experiências positivas de criatividade e alegria? Esses ambientes promovem um desenvolvimento saudável?
E você, como adulto, como tem convivido com os adolescentes à sua volta? Tem feito amizade com eles? Participado de suas atividades? Ou sua vida adulta hoje se resume a trabalho e a ver o tempo passar olhando para o celular? Aí é mais fácil dar foco às mazelas dos adolescentes. |
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