Politícia e Sociedade 10/05/2022 15:54:49
Este foi o meu sentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos. Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateia que lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de mais de 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último crédito finalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando nomes de negros assassinados pelo equipamento policial racista, ela chorando em prantos. Eu, com a vergonha de minha raça e ancestralidade europeia (português e espanhol).
O filme conseguiu trazer o racismo manifesto e estrutural dos brancos no Brasil, com os fragmentos sutis e/ou escancarados que fazem parte do cotidiano brasileiro nas relações entre brancos e negros. Expressões como: “Eu não sou racista, tenho até amiga íntima que é preta...”; ou cenas de ambientes nos quais supostamente um negro não poderia estar, como em um condomínio de classe média, em um bar de elite, etc. Dentre muitas expressões que a linguagem cinematográfica faz emergir de forma escancarada, o filme fez emergir a simbolização do racismo brasileiro.
Outro elemento é a omissão dos brancos, mesmo daqueles que se colocam na posição de antirracistas, mas que na hora de se posicionar, silenciam-se. Assistem passivamente a ação de um governo ditador, sem se rebelarem contra tamanha crueldade que a “medida provisória” estava provocando. Esta passividade que revela um racismo estrutural latente, no filme emerge com toda força.
Uma distopia quase que “hilariante”
Imagine o Brasil tendo a população negra expulsa sumariamente para países do continente africano com o argumento que estavam sendo reparados pelos 330 anos de escravatura, e que estaria sendo dada aos negros a liberdade de retornarem para suas origens, suas terras. Uma distopia quase que hilariante, que ao assistirmos o filme, ficamos pensando se esta ficção poderia ser um dia realidade. Mas as ficções resultadas de uma produção artística, como é esta magnífica obra, normalmente são como uma profecia. E não precisamos ir muito para o amanhã para imaginar que a distopia do filme já é um fato. É só olharmos para as praças e avenidas com centros comerciais espalhados pelo Brasil, entre as médias e grandes cidades, que veremos os negros sendo expulsos do sistema na condição de moradores de rua. Ou se olharmos nas milhares de comunidades periféricas que o Estado esta ausente em saúde, educação, saneamento básico, mas presente em repressão policial e genocídio autorizado em nome desta pseudo-segurança que os governos brancos oferecem. Também estão excluídos do sistema eleitoral, vejam as chapas sendo formadas para esta eleição de 2022, onde estão os negros?
É preciso despertar nossa indignação para a ação!
Toda a produção do filme trabalhou com elementos de estudos antropológicos, sociológicos, históricos e econômicos, a partir da força de muitos pensadores e pesquisadores negros que começam a ter voz neste país. Vejo crescer a força do movimento negro, nas diversas formas de organização: a economia solidária nas comunidades periféricas; a produção acadêmica nas universidades públicas; o fortalecimento do feminismo negro; a literatura dos escritores negros aparecendo com a força e a espiritualidade dos ancestrais africanos; as religiões de matriz africana apresentando com força nos milhares de terreiros que se espalham pelo Brasil afora (que na minha percepção atingem mais pessoas do que as religiões de base cristã europeia).
Enfim, da profecia de Lélia Gonzalez de que o Brasil se tornará um país negro na sua essência e institucionalização. Mas sabemos que o racismo branco europeizado, e toda política de embranquecimento da população brasileira com a falácia da democracia racial, vai exigir muita luta, muita resistência e muita organização. Pois a elite branca e a classe média branca não vão querer dividir equitativamente o bolo econômico.
Minha vergonha após o filme fortaleceu ainda mais meu desejo de estar na luta por uma nação antirracista, que galgue na luta do povo negro à equidade quantitativa de direitos: no congresso nacional, nas escolas, nas universidades, nos cargos de direção empresarial, nos postos públicos de alta representatividade nas diferentes instâncias executiva, judiciária e legislativa.
Que o filme “Medida Provisória” consiga, de fato, provocar a população brasileira para ficar indignada com o racismo presente em todos os cantos deste país. Um racismo que precisa ser visto, e no filme, além de mostrar, nos faz sentir, se emocionar e desejar a transformação que acontecerá com ações de todos e todas nesta construção de um país em que o racismo seja extirpado de nosso vocabulário.
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Politícia e Sociedade 10/05/2022 15:54:49 28
Este foi o meusentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos.Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateiaque lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de maisde 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último créditofinalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando...
Religião 14/04/2022 17:37:04
Este texto, faço a partir de uma matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, no dia 10/04/2022, com o título:“Jesus sofreu abuso sexual antes de ser crucificado, afirma teólogo”.Mesmo a matéria trazendo a confirmação da pesquisa teológica do teólogo inglês David Tombs, da Universidade Georgetown, entendo que gera muitos questionamentos por parte dos Cristãos Católicos em tempo de Semana Santa, por ser um evento genuinamente Católico que, inclusive, não é celebrado pela maioria das Igrejas Cristãs Evangélicas no Brasil. Questionamentos do tipo: por que se apegar a esta demanda sexual em plena Semana Santa, pois o tríduo pascal, que configura as celebrações de quinta a domingo de Páscoa, tem ênfase no sofrimento e ressurreição?
Segundo o teólogo David Tombs, a partir do Evangelho de Marcos (15:15-20), fragmentos do texto revelam a exposição de Jesus a uma tortura onde lhe foi retiradas suas vestes, ficara nu, e a coorte foi chamada para o ritual desta tortura, sendo que, na época, a coorte era composta por 500 soldados, que “...e posto de joelhos o adoraram...”. Uma cena que, ao olharmos por estes fragmentos da narrativa, podemos entender que, de fato, este tipo e perfil de tortura de expor a vítima ao nudismo, é uma forma de humilhar. Tombs fez uma pesquisa a partir dos referenciais da Teologia da Libertação, que teve sua força na década de 1980-90, tendo como base as formas de tortura nos regimes totalitários e em períodos de golpes militares na América Latina, como aconteceu no Brasil. O método de deixar a vítima nua e agredir ou flagelar órgãos genitais é comum em diferentes períodos e regiões do mundo, inclusive era característico no Império Romano, onde as crucificações aconteciam com a vítima nua.
Tombs deixa a seguinte pergunta: “O que pode ter ocorrido após o desnudamento?”. Uma questão que numa leitura movida pela saga da Paixão de Cristo, não leva os fiéis a se desdobrarem na/da cena, para derivar em uma contextualização e ao mesmo tempo em um significado. Estas perguntas que nos fazem debruçar sobre os textos bíblicos, de fato, não são incentivadas pelas instituições cristãs atuais que só desejam fomentar a fé para seu nicho de vivência e interesses, principalmente no cenário brasileiro, no qual a religião tem fomentado mais ódio e discriminações do que a essência do Evangelho de Cristo, que é a prática do AMOR. E quando não se presta a isso, apenas mantém uma fé cega sem questionar e apegada em rituais.
Uma teoria espinhosa, mas que pode abrir os nossos olhos
Na matéria da Folha de São Paulo, Tombs afirma que: “...Como uma interpretação do texto pode ajudar as pessoas? O que importa é a teologia que tem efeitos, e não aquela que anda em círculos”. Manter um povo emergido no analfabetismo funcional e, assim, numa prática religiosa de manutenção dominante da elite conservadora, isso sim é uma teologia que anda em círculos. Porém, este tema de Jesus Cristo ter sido vítima de abuso sexual, também incomoda as corporações institucionais religiosas, principalmente as de base cristã, que há décadas escondem por “baixo do tapete” crimes de abuso sexual cometidos por lideranças religiosas a seus fiéis, principalmente crianças e mulheres.
Com a emergência do Estado laico, e o crescimento de movimentos sociais que buscam justiça às vítimas de abusos sexuais dentro de instituições religiosas, esta hipótese levantada por Tombs faz vir à tona todos estes debates que escancaram instituições até então tidas como sérias e sem máculas, principalmente na Igreja Católica. Na matéria da Folha é lembrado o relatório de uma comissão independente na França que apontou que a Igreja Católica francesa abrigou 3.000 padres pedófilos que vitimaram aproximadamente mais de 200 mil crianças, de 10 e 13 anos de idade, entre 1950 a 2020. Este cenário, hoje, acontece em todo o mundo. Eu sou praticante católico e como psicólogo já presenciei muitas situações de abusos sexuais acometidos por lideranças religiosas onde as vítimas não tinham como recorrer, e por serem fiéis pertencentes a uma comunidade católica tinham receio de denunciar, para não depreciar a imagem da Igreja e, ao mesmo tempo, não serem isoladas pelos membros da comunidade. Por várias vezes procurei orientação de Juízes e Promotores para viabilizar denúncia, mas sempre esbarramos na falta de um sistema judiciário que realmente desse vazão para as queixas das vítimas, além das famílias nunca terem coragem de denunciar um líder religioso, deixando nossa intervenção amarrada.
Mas, são tantos os casos de abuso sexual que já não tem como esconder e, assim, as denúncias tomam visibilidade. E também por termos os movimentos sociais atentos e mais organizados para denunciar e exigir julgamentos para os criminosos. Na Igreja Católica e em alguns movimentos de espiritualidade que são ligados a ela, que são liderados por pessoas consagradas de forma celibatária ou não, principalmente hoje em dia com a emergência de comunidades de vida a partir do carisma vinculado à Renovação Carismática, o que acontece geralmente quando surgem denúncias de abuso sexual por parte de alguma liderança, principalmente com crianças e jovens, é afastar o criminoso e desová-lo para a sociedade. Ele deixa de estar no grupo religioso, ou na paróquia, mas vai ficar livre para continuar abusando de alguém. Não conheço caso em que um Bispo de uma Diocese ou uma direção de um movimento tenha denunciado o criminoso ao Ministério Público. Oras, se o caso chegou a ser digno de extirpar o agressor do grupo ou da instituição, então por que não denunciá-lo?
Usar da religião para benefícios pessoais é o máximo da perversidade.
Desta forma, o tema que parece tão espinhoso, é de fato uma realidade. Lendo o argumento do Teólogo Tombs, posso afirmar, sim, que Jesus foi vítima de abuso no seu flagelo da Paixão. E que o cenário traz elementos diversos a serem debatidos, como: a repressão sexual que as instituições religiosas sempre pautam suas formações morais; a tendência sadomasoquista dos torturadores; a covardia do coletivo militar, que vemos nitidamente em nossas comunidades periféricas, quando a polícia chega toda armada e com grande quantitativo de soldados para matar jovens negros; a questão do coletivo de machos, que na sua essência são homofóbicos, mas que adoram estar degustando de gozo coletivo na desgraça alheia; e o quanto o coletivo dos machos reunidos revela uma perversidade que escamoteia a homossexualidade latente destes que se colocam como héteros/machos, mas que adoram um coletivo masculino de perversidades sexuais (vejam os botecos e os estádios de futebol). A homossexualidade do outro incomoda a bissexualidade deles não assumida. Desta forma, imaginem 500 soldados tirando uma lasquinha de escárnio diante de um Jesus nu, sendo torturado.
Pensar nesta perspectiva do abuso sexual de Cristo na saga da Semana Santa é dar vida ao Evangelho contextualizado no hoje. E o hoje tem múltiplas formas de abuso sexual, em crianças, adolescentes, mulheres, e de todo sofrimento da comunidade LGBTQIA+, uma demanda crescente que não pode ser desconectada da verdadeira mensagem Cristã que é o Amor e a Justiça. Que se faça justiça na defesa das vítimas e que este movimento construa processos de prevenção para que esta forma de crime não chegue a acontecer.
Uma Semana Santa apenas para suprir demandas ritualísticas é a exacerbação obsessiva e compulsiva que tanto estimulam as práticas religiosas sem significados, e também é a manutenção de uma fé cega, que não transforma. Enfim, é um pacto pela “loucura no coletivo”, pelo gozo no Divino. Aliás, com os escândalos dos líderes religiosos no esquema do ministério da educação no governo federal atual, haja gozo para o próprio bolso. E usar da religião para benefícios pessoais é o máximo da perversidade. Como o é para o suprimento de fantasias sexuais.
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Religião 14/04/2022 17:37:04 70
Estetexto, faço a partir de uma matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo,no dia 10/04/2022, com o título:“Jesussofreu abuso sexual antes de ser crucificado, afirma teólogo”.Mesmoa matéria trazendo a confirmação da pesquisa teológica do teólogo inglês DavidTombs, da Universidade Georgetown, entendo que gera muitos questionamentos porparte dos Cristãos Católicos em tempo de Semana Santa, p...
Politícia e Sociedade 17/03/2022 15:00:53
“...O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.”(Jesus, 2014, p. 38)[i]
Dando continuidade a esta série “Sociedade antirracista”, para texto neste site e os vídeos no meu canal do Youtube, vou abordar o conceito pinçado por Lélia Gonzalez[ii] “Neurose Cultural Brasileira”.
Elaborando um conceito
Lélia Gonzalez, ao recorrer da psicanálise a partir de Lacan dentro da estrutura psíquica do ‘sujeito suposto saber’, lembra-se das mães pretas, que pela atuação como mucama“...que a mulher negra deu origem à figura da mãe preta, ou seja, aquela que efetivamente, ao menos em termos de primeira infância (fundamental na formação da estrutura psíquica de quem quer que seja), cuidou e educou os filhos de seus senhores...”(GONZALEZ, 2020, p. 54). Na teoria Lacaniana o sujeito suposto saberestá relacionado com as pessoas que nos identificamos no imaginário e que idealizamos, assumindo e identificando os valores destes como nossos.
Como afirma Lélia, ao esclarecer este conceito Lacaniano trazendo para o contexto da mulher negra na história do Brasil: “...No caso da criança, a mãe é vista como sujeito suposto saber, uma vez que lhe atribui um saber quase que onisciente. Ora, na medida em que a mãe preta exerceu a função materna no lugar da sinhá (que na verdade só fazia parir os filhos), inclusive amamentando os filhos da mesma, compreende-se o que queremos dizer (Lacan, 1966).(1980).” (GONZALEZ, 2020, p. 54).
Assim, Lélia afirma, a partir deste processo das mães pretas, que a cultura brasileira é eminentemente negra, mas que faz prevalecer o racismo, pois o sistema bloqueia qualquer forma de ascensão do negro na sociedade. E conclui:“E, se levamos em conta a teoria lacaniana, que considera a linguagem com o fator de humanização ou de entrada na ordem da cultura do pequeno animal humano, constatamos que é por esta razão que a cultura brasileira é eminentemente negra. E isso apesar do racismo e de suas práticas contra a população negra enquanto setor concretamente presente na formação social brasileira”(GONZALEZ, 2020, p. 55).
Um corte na teoria de Lélia que perpassa pela cultura, economia, mulher e feminismo negro
Aqui estou fazendo um corte no pensamento de Lélia Gonzalez para chegarmos ao entendimento da Neurose Cultural Brasileira. Mas, na teoria de Lélia, toda esta percepção esta intrínseca à estruturação da mulher negra ao longo da história no Brasil pela questão do trabalho, do patriarcado colonizador português e dos desafios da mulher negra de construir sua autonomia nesta sociedade, em que elas se encontram na base discriminatória da pirâmide social. As mães pretas de ontem, são as empregadas domésticas de hoje, que passam muito mais tempo na casa de suas patroas do que em suas próprias casas. De fato, o quantitativo de mulheres domésticas negras que trabalham hoje em residências de classe B e A (94,4% - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – 2019) é muito superior às mulheres domésticas brancas.
Neste cenário, só mudou a época e o perfil da sociedade, antes colônia e hoje república disfarçada de democrática, mas as mulheres negras ainda estão no serviço de base doméstica, servindo suas patroas que na quase totalidade é branca. Mas este atual contexto continua com sua crueldade escravocrata, como observa Lélia.
Mães pretas de ontem, domésticas de hoje
Lélia Gonzalez:“Vale observar que a expressão popular mencionada... “Branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar” – tornou-se uma síntese privilegiada de como a mulher negra é vista na sociedade brasileira: como um corpo que trabalha, e que super explorado economicamente, ela é uma faxineira, cozinheira, lavadeira etc.”(GONZALEZ, 2020, p. 69). Mais um contraditório dentro da elite dominante, que ao mesmo tempo em que detém uma ‘escrava moderna’ por sua suposta força braçal, confia a ela os tratos culturais de seus filhos ainda pequenos. Aqui, neste contraditório, temos um sintoma da ‘neurose cultural brasileira’, onde se confia na mulher negra para cuidar afetivamente dos filhos das patroas brancas e, ao mesmo tempo, nega-se a ela a possibilidade de ascensão educacional e econômica. Lógico, se assim for, onde a elite conseguirá contratar domésticas? E se as condições de vida das domésticas forem melhores, a educação delas mais avançada, com certeza o salário será muito elevado e muitas deixarão de ser domésticas.
Democracia Racial: mais um sintoma
Outro sintoma da ‘neurose cultural brasileira’, que foi construído pela elite e é a sequência do colonizador ao longo dos anos, foi a noção de que o povo brasileiro vive uma democracia racial. Como se a convivência fosse, de fato, pacífica, principalmente quando se olha para as mães pretas, por elas terem um vínculo de cuidado e zelo para com as crianças brancas dos seus senhores. Mas esta sadia convivência foi amplamente defendida pelos pesquisadores eurocêntricos nas universidades do país, também pela música brasileira se acentuou esta falácia: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza...”. De um povo ordeiro e passivo, que no cotidiano convive com cenas de um racismo cruel sanguinário, que vitimiza negros para cadeias públicas e para as estatísticas de homicídio. Neste sentido do contraditório, que Lélia Gonzalez afirma:“...Para nós o racismo se constitui como sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira.”(GONZALEZ, 2020, p. 76).
O lixo vai falar
Lélia busca na psicanálise elementos que justificam a necessidade do dizer, do falar. Pois na falsa construção do racismo estrutural, a mulher negra principalmente, mas também o povo negro como um todo, foi colocado na condição de não poder falar, de não poder dizer. Especificamente em Miller, um seguidor da psicanálise a partir de Lacan, Lélia vai alavancar a voz do lixo:“... Psicanálise e lógica, uma se funda sobre o que a outra elimina. A análise encontra seus bens nas latas de lixo da lógica. Ou ainda; a análise desencadeia o que a lógica domestica.”(GONZALEZ, 2020, p. 77 (Miller)).
Assim, a lógica da dominação é domesticar, onde a mulher negra boa não fala, pois não sabe falar, mas ela é doce e sabe cuidar dos filhos dos brancos. Como ressalta Lélia:“A única colher de chá que dá pra gente é quando fala da “figura boa da ama negra” de Gilberto Freyre, da “mãe preta”, da “bá”, que “cerca o berço da criança brasileira de uma atmosfera de bondade e ternura”. Nessa hora a gente é vista como figura boa e vira gente.”(GONZALEZ, 2020, p. 87).
E é nesta perspectiva que Lélia se posiciona junto com suas companheiras de luta no feminismo negro.“Exatamente por que temos sido falados, infantilizados (infansé aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, por que fala pelos adultos), que neste trabalho assumimos a própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.” (GONZALEZ, 2020, p. 77,78).
Aos que vão se empoderando da identidade negra nesta luta antirracista, que assumem este lugar de fala, o ser negro já não é tão legal assim. Pois a elite branca vem com a ideia de que eles também são racistas, são radicais e ‘amargos’, trazem para o conflito social o conceito de racismo reverso, por exemplo ‘tá vendo, são mais racistas do que nós’ e vendem a ideia que os negros estão sempre no ataque.
Sinais visíveis da neurose cultural brasileira
Podemos ver sinais da “neurose cultural brasileira” nos sintomas de depressão que faz do Brasil campeão desta doença mental na América Latina. No aumento de ocorrências de crime de racismo e agressões diretas à população negra por parte de pessoas brancas. Na agressão da polícia militar nas comunidades periféricas que tem como alvo principal os negros. No índice de infectados e mortos pela COVID-19, que atinge diretamente os negros. No baixo índice de negros que atingiram o patamar de estabilidade socioeconômica, que não chega a 6% da população. Nas ruas de nossas cidades que despejou milhões de famílias brasileiras, em sua quase totalidade negra. Com a volta do Brasil no mapa da fome em 2021. E muitos outros sinais.
Lélia, de fato, nos ajuda a entender as raízes desta ebulição de conflitos e colabora para que, ao entendermos, possamos construir novos referenciais e destruir o paradigma estigmatizante da falsa democracia racial brasileira, que a colonização e os herdeiros dos bens de consumo desta terra construíram sutilmente na cultura do povo brasileiro. Estamos ainda só no começo, mas é possível já ver sinais desta luta crescente de forma sistemática e fundamentada, com um perfil comunitário que torna mais difícil ser destruído.
“- Pois é. A senhora disse-me que não ia mais comer as coisas do lixo.
Foi a primeira vez que vi a minha palavra falhar. Eu disse:
- É que eu tinha fé no Kubstchek.
- A senhora tinha fé e agora não tem mais?
- Não, meu filho. A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. “E tudo que está fraco, morre um dia.”(JESUS, 2014, pg 39)
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Politícia e Sociedade 17/03/2022 15:00:53 80
“...O meusorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.”(Jesus, 2014, p. 38)[i] Dandocontinuidade a esta série “Sociedade antirracista”, para texto neste site e osvídeos no meu canal do Youtube, vou abordaro conceito pinçado por Lélia Gonzalez[ii]“Neurose Cultural Brasileira”. Elaborandoum conceito Lélia Gonzalez, ao recorrer da psicanálise a partir de Laca...
Psicanálise Contextualizada 07/03/2022 18:22:56
O Dia Internacional da Mulher, a meu ver, precisa sempre iniciar com o “Silêncio Orante” pelas 130 mulheres que foram assassinadas dentro de uma fábrica têxtil, pois em 8 de março de 1911 na cidade de Nova York, enquanto as operárias faziam protesto dentro da fábrica por melhoria das condições de trabalho, sendo que a média diária de trabalho era de aproximadamente 14 horas por dia ininterruptamente, homens ateavam fogo por fora da fábrica, com as portas trancadas. Elas morreram asfixiadas.
Luto pelos milhares de mulheres que continuam sendo vítimas do feminicídio que é generalizado em todo o planeta. No Brasil de 2020 foram aproximadamente 648 mulheres assassinadas, representando um aumento de quase 2% em relação a 2019.
Celebrar é necessário, mas antes mesmo é necessário memorizar a história para ter significado de luta, para avançar na construção de uma sociedade com equidade entre mulheres e homens em todos os âmbitos e em todos os lugares. Temo, e fico com um “pé atrás”, quando vejo lojistas, mídia e jornalismo, trazendo uma maquiagem falseada de promoções, prêmios e paetês em torno deste dia. Uma isca do capitalismo de consumo em uma questão sócio crítica de luta.
Mulheres Negras
Aqui, remeto-me às reflexões de pensadoras negras no atual contexto da luta por uma sociedade antirracista, como as reflexões de Djamila Ribeiro, Ângela Davis, beel hooks e Lélia Gonzales, dentre muitas outras.
Estava esperando no semáforo de uma avenida da cidade de Vitória/ES onde resido, indo para minha clínica bem cedo, e observei um grande número de mulheres descendo de um coletivo e atravessando a faixa de pedestre. Logo entendi que se tratava de empregadas domésticas provenientes de bairros periféricos da cidade para trabalharem nas residências de suas mulheres patroas, pois logo ao lado havia um condomínio de muitos prédios de classe A, com cinco prédios de aproximadamente 20 andares, cujos apartamentos são avaliados em torno de um milhão e duzentos mil a um milhão e quinhentos mil. Consegui contar quantas mulheres eram negras e quantas eram brancas. Fiz uma amostragem indicada pelo Pesquisador e escritor Silvio Almeida, que em seu livro “Racismo estrutural” nos ajuda a perceber o racismo no Brasil. Mesmo tendo sido vendida, ao longo de nossa história, a ideia de que no Brasil não há racismo, Almeida indica fazermos esta breve contagem por percepção fenotípica. Nesta minha contagem no semáforo, observei entre 11 mulheres, 9 negras e 2 brancas, 81%. Lógico, que é uma percepção hipotética, contudo, supus serem trabalhadoras domésticas, Já que não seriam executivas descendo de um coletivo as 06h30min da manhã, chegando antes das 7h da manhã, para liberarem suas patroas para irem também o trabalho. As domésticas, com máscaras, saíram provavelmente entre 5h a 6h de suas casas, deixando seus filhos sabe-se lá com quem, num coletivo abarrotado de trabalhadores. As patroas, na sua quase totalidade, acredito, de carro e sem máscaras.
Nesta cena, pensei sobre o quanto que ser Mulher Negra neste país pesa absurdamente mais do que o ser Mulher em si.
As pensadoras e pesquisadoras negras emergentes na atualidade, principalmente as que militam na causa do feminismo negro, entendem que, na pirâmide de exclusão social, a mulher negra está no último escalão, sendo primeiro o homem branco, depois a mulher branca, depois o homem negro e depois a mulher negra. Com certeza, se formos acompanhar os ambientes de trabalhos das patroas das trabalhadoras domésticas, veremos que a proporção de mulheres brancas em relação às negras se inverte, quando comparada ao ambiente de trabalho doméstico. Veja você mesmo nos bancos, nas universidades, e inclusive nas escolas particulares, veremos um índice proporcional de quase 90% de mulheres brancas contra 10% de mulheres negras. É sempre bom lembrar que, no Brasil, 60% da população é afrodescendente.
Machismo Pessoal
Tenho dirigido muito, tanto na cidade como nas estradas, por conta do trabalho. Recentemente, percebi o meu machismo (é evidente que ele não aparece só nesta situação), coisa que tenho tentado fazer após ler o próprio Silvio Almeida dentro das demandas de práticas enraizadas na cultura que ele nomina de Estrutural, e associado a uma série de artigos e livros que tenho pautado meus estudos para a Clínica Psicológica em torno do machismo. Parto da indicação de não ter medo de se ver manifestando comportamentos machistas, pois a tendência dos homens é de negar o machismo. Eu me pego todos os dias em cenas machistas, e isso tem ajudado a me posicionar na construção do antimachismo e acredito que tenho melhorado. Hoje mesmo minha esposa disse que já melhorei muito nas minhas posturas machistas, e olha que ela é militante das causas feministas. Mas vamos à cena:
Estava na estrada em direção à cidade de Linhares/ES onde tenho uma clínica psicológica, e um veículo estava andando na velocidade, a meu ver lenta, e eu fiquei preso atrás deste veículo por um longo trecho que não permitia ultrapassagem, o que estava me deixando ansioso e irritado, pois tinha horário para começar a atender. Ao conseguir ultrapassar este veículo, dou uma buzinada reclamando, e, no veículo, quem dirigia era uma senhora, que desceu o vidro e deu um sorriso. Mas logo pensei em voz alta “Só podia ser mulher”. Este é um machismo estrutural, a noção de que os homens dirigem melhor que as mulheres e elas são “barbeiras” no volante. Mas depois pensei sobre este meu ato.
É um machismo estrutural, pois me lembro de uma cena na relação com meu pai que, dentre centenas de cenas machistas dele que presenciei, esta é uma clássica: estava varrendo a cozinha de casa a pedido de minha mãe que sempre colocava os filhos para fazer atividades de cuidado da casa. Minha mãe preparando a comida do almoço, e sempre meu pai chegava no horário certo para almoçar. Mas neste dia que estava varrendo a cozinha, meu pai resolveu chegar mais cedo e ai foi um inferno ao me ver varrendo a cozinha. Ele logo foi atacando a minha mãe dizendo: “Você vai deixar este menino ‘boiola’ (homossexual)”. Olhou para mim e disse: “sai daqui menino, vai brincar”. Eu achei ótimo, pois depois disto, nunca mais fiz nada na casa de minha mãe. Mas herdei um machismo estrutural que hoje custa muito caro para mim.
Esta parece uma cena ridícula de tão simples que é, mas o machismo é uma força comportamental coletiva que se fortalece pelas inúmeras e centenas e milhares de cenas mínimas como esta, que vai formando um conceito no modo de viver dos homens na sociedade e vai se avolumando até chegar no feminicídio coletivo.
Nesta posição de reconhecer o machismo estrutural, tenho indicado ações para homens tanto no ambiente familiar como no trabalho, no sentido de buscarem mecanismos de auto percepção do machismo pessoal e também de fazer ações de parceria com as mulheres. É muito comum, nós homens, que vivemos em um casamento dizermos com frequência que ajudamos nossas companheiras nas tarefas de casa, o que já é uma expressão machista. Ajudamos ou fazemos juntos?
Celebrar
Diante de um cenário nada animador, poderíamos dizer que as mulheres tem muito pouco a celebrar. Mas mesmo diante das adversidades, e das muitas conquistas que ainda estão por vir para as mulheres galgarem a equidade de direitos em relação aos homens, vale a pena celebrar sim. Celebrar as muitas conquista já realizadas.
Lembrei-me da célebre frase de Che Guevara: “Há que se manter na luta sem perder a ternura”. Por isto, vamos celebrar sim, com alegria, mais um Dia Internacional da Mulher, sem perder a utopia, o sonho e a esperança da conquista da tão sonhada equidade de direitos.
Feliz dia Internacional da Mulher !
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Psicanálise Contextualizada 07/03/2022 18:22:56 78
ODia Internacional da Mulher, a meu ver, precisa sempre iniciar com o “SilêncioOrante” pelas 130 mulheres que foram assassinadas dentro de uma fábrica têxtil,pois em 8 de março de 1911 na cidade de Nova York, enquanto as operárias faziamprotesto dentro da fábrica por melhoria das condições de trabalho, sendo que amédia diária de trabalho era de aproximadamente 14 horas por diaininterruptamente, h...
Psicanálise Contextualizada 15/02/2022 09:04:06
Dando sequência a esta série de artigos e vídeos (veja o primeiro vídeo desta série), vou refletir a partir da construção desenvolvida pela pesquisadora Lélia Gonzalez, graduada em Geografia, História, Filosofia, pós-graduada em Antropologia, e desenvolvedora de estudos em Psicanálise. Fundou o Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia sempre atuou na militância política tendo se candidatado a cargos legislativos, como foi na época para a Assembleia Constituinte em 1986. Um currículo invejável de uma das maiores referências para a construção da identidade do povo negro no Brasil, de modo especial pela sua esperança e profecia de ver o país como uma nação negra de fato.
Dentro de sua trajetória acadêmica, se aporta da teoria psicanalítica no sentido de entender a construção da identidade do negro na sociedade brasileira, pegando efeitos linguísticos da exploração da mulher negra, que neste texto será discutido a partir do livro organizado por Flávia Rios e Márcia Lima “Lélia Gonzalez - Por um feminismo afro-latino-americano”[1].
Neurose Cultural Brasileira
Neste sentido, começo com o conceito da Neurose Cultural Brasileira:
“O lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo. Para nós o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira.” (Gonzalez, 2020, p. 76).
A partir deste conceito vamos observar o modo como Lélia Gonzalez utiliza da psicanálise para construir referências de entendimento da cultura, política, etnia e linguística na estruturação do povo negro no Brasil. Porém, vamos deixar a fundamentação deste conceito, e a forma com que Lélia Gonzalez o construiu a partir da psicanálise, para o próximo texto na sequência destes artigos.
Aqui vou trazer parte das muitas inquietações de Lélia na construção de seu pensamento. Um fragmento de percepção a partir de escolas públicas periféricas quando observava como a Psicologia era usada - e é usada até hoje - como instrumento de controle social e manutenção da elite dominante. Uma psicologia predominantemente eurocêntrica, aplicada por psicólogos brancos para enquadrar crianças negras tidas como “problemáticas”, para terem diagnósticos de distúrbios comportamentais e serem enquadradas em um padrão escolar europeu, diametralmente oposto à cultura e história do negro no Brasil, além de ser uma escola totalmente distante do contexto cultural das comunidades periféricas.
"Psicologia dos testes" é eficaz no ambiente educacional?
A origem da Psicologia no Brasil é europeia e iniciou sua trajetória na formatação de testar pessoas para identificar se elas eram ou não doentes mentais ou portadoras de alguma deficiência mental. Tanto que uma das áreas da Psicologia no Brasil que mais dá retorno financeiro aos profissionais Psicólogos é o campo de avaliação. Editoras e pesquisadores vivem produzindo pesquisas de testes nas mais variadas formas e áreas. Lélia cita esta psicologia dos testes para crianças nas escolas, que em sua quase totalidade as crianças negras eram encaminhadas para um departamento de avaliação mental, pois as professoras atribuíam que estas crianças não conseguiam se concentrar e eram muito “indisciplinadas”:
“...vale ressaltar que a maioria das crianças negras, nas escolas de primeiro grau, são vistas como indisciplinadas, dispersas, desajustadas ou pouco inteligentes. De um modo geral, são encaminhadas a postos de saúde mental para que psiquiatras e psicólogos as submetam a testes e tratamentos que as tornem ajustadas.” (Gonzalez, 2020, p. 39).
E continua, quando relata o sofrimento das mães diante das convocações da escola para as reuniões de pais cujo tema é mostrar o quanto seus filhos são um problema na escola:
“...E isso sem contar quando tem de acordar mais cedo (três ou quatro horas da manhã) para enfrentar as filas dos postos de assistência médica pública, para tratar de algum filho doente; ou então quando tem de ir às “reuniões de pais” nas escolas públicas, a fim de ouvir as queixas das professoras quanto aos problemas “psicológicos” de seus filhos, que apresentam um comportamento “desajustado” que os torna “dispersivos” ou incapazes de “bom rendimento escolar”.”(Gonzalez, 2020, p. 58-59).
Sendo especialista em Psicologia Escolar, sempre atuei em comunidades escolares. Até hoje há muita confusão dos professores e pedagogos para entender o papel do profissional de psicologia no equipamento educacional, até porque o sistema educacional não prioriza a formação contínua de seus técnicos, que muitas vezes ficam distantes das produções acadêmicas de pesquisadores brasileiros para a educação. Porém, na psicologia onde os profissionais podem atuar em diferentes áreas e os colocam em contínuo processo de formação, encontramos muitos deles trabalhando com o referencialde normatização. Também a categoria de psicólogos carrega este histórico de atuar no contexto clínico dos centros públicos de saúde mental que tinham a justificativa de testar. Mas na educação, hoje temos a especialidade do Psicólogo Escolar/Educacional que não tem como fundamento (ou não deveria ter), os referenciais clínicos de testagem.
Outro fator é a postura distanciada de muitos dos profissionais da psicologia, colaborando para que o olhar que os outros técnicos da educação têm sobre o papel dos profissionais da Psicologia seja simplesmente o de testar e convalidar as impressões que eles observam do comportamento das crianças. Inclusive muitos tendem a oferecer aos psicólogos recém-chegados uma sala na escola para atender os alunos problemáticos. Com o histórico e legado da psicologia de ser um instrumento de suporte de controle social a partir do referencial da elite dominante, de fato esta trama se dá sem que haja um senso crítico pela instituição escola e pelos psicólogos.
Outro ponto é o grande emergente de cursos de graduação em psicologia que oferecem muito pouca formação no campo da Psicologia Escolar/Educacional, pois a maioria dos cursos de Psicologia são de redes particulares e tem uma visão de inserção no mercado de trabalho, onde a projeção da categoria visa muito áreas que possam ter um melhor campo de trabalho, isso é, melhor remuneração. De fato, um choque de realidade, que causa um distanciamento entre a realidade dos técnicos da educação, que sofrem com baixos salários e pouco estímulo de formação, como um profissional que muitas vezes está em um equipamento educacional público como um trampolim para uma melhor possibilidade financeira de trabalho. A Especialização em Psicologia Escolar/Educacional ainda é pouco procurada também pela baixa perspectiva de emprego e remuneração. Recentemente estou passando por uma situação que grita o quanto os técnicos da educação estão sendo desestimulados a estarem nesta área. Ofereci um voluntariado para desenvolver um projeto de Psicologia Educacional em uma escola pública municipal de ensino fundamental, pois a diretora recém-eleita assim havia me pedido, mas a administração pública vetou toda forma de projetos que não sejam ligados aos da secretaria de educação, principalmente se envolver capacitação de técnicos. E um dos argumentos do governo municipal é ter que avançar na avaliação das crianças com problemas de aprendizado. Ai, novamente, entra o testador psicólogo para desovar a demanda “patológica reprimida”.
Intervenção prática da psicologia nas escolas
Minhas intervenções em escolas sempre foram pautadas pelo método participativo, de levar o coletivo da comunidade escolar que envolve pais, alunos, professores, técnicos da educação e funcionários, como também a comunidade onde a escola está inserida, para colaborar na percepção da realidade sócio-econômica-cultural daquela população, e atuar a partir desta percepção. Porém, ainda o modelo de testar, tratar e medicar as crianças está triunfando no sistema público e privado, com a diferença que no público a maioria dos “problemáticos” são as crianças negras, que passam a ser vistas desta forma por serem negras. As poucas crianças brancas nas escolas públicasnão são encaminhadas como “problemáticas” na mesma proporção de equivalência às crianças negras. E piora o cenário quando na escola os profissionais atribuem que estas crianças “problemáticas” são nascidas em famílias “desajustadas”, onde os pais não moram juntos.
Este contexto é muito bem representado no filme “O contador de histórias”, que retrata a vida de Roberto Carlos Ramos, uma criança da periferia de São Paulo cuja mãe queria oferecer um futuro melhor pela educação, assim o coloca na inaugurada FEBEM, Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (1964), acreditando que lá o filho estaria protegido da violência da comunidade periférica onde residiam. Uma cena no filme chama a atenção: duas psicólogas testando o menino, que ao ser “internado” na FEBEM, transformou-se em um verdadeiro produtor de “traquinagens”. As psicólogas estavam aplicando testes de inteligência com parâmetros europeus e testes projetivos com interpretações psicanalíticas para constatar que o garoto era de fato um problema. Assim, a FEBEM não era o problema, a desigualdade social e a exclusão não eram um problema, mas sim a criança negra. E as Psicólogas a serviço de um estado opressor e cruel com sua população.
Este cenário tendendo sempre a atribuir que os alunos problemáticos geralmente são de famílias desestruturadas, por exemplo, que não tem o pai e a mãe para cuidar, fora dos padrões da família nuclear europeia, levou-me ao livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada” [2], de Carolina Maria de Jesus, esta mulher que é a precursora contemporânea urbana na construção da sociedade antirracista, que na década de 1960 traz a cruel realidade de uma favelada:
“...- Estes filhos são seus?
Olhei as crianças. Meu, era apenas dois. Mas como todos eram da mesma cor, afirmei que sim.
- Seu marido onde trabalha?
- Não tenho marido. E nem quero!...” (Jesus, 2014, p. 23)
Na sequência desta série, vou adentrar nos elementos teóricos que Lélia Gonzalezconstruiu o conceito “Neurose Cultural Brasileira”.
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Psicanálise Contextualizada 15/02/2022 09:04:06 140
Dando sequência a estasérie de artigos e vídeos (veja o primeiro vídeo desta série), vou refletir apartir da construção desenvolvida pela pesquisadora Lélia Gonzalez, graduada emGeografia, História, Filosofia, pós-graduada em Antropologia, e desenvolvedorade estudos em Psicanálise. Fundou o Movimento Negro Unificado (MNU). Léliasempre atuou na militância política tendo se candidatado a cargosleg...
Psicanálise Contextualizada 10/02/2022 17:22:12
Inicio aqui uma série de textos com o título “Sociedade antirracista” que serão a base dos próximos vídeos publicados no meu canal no youtube: Abarca Psicólogo. Confira os vídeos na playlists: Psicologia e Sociedade antirracista
Esta minha iniciativa é resultado de uma série de leituras que realizei no ano de 2021 com a necessidade de conhecer o pensamento de pesquisadores negros do Brasil e do mundo, assim como literários negros, dentro de uma perspectiva de estar me preparando para engajar na luta antirracista. Fator que mexeu muito internamente comigo a partir de entrevistas que assisti da filósofa Djamila Ribeiro em diversos programas de TV e quando li seu livro “Pequeno Manual Antirracista”[1], onde ela traz esta luta para o coletivo, em que negros e brancos possam estar juntos nesta causa.
É preciso entender qual nosso papel e lugar diante desta luta
Sempre estive na militância pela causa antirracista, porém a partir das singelas palavras de Djamila Ribeiro percebi que precisava entender meu racismo estrutural e assumir que faço parte de uma camada da sociedade que é privilegiada. Pelo fato de ser branco, já sou um privilegiado. Assim brotou em mim a necessidade de me posicionar criticamente a partir de uma inserção mais sistematizada nesta causa. Vejam, que depois de 57 anos, e 31 anos de carreira profissional e pelo menos 40 anos militando em coletivos de movimentos negros contra o racismo, só agora identifiquei esta percepção de se ter que fazer a minha contínua autocrítica sobre manifestações do meu racismo estrutural e sobre ser um privilegiado nesta sociedade.
Atuar no movimento negro não me autoriza me sentir igual, pois sempre serei um privilegiado por ser branco. Por ser branco e trabalhar com teorias de base europeia, pela Psicanálise, observei nesta série de leituras que realizei que precisava de fato ouvir o pensamento dos muitos negros que sempre produziram Filosofia, Sociologia, Psicologia, Economia, Direito, etc, a partir dos referenciais da cultura negra, diáspora, afro descendente, mas teorias que eu não estava bebendo na fonte. Fui provocado a sair de minha zona de conforto de acreditar que só se autodeclarar antirracista e militar nesta luta em parcerias com muitos movimentos negros ao longo de minha história, me credenciava a pensar que estava sendo diferente.
Quando Djamila Ribeiro empenha esforços na luta antirracista convocando a sociedade como um todo nesta empreitada “... Afinal, o antirracismo é uma luta de todos e todas.” ( Ribeiro, 2019, p. 15). E manda um recado aos brancos, como eu, dizendo: “Pessoas brancas devem se responsabilizar pelo sistema de opressão que as privilegia historicamente, produzindo desigualdades, e pessoas negras podem se conscientizar dos processos históricos para não reproduzi-los. Este livro é uma pequena contribuição para estimular o autoconhecimento e a construção de práticas antirracistas”. (Ribeiro, 2019, p. 108), me sinto motivado a entrar nessa luta.
O branco se responsabilizar pelo sistema de
opressão que nos privilegia é de fato uma mudança de paradigma, pois geralmente
temos a tendência de jogar a “culpa” no passado e não assumirmos que somos,
enquanto brancos, partícipes da construção deste sistema de opressão. Comecei a
entender que se auto responsabilizar é se colocar na percepção da extrema
desigualdade entre brancos e negros, é reconhecer os múltiplos privilégios de
ser branco e não jogar esta luta para aqueles que se sentem vítimas, como se
esta luta não fosse minha. Não basta dizer que é antirracista, é preciso dar a
cara para bater na defesa pela sociedade antirracista. Mas, na minha condição
de branco, nunca deixar de ver e entender que sou um privilegiado. Pedir
licença à população negra e aos múltiplos movimentos empenhados nesta causa,
para poder participar desta empreitada pela sociedade antirracista.
Como a Psicologia responde a essa dor?
Ao longo de minha carreira como Psicólogo, que perpassa 31 anos de um trabalho de escuta para crianças, adolescentes e adultos pelo viés da Psicanálise, com atuação em sistema público, privado e pelo viés das Organizações Não Governamentais, acabei escolhendo priorizar teorias europeias, de brancos, como é o caso da Psicanálise, da Filosofia, Pedagogia, Sociologia. Pior ainda, levando esta formação às várias realidades sociais periféricas, jogando “goela” abaixo esquemas psicológicos que sempre tinham e tem referência ao padrão de família europeia, que ficou estabelecida numa família restritiva nuclear construída a partir da Revolução Industrial. Como branco privilegiado, levando a formação às camadas populares na sua maioria absoluta de negros, uma teoria para brancos. Negando a história, a raiz e os traços tribais da África Negra que foram dizimadas pelo processo de escravatura portuguesa. Vejam, como que achando que estava fazendo uma boa ação, estava na verdade contribuindo para a perpetuação de teorias europeias dos colonizadores.
A Europa sitiava a exploração do continente africano autorizando o comércio livre na região do Congo e Níger através da Conferência de Berlim em 1884/1885, distribuindo estas regiões da África Negra a ser explorada pelos países europeus. Freud que começa a emergir neste período e tem o marco de início da Psicanálise na publicação do livro “A Interpretação dos Sonhos” (1900) e Lacan, que constrói novos referenciais para a Psicanálise a partir de 1934 na França, não abordam diretamente o racismo e a exploração da mão de obra escrava negra no período da escravatura, como elemento de sofrimento emocional (Pelo menos até agora nunca encontrei algo deles escrito de forma aberta e transparente), mesmo eles estando no epicentro da Europa e vivenciando o histórico saque comercial dos países europeus na África Negra.
Pela teoria Psicanalítica estrutural os vínculos afetivos são organizados de forma semelhante nas diversas realidades do planeta. Sempre a partir da família nuclear forjada pela revolução industrial de um modelo europeu. Não vemos nestes autores um enfoque na ordem de um modelo tribal, como é a base da estrutura familiar dos povos da África Negra quando a Europa invade o continente africano para capturar os negros como animais, separando pessoas de suas tribos, etnias, regiões. Separando familiares de laços consanguíneos para que ao chegarem no Brasil, não tivessem problemas com revoluções internas, insurreições.
No entanto, temos psicanalistas negros debruçados na construção de referenciais para que esta teoria possa servir para auxiliar na formação identitária do negro, resgatando a autoestima e o desejo de fazer acontecer uma sociedade justa e igualitária, que no Brasil precisa passar pela equidade da população negra que é a maioria. Mas são produções que pouco são exploradas no meio psicanalítico.
Novos caminhos para uma Psicanálise mais plural!
Já produziu ampla reflexão sobre os traços culturais do negro no Brasil a pesquisadora Lélia Gonzales, que inclusive não deixa de se utilizar da teoria Psicanalítica para interpretar o fenômeno dos vínculos afetivos a partir das mulheres negras “amas de leite”, nas casas dos brancos escravagistas, fator que vou aprofundar no próximo texto. Também Djamila Ribeiro vai beber da fonte da Filosofia de uma mulher branca e francesa Simone de Beauvoir para respaldar a construção de um pensamento feminista na luta do Feminismo Negro. Ambas não ficam simplesmente reproduzindo uma teoria, como fazem a quase totalidade dos psicanalistas no Brasil, como eu até então, mas sim utilizam como meio para se transformar um olhar e construir novos referenciais.
Assim como argumenta
Silvio Almeida em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura transmitido ao
vivo no dia 22/06/2020, quando é questionado que em sua obra “Racismo
Estrutural” se utiliza de muitos teóricos europeus para construir seu
pensamento, no que ele lembra que a ciência é produzida na Universidade que tem
suas exigências técnicas de pesquisa e são de origem europeia. Silvio Almeida
afirma que, inclusive na academia, para ser pesquisador negro é preciso mostrar
amplo conhecimento das teorias que são referenciadas pela academia, na sua
quase totalidade de brancos europeus, além de se ter um amplo conhecimento da
cultura histórica da África Negra e de todos os detalhes do período de
escravatura no Brasil, sendo que o crivo de exigência acadêmica para um negro
pesquisador é maior do que para um branco. Enfim, para ser reconhecido um
pesquisador negro tem que ser bom mesmo. É neste contexto que Dijamila Ribeiro
se empenha em mostrar que a força do negro não deve estar apenas no futebol, na
força de um corpo esbelto ou no seu gingado, no seu samba no pé, é preciso
mostrar que negro produz ciência de qualidade.
Ao estar inserido nesta causa não apenas por palavras, mas com ações, fui deparando-me com meu racismo estrutural. Cito uma situação de estar realizando um curso de formação para pais e educadores em uma comunidade periférica, fazendo a exposição do conceito “Mãe suficientemente boa”, desenvolvido pelo Psicanalista D. Winnicott que é um branco Inglês, e no decorrer da fala tive a intervenção de uma mãe jovem, negra, amamentando o filho na hora da formação, dizendo que esta teoria servia para as mulheres brancas da Inglaterra, com casa, dinheiro e assistência à saúde. - “Para nós negros da periferia do Brasil, que precisamos sair para trabalhar quando o dia ainda está escuro e chegamos no barraco à noite quando já escureceu, “Mãe suficientemente boa” nunca vai existir”. Aí, caiu a ficha, mesmo estando inserido na luta antirracista, sou um privilegiado falando de teorias de privilegiados para uma população excluída de privilégios.
Mas hoje entendo que para estar nesta luta antirracista na condição de branco, é preciso a contínua percepção de meu racismo estrutural que se manifesta sutilmente em pequenos atos. E também estar sempre atento que mesmo que eu queira estar junto, estarei sempre sendo um privilegiado no meio. Desta e de muitas outras vivencias que fui levantando ao longo da minha prática como Psicólogo comecei a sistematizar um método de trabalho que estou nominando “Psicanálise Contextualizada”, onde eu posso reordenar a forma de agir trazendo os pensadores negros neste processo.
Uma luta de todos e todas!
Nesta série vamos refletir a partir de Djamila Ribeiro, que veio depois de muitos outros nomes, mas na atual realidade brasileira abriu um espectro de penetração na sociedade para os pensadores e literários negros, principalmente ao coordenar a coleção “Feminismos Plurais” da editora Jandaíra que vem colaborando para a publicação de dezenas de livros escritos por pessoas que até então não tinham tanto alcance, ou sendo lidos apenas por pesquisadores em Universidades. Passarei por Carolina Maria de Jesus, a precursora; tendo em Lélia Gonzalez a força intelectual da mulher negra na Universidade, pelos estudos em filosofia, antropologia e psicanálise e na luta política; os pensamentos do Antropólogo Rodney Willians; do Advogado Silvio Almeida; da filósofa afro americana Angela Davis; da pensadora também afro americana bell hooks; do Psiquiatra Frans Fanon; do Geógrafo Milton Santos; do ator Lázaro Ramos; das literárias/os Maryse Condé, Chimamanda, Itamar Vieira Junior, Jhon Conceito (Akiri Conakri). Também passarei por pensadores brancos que embarcaram nesta causa como o Sociólogo Jessé de Souza, que me ajudou a ver o quanto pensadores brancos consolidaram a falsa ideia da democracia racial brasileira, e assim também utilizei nestes estudos o critério de buscar informações de pesquisadores que conseguiram desenvolver pesquisas sem falsos estereótipos, neste sentido também busquei pelos estudos do Economista Celso Furtado e o Jornalista Laurentino Gomes ( mesmo este tendo sua obra amplamente questionada, inclusive por mim, preza pelo arcabouço de dados históricos que foram resgatados em sua ampla pesquisa do período de escravatura no Brasil).
Enfim, uma jornada que desejo e quero trilhar, entendendo que ao produzir estes textos para o site e os vídeos pelo youtube é uma forma de engajamento na luta por uma sociedade antirracista. Assim, meu desejo é transformado em esperança de esperançar, como já preconizou Paulo Freire, na construção da sociedade antirracista.
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Psicanálise Contextualizada 10/02/2022 17:22:12 261
Inicio aqui uma sériede textos com o título “Sociedade antirracista” que serão a base dos próximosvídeos publicados no meu canal no youtube: Abarca Psicólogo. Confira os vídeosna playlists: Psicologia e Sociedade antirracista Estaminha iniciativa é resultado de uma série de leituras que realizei no ano de2021 com a necessidade de conhecer o pensamento de pesquisadores negros doBrasil e do mundo...
Psicanálise Contextualizada 07/02/2022 17:35:17
Este texto nasce de uma primeira solicitação que meu filho Samuel e sua parceira Gabriela fizeram, em janeiro de 2019, para que eu e minha parceira Maria Celina fizéssemos a celebração de casamento deles, na cidade de Ribeirão Preto-SP. O argumento usado na época foi que tínhamos uma longa história de participação na Igreja Católica e que gostariam que fizéssemos um ritual com uma espiritualidade aberta, sem caráter religioso, pois não seria uma celebração religiosa em si, mas algo para marcar o momento entre amigos e parentes. Outra argumentação foi de que muitos dos convidados não tinham prática religiosa e muitos até eram ateus, além de outros serem de diversas religiões. Topamos, e de fato foi uma experiência que nos levou a entender que o desejo de união conjugal prescinde de alguma forma a espiritualidade. O amor vivenciado e partilhado entre duas pessoas que desejam estabelecer uma parceria, fruto de um romance, um vínculo amoroso, já é um estado de espiritualidade.
Depois, mais recente, neste janeiro de 2022, também outro casal de jovens chegou-nos com a mesma solicitação de celebrarmos um casamento sem a conotação religiosa, com quase os mesmos argumentos de Samuel e Gabriela em 2019. Desta vez foi o casal Tamires e Mauro, que residem em Guarapari-ES . Também topamos e, nesta oportunidade, tivemos uma grata surpresa: um casal de padrinhos era de união homoafetiva masculina. Uma presença que de fato tornaria muito difícil de ser permitida em um culto institucional religioso de base Cristã, tendo em vista que Tamires vem de uma família Católica e Mauro da Igreja Batista, mas não estão praticando religião no momento.
O embasamento que escolhemos para dar suporte significante ao ato celebrativo foi escolher um Judeu tido como ateu, Freud, o pai da Psicanálise; um ex-pastor Presbiteriano, Rubem Alves, um dos maiores Filósofos do Brasil; e uma mulher Católica, Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, que preconiza a “construção da Civilização do Amor”. Desta forma, elaborei assim o momento de reflexão, tanto na celebração do casamento do Samuel e Gabriela como para Tamires e Mauro:
A espiritualidade do amor a partir de Freud
Em “O Mal estar na civilização”, texto de 1930, Freud reflete que a própria civilização que nasce para trazer o bem-estar ao cidadão, acaba tirando dele a possibilidade de uma vida plena, colocando o ser humano em contínuo processo de frustrações, ou em um contínuo sentimento de insatisfação, angústia, sofrimento emocional. A saída que Freud vê nas ações humanas para se superar este mal-estar é a prática religiosa, que traz em si a promessa de uma vida plena, porém muito distante da realidade civilizatória que frustra. Freud chega a citar uma possibilidade de superação deste mal-estar quando cita o exemplo da vida vivida por São Francisco de Assis, que foi pautada por um amor absoluto e totalmente despretensioso. Interessante que Freud sendo um Judeu, e ateu, cita um ícone humano da prática do amor, que é um Santo Católico. Na célebre poesia de São Francisco: “Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado... Amar e ser amado”. Um paradigma inverso ao processo civilizatório que preconiza o bem-estar coletivo priorizando a minoria das elites. Uma promessa vazia. Freud assim afirma que há no Amor, a possibilidade de que o mal-estar na civilização se supere.
A espiritualidade do amor a partir de Rubem Alves
Já em Rubem Alves, quando elabora pensamentos em torno da vida conjugal, distingui dois tipos de vivência, trazendo como figura de linguagem o jogo de tênis e o jogo de frescobol. No tênis, duas pessoas jogam para um vencer e o outro ser derrotado. No tênis, a bolinha deve seguir uma trajetória que o outro não alcance, ou que o outro erre, é uma disputa. Relacionamentos parecidos com o jogo de tênis são continuamente conflituosos, onde há disputa de poder e um tentando destruir o outro, ou como se fala atualmente, relacionamentos tóxicos. Já no jogo de frescobol, a dupla é tida como boa quando um sempre joga a bola para o outro acertar, há uma sincronia entre os jogadores, aqueles que assistem ficam até admirados com tamanha harmonia entre os dois. Assim, casais que vivenciam a parceria conjugal como no jogo de frescobol, tendem a estabelecer um relacionamento saudável. Aqui vem esta dinâmica da reciprocidade que é inerente ao amor.
A espiritualidade do amor a partir de Chiara Lubich
Já em Chiara Lubich, ela vai traçar a percepção que deu o nome de “Fio de ouro”, pois ao observar as práticas das principais religiões no planeta, ela constatou que em todas elas o amor é o centro de convergência, dentro da perspectiva de não fazer ao outro aquilo que você não gostaria que fosse feito a você, como também de fazer ao outro aquilo que gostaria que fosse feito a você. Com este pensamento, Chiara Lubich perseguiu sua vida buscando a integração entre os diferentes líderes religiosos, preconizando a construção da “Civilização do Amor”. E nesta perspectiva, o casal que cultivar a prática do amor para além de suas necessidades pessoais, transportando para a sociedade, terá melhores condições de superar os obstáculos inerentes de uma família que se estrutura a partir do sim de um casal.
A espiritualidade do amor como o centro da relação do casal
Vejam que para diferentes pensadores, com diferentes posturas e práticas religiosas, o Amor é o centro argumentativo para o estabelecimento da espiritualidade conjugal. Neste sentido, a espiritualidade está, em si, na prática do amor, que não necessariamente precisa estar em uma prática religiosa. Por isso que muitos que praticam religião não conjugam a espiritualidade do amor, e muitos que não praticam religião conjugam a espiritualidade na vivência do amor. Desse modo, um ateu pode ser uma pessoa com muita espiritualidade se conjuga a prática do amor.
Lembrando que conjugar a prática do amor não
significa viver sempre praticando o amor, pois de alguma forma estamos em um
processo civilizatório que individualiza as pessoas para o amor a si mesmo,
assim, deixando-nos expostos para a quebra desta espiritualidade, puxando-nos
às necessidades apenas pessoais, é o tal do “cai e levanta/erra e acerta”. Mas
aqui estamos falando do amor que brota no encontro com o outro, nesta troca,
que precisa ser relembrado a cada dia. Neste sentido, marcar o início de uma
vida conjugal com um marco simbólico celebrativo tem este valor de referência,
ponto de partida.
Ao prometerem o amor na celebração do casamento, dentro da formatação que os noivos nos solicitaram, não podemos deixar de lembrar que é uma forma de assumir, num coletivo, este compromisso de amor diante de amigos, parentes e padrinhos, sabendo que é um devir, um desejo. Pois mesmo que se prometa a vivência da espiritualidade do amor para sempre, o amanhã não existe. O ontem passou. O que existe é o hoje. Todas essas promessas só valem mesmo pelas vinte e quatro horas vividas. Mas se o casal tem como princípio a espiritualidade do amor, já representam um casal desejoso, esperançoso, ávidos para viver intensamente esta espiritualidade.
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Psicanálise Contextualizada 07/02/2022 17:35:17 197
Este texto nasce de uma primeira solicitação quemeu filho Samuel e sua parceira Gabriela fizeram, em janeiro de 2019, para queeu e minha parceira Maria Celina fizéssemos a celebração de casamento deles, nacidade de Ribeirão Preto-SP. O argumento usado na época foi que tínhamos umalonga história de participação na Igreja Católica e que gostariam quefizéssemos um ritual com uma espiritualidade aber...
Psicanálise Contextualizada 03/11/2021 17:40:12
Em 1882 um dos maiores clássicos da literatura brasileira era publicado e ninguém melhor do que Machado de Assis para escrever esta obra prima: “O Alienista”. Li este livro pela primeira vez em 1985, na época do meu pré-vestibular, por fazer parte da lista de livros que eram indicados para as provas de língua portuguesa.
Recentemente fiz esta releitura, desta vez, com toda a minha trajetória na Psicologia, 35 anos inserido nos aprofundamentos da Psicologia como Ciência e Profissão, leio “O Alienista”[i] com um novo olhar. Um olhar de quem tem a certeza de que no Brasil a vida segue do mesmo jeito que no ano de publicação desta obra.
Ontem, o poder público facilitando a vida de especuladores médicos, concedendo favorecimentos para intervenções na saúde, hoje com o desenrolar da CPI do COVID-19 no Senado, o escândalo de favorecimentos à grupos de medicinas para intervenções na pandemia que estão levando a óbito milhares de brasileiros.
Ontem, um Simão Bacamarte, que em nome da ciência, da cura e da missão de limpar a cidade da ameaça dos “loucos” que a cada dia a invadiam, que tem aprovação de seus atos pela Câmara Municipal de Itaguaí/RJ, cenário construído no romance de Machado de Assis. Hoje, o plano de saúde Prevent Senior que foi alvo de investigação por indicarem procedimentos de prevenção ao COVID-19 sem reconhecimento científico, fora muitos outros procedimentos em saúde que aconteceram pelo Brasil afora que na desgraça alheia tiveram lucros em plena pandemia, sempre se utilizando do sistema de saúde pública.
Machado de Assis trás em O Alienista, um corte específico da intervenção especulativa da medicina e do favorecimento público sobre a doença coletiva, a demanda da saúde mental. No meu segundo ano cursando Psicologia na UNESP de Assis/SP, participei do Primeiro Congresso Brasileiro pela Luta Anti Manicomial que aconteceu nas instalações da UNESP de Bauru em 1986. Neste congresso iniciava a incansável luta dos trabalhadores do sistema de saúde mental público pela humanização dos manicômios e a abertura dos mesmos. Questão que ganhou força na Lei Paulo Delgado 10216 de 2001, que instituiu um novo modelo de tratamento aos portadores de transtornos mentais no Brasil. Eu tive uma boa experiência no ano de 1987 onde trabalhei por quase três meses na condição de estagiário no manicômio estadual da cidade de Casa Branca/ES, na época eram 1200 internos, sendo que 80% deles não se tinha o paradeiro, pois foram despejados neste manicômio no período do regime militar de 1964 a 1985.
O Alienista (aquele ou aquela que trata de indivíduos com transtornos mentais), com uma posição de caridade, com a fina intenção de ajudar aqueles que sofrem por uma dor na alma, se aproveita da fragilidade destes sofredores e da angústia de suas famílias que não sabem lidar com a “loucura”, propõe que a Câmara Municipal favoreça a estruturação de um espaço especializado (manicômio), que na obra leva o nome de “Casa Verde”.
Os manicômios de ontem são hoje as clínicas psiquiátricas, que na maioria delas acabam sendo subsidiadas pelo órgão público, que por medidas cautelares fazem com que o estado tenha que financiar muitos tratamentos daqueles que não podem pagar; também podem ser comparados com os consultórios psiquiátricos de hoje, principalmente nos esquemas que observamos na saúde pública dos municípios em que contratam psiquiatras para diagnosticar e medicar, sem um projeto de saúde mental nos moldes de assistência contínua e humanitária previstas pela Lei Paulo Delgado.
Conheço vários Psiquiatras que rodam em vários municípios concomitantemente fazendo este tipo de procedimento. Até presenciei um fato em que o Psiquiatra antes de tirar férias de um dos muitos municípios que atuava, deixava uma lista enorme de receitas assinadas para serem distribuídas no período de suas férias.
Veja este trecho da obra: “Que importa? Temos ganho muito – disse o marido (...) D. Evarista ficou deslumbrada. Era uma via láctea de algarismo.”[ii]. Aqui, o alienista dialoga com sua esposa sobre a possibilidade de realizar despesas de lazer da família, por ocasião do lucro que a “Casa Verde” já estava registrando.
Este cenário me remontou a um período e que alguns médicos me ofereceram sociedade em uma clínica de recuperação de dependentes químicos, com o argumento de que eu entendia bem de tratamento para dependentes, pois já havia atuado em comunidades terapêuticas do gênero e por que seriam estabelecidos parcerias com prefeituras de toda a região. Na época, refutei tal proposta por ver com clareza o caráter mercantilista com verba pública.
Ao longo dos meus trinta anos de carreira, que foram vivenciados quase sempre em cidades de interior, recebi muitos pacientes que solicitavam minha intervenção por que as famílias estavam negociando apoios de câmaras municipais, fator que sempre refutei também. Enquanto lutávamos para a implantação no SUS da Lei Paulo Delgado, as movimentações espúrias por parte de profissionais da saúde e também de políticos, puxavam para manutenção de um sistema de saúde mental de lucratividade para a medicina e favorecimentos aos políticos. Como em O Alienista este cenário é retratado de forma até humorística. Depois de 140 anos temos um cenário muito parecido.
Ainda quero trazer aqui mais uma faceta do livro de Machado de Assis,
que é sobre o quanto a especulação diagnóstica sobre os transtornos mentais,
associando a obsessão de Simão Bacamarte em decifrar o perfil da loucura de
cada sujeito que ele definia que precisava ser internado na “Casa Verde” de
ontem, com os processos diagnósticos a partir do CID 10 e DSM V para transtornos
emocionais, que se faz atualmente. Brinco que dificilmente um sujeito sai de
uma consulta Psiquiátrica sem ser medicado.
Mas quero trazer aqui a referência mais escandalosa que tenho presenciado, que é o enquadre de crianças no Transtorno do Espectro Autista, onde se abriu um leque tão enorme de sintomas que cria o enquadramento de muitas crianças neste espectro, levando as escolas a ficarem enlouquecidas para tentarem adaptar o processo educacional a esta demanda, com o desalento de ter um Ministério Público exigindo a inclusão. Lógico que é necessária a inclusão, mas a partir de qual diagnóstico? Na “Casa Verde” de Itaguaí, o Alienista viu sua casa desmoronar por pressão da população quando quase toda a cidade estava internada por algum diagnóstico do Alienista. Hoje, nas escolas, estamos vendo um crescente número de crianças “Laudadas” (diagnósticos superficiais) levando as escolas a serem o novo espectro manicomial da sociedade moderna.
O Alienista é uma obra tão impactante, que na edição atual que fiz minha releitura, editada pela editora Antofágica, Daniele Lima, Filósofa e pesquisadora da obra de Michel Foucault levanta a hipótese de que Foucault tenha lido O Alienista para embasar seu pensamento filosófico sobre a produção da loucura e os processos de cárceres manicomiais.
Enfim, uma obra a ser muito explorada, de um escritor que pensou para muito além de seu tempo, Machado de Assis.
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Psicanálise Contextualizada 03/11/2021 17:40:12 287
Em 1882 um dos maiores clássicos da literatura brasileira era publicadoe ninguém melhor do que Machado de Assis para escrever esta obra prima: “OAlienista”. Li este livro pela primeira vez em 1985, na época do meu pré-vestibular,por fazer parte da lista de livros que eram indicados para as provas de línguaportuguesa. Recentemente fiz esta releitura, desta vez, com toda a minha trajetóriana P...
Psicanálise Contextualizada 28/09/2021 11:32:14
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Psicanálise Contextualizada 28/09/2021 11:32:14 200
Esta é uma realidade crescente no Brasil e que os dados estatísticos não conseguem acompanhar em tempo real, pois o tema suicídio ainda é visto como tabu e muitos setores da mídia entendem que, se falarem muito deste tema, podem incentivar o aumento de casos. A meu ver é um erro grotesco imaginar que trazer números atualizados sobre o suicídio juvenil no Brasil pode aumentar o número de casos. Ao...
Psicanálise Contextualizada 11/08/2021 17:51:03
Neste dia dos pais de 2021 recebi três presentes em espécie dos meus três filhos, Samuel Iauany, Davi Taynã e Helder Manacô. Os três fizeram uma “vaquinha financeira” e escolheram três peças temáticas: duas regatas para corrida, um vinho português e um par de chinelos. Sempre incentivamos esta prática na vida de nossos filhos, no dia das mães eu comprava um presente para cada um ofertar para minha esposa INA, e ela fazia o mesmo no dia dos pais. Depois, já na adolescência, eles iam até as lojas e já escolhiam. Agora, depois que tornaram jovens adultos, já se propõem a compor uma “vaquinha” financeira para tal.
Até aí, nada de novidade. Ajudamos o ciclo mercantilista destas datas, mas com certeza colaboramos para o comércio, que emprega muita gente.
A diferença neste ano foi que cada um dos filhos registrou em palavras escritas uma bela mensagem para externar o sentimento do dia dos pais. Nossa! Aí a sensação foi muito boa. Os presentes sempre são bem-vindos, ainda mais se utilitários. No mesmo dia, à noite, já fui correr com uma das regatas que ganhei. Mas a escrita do sentimento filial ao pai está cravada na existência da alma. É de fato uma massagem na alma.
Aqui, deixo registradas as mensagens:
"Ser pai é estar sempre presente na vida dos filhos, seja do jeito que for, e nunca parar de idealizar o melhor para eles. Ser pai é estar aberto para aprender durante o caminho, e entender que essa é a melhor maneira de ensinar também. Ser pai é tentar sempre estar na melhor versão, pra mostrar que nunca devemos parar de correr atrás! Ser pai é tudo isso que eu aprendi com você, obrigado por ser um exemplo! Te amo." (Davi Taynã, 24 anos)
"Pai, Um bom vinho para as noites de música e partilha com a coroa. Um par de chinelos na sua caminhada da vida. E as regatas para você continuar cuidando de sua saúde. Quero dizer que olho para você com muito amor e carinho, só tenho o que agradecer a você. Tive a sorte de ser abençoada com um pai que move montanhas para ver sua família bem. Obrigado por tudo e que você tenha um maravilhoso dia dos pais. Te amo." (Helder Manacô, 19 anos)
Este dizer escrevendo é sentimento preso. A escrita crava o que por palavras o vento pode levar. Chegar à vida adulta dos filhos recebendo estas belas declarações dá a sensação de que eles estão no caminho da construção da autonomia pessoal.
A paternidade é uma escolha e é um legado de cada pai. Assim, sou pai de três filhos. Mas os filhos na vida adulta já não são meus e nunca foram. Simplesmente emprestei minha vocação de pai e minha escolha de paternidade para ajudar três cidadãos a trilharem seus próprios destinos a partir de suas escolhas pessoais. Mas muito agrada a um pai ver que os filhos, já na vida adulta, escolhem também referenciar o pai como alguém que ajudou e ajuda a estruturar os alicerces deles.
Sempre incentivei meus filhos nesta arte de escrever sentimentos, ou pela escrita corrente ou por alguma expressão artística. Pois este legado humano da escrita, que faz a história perpassar, é a possibilidade de se fixar sentimentos.
Hoje, eles escrevem bem e podem utilizar esta
facilidade para continuarem a expressar sentimentos. Quem sabe de também um dia
trilharem este ciclo de uma paternidade amorosa (fato que o Samuel Iauany já
iniciou gerando a neta Luna), capaz de verbalizar e deixar registrado na
escrita para que eles desejarem o profundo sentimento do EU TE AMO.
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Psicanálise Contextualizada 11/08/2021 17:51:03 291
Neste dia dos pais de 2021 recebi três presentes emespécie dos meus três filhos, Samuel Iauany, Davi Taynã e Helder Manacô. Ostrês fizeram uma “vaquinha financeira” e escolheram três peças temáticas: duasregatas para corrida, um vinho português e um par de chinelos. Sempreincentivamos esta prática na vida de nossos filhos, no dia das mães eu compravaum presente para cada um ofertar para minha es...
Politícia e Sociedade 06/08/2021 18:55:47
Estamos vivendo tempos de retrocesso no Brasil. Uma nítida tendência de retorno à idade média, onde o fundamentalismo religioso condenou muita gente à morte, principalmente aqueles que manuseavam a ciência. Em nome de Jesus Cristo, condenavam pessoas como bruxas e bruxos e as queimavam nas fogueiras ou decepavam suas cabeças.
Esta articulada conversa de defesa sobre o voto impresso, que o Presidente Bolsonaro jogou lenha na fogueira para tentar salvar seu governo que saiu tão rapidamente dos trilhos (e a população brasileira, ainda bem que já começou a perceber), ainda cativa os aliados deste projeto de extrema direita do atual presidente e convence e/ou faz aumentar o caldo daqueles que investem na desestabilidade democrática do país em vista a terem benefícios.
Sabemos que o golpe militar de 1964, ano em que nasci, não foi somente uma ação para moralizar a nação supostamente mergulhada em corrupção, mas sim, foi a elite da época, que estava representada pela oligarquia brasileira, quem arquitetou o Golpe de 64 e depois nadou em plenitude nos bens que esta terra sempre ofereceu aos mais endinheirados. E com isso, o regime militar no Brasil, que foi de 1964 a 1985, enriqueceu ainda mais os que já eram enriquecidos e ainda fez emergir uma nova classe de políticos que eles, os militares, nomearam para governar os estados. Esta classe está contida até hoje no grupo de parlamentares que leva o nome de “Centrão”, do qual Jair Bolsonaro sempre fez parte nos seus quase trinta anos como Deputado Federal. Com os militares, a corrupção andou solta neste período.
Com a abertura política de 1985, ano em que ingressei no curso de Psicologia na UNESP campus de Assis-SP, pudemos voltar a votar, e ainda na época o voto era impresso. Gente, quem estava vivo naquela época, votou e participou de mesas de apuração dos votos, sabe muito bem o quanto a contagem manual humana dos votos dava margem sem precedentes para aproveitamento de votos em branco e/ou não contagem de votos. E como demorava os resultados nas urnas. Também, de alguma forma fomos vendo o emergir de lideranças e partidos que saiam do eixo ARENA dos militares e MDB da oposição pacífica aos militares (ou dos intelectuais forjados pela elite). Neste cenário, surgiram governantes que de alguma forma deram visão ao olhar social, a projetos para a inclusão e para o processo de amadurecimento da democracia, que após 21 anos de ditadura militar estava começando a dar seus primeiros passos.
Depois, quando já formado em Psicologia e o Brasil andando a trancos e barrancos, porém melhor que no período militar, pois os ventos da liberdade democrática sopravam, acabei aceitando em conjunto com minha esposa Maria Celina de desenvolver um projeto social na área da Saúde Integral da Mulher na cidade de Pinheiros-ES, que fica no extremo norte do Espírito Santo. Lá, desenvolvemos muitas ações no campo social diretamente vinculado à Diocese de São Mateus-ES, que na época Dom Aldo Gerna era o Bispo. Tivemos como mentor deste projeto o Padre Italiano Domenico Salvador. Na época, as Comunidades Eclesiais de Base estavam com muita força e fomentavam esperanças ao povo sofrido de nosso interior brasileiro tão cheio de injustiças sociais. A Pastoral da Juventude estava muito forte e nas eleições municipais de 1996 vários jovens da região se lançaram candidatos a vereador e prefeito. Em Pinheiros-ES, pudemos colaborar com a campanha eleitoral para vereadora da jovem, mulher, pobre e negra, Zenilda dos Santos, a ZENI. E é daqui que trago a cena do voto impresso.
Estava acompanhando a apuração dos votos de ZENI e, para tal, fiz uma planilha para manusear, pois ainda não tínhamos as facilidades digitais de hoje. Em todas as urnas Zenilda tinha votos, numa média de 12 a 15 votos. Depois de um tempo, que me lembro 12 urnas corridas na sequência, zerou os votos de Zeni no painel manual oficial de apuração que eram postados em papéis. Achei estranha esta quebra de votos e solicitei ao Juiz eleitoral que estava acompanhando a apuração a recontagem dos votos das urnas que Zeni havia zerado. O Juiz acatou, pois também considerou estranho. Após a recontagem, a mesma média de votos apareceu e a ZENI acabou sendo eleita. Se não fosse esta recontagem, seria outro candidato a se eleger, um que tinha o apoio de fazendeiros da região.
Assim que as cédulas apareciam, comecei a observar que alguns membros da mesa apuradora ficavam com canetas nas mãos e ao se depararem com votos em brancos, riscavam algo no voto. Imaginem isso em uma cidade pequena do interior deste país e transportem este cenário em nível de Brasil? Quantos erros de contagem de votos por ação planejada. Após o episódio, comecei a receber recados que ao término das apurações a “coisa ia pegar para meu lado”. Nesta época, o estado do Espírito Santo tinha a fama no Brasil de ter profissionais pistoleiros para matar, que a oligarquia agrária contratava. Havia até uma instituição paramilitar de aluguel de matadores. Fiquei sim com medo, e antes de acabar a apuração, eu e minha esposa saímos para passar a noite em uma cidade vizinha, para os ânimos se acalmarem. Depois disso, no ano seguinte, foi publicada uma lista de dez pessoas da cidade que estavam marcadas para morrer, e meu nome saiu em primeiro lugar. Na época, achava tudo isso uma aventura. Mas, de fato, estávamos correndo muito risco de vida. Zenilda fez um belo mandato de vereadora, mas foi tão atacada moralmente por quatro anos, pela oligarquia local, que faziam até panfletos anônimos a chamando de “cadela negra” (Feminicídio e racismo). Ela acabou saindo de Pinheiros-ES e mudou-se para Vitória-ES, onde reside até hoje e atua como Professora da rede pública.
E vejam, em 1999 começou o processo das urnas eletrônicas, que foi algo espetacular, em que esta patente brasileira não foi encampada pelo mundo afora por ser brasileira. Quem é este país para criar uma coisa tão avançada desta? O processo foi se aprimorando e nestes longos anos de urna eletrônica não se tem prova de falcatruas. Se há questionamentos da fragilidade das urnas, com certeza também há da contagem manual humana, algo que a própria história já provou que é mais violável do que as urnas eletrônicas.
Apostar no voto impresso, com nossa estruturada experiência do voto eletrônico, é de fato uma posição de não convivência com a democracia, é perfil de grupos que querem impor domínio. Sabemos que questionar e ter visão diferente da maioria é um direito e uma posição, mas dentro de uma perspectiva dos olhares e opiniões no estado democrático de aceitar o posicionamento que tem o apoio da maioria, é saber se colocar no processo democrático. Do contrário, é puro exercício dos interesses pessoais.
No caso de Jair Bolsonaro está claro: ele criou um veneno para desestabilizar e ameaçar a democracia. Um governo que coloca milhares de militares em primeiro, segundo e terceiro escalão, espalhados em todas as instâncias de poder do governo federal, sabendo que estes mesmos militares já foram usados para golpear e controlar, não está louco e nem é bobo. Está sim querendo a perpetuação do poder e, assim, ter poder para direcionar os benefícios políticos e financeiros para a sua fatia de apoiadores, como aconteceu com o regime militar no Brasil. E observem que de fato é uma pequena fatia da população que ainda hoje está dando as mãos a esta estratégia política.
Que minha experiência possa servir para alguma reflexão sobre o retorno do voto impresso e as artimanhas que toda esta trama representa.
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Politícia e Sociedade 06/08/2021 18:55:47 246
Estamos vivendo tempos de retrocesso no Brasil. Umanítida tendência de retorno à idade média, onde o fundamentalismo religiosocondenou muita gente à morte, principalmente aqueles que manuseavam a ciência.Em nome de Jesus Cristo, condenavam pessoas como bruxas e bruxos e as queimavamnas fogueiras ou decepavam suas cabeças. Esta articulada conversa de defesa sobre o votoimpresso, que o Presidente B...
Psicanálise Contextualizada 02/06/2021 12:35:43
A Psicanálise em Winnicott de fato vai para além das demandas de estrutura psíquica do indivíduo e extrapola os limites da clínica psicológica. Desde o primeiro vídeo no meu canal do Youtube, até os textos que acompanham cada vídeo no meu site (O pensamento de Winnicott), vamos observando a versatilidade e amplitude de extensão para diferentes áreas da sociedade. Aqui, temos a possibilidade de observar alguns fragmentos sobre democracia, num tempo brasileiro onde estamos sob ameaças ao nosso tão frágil sistema democrático.
“Parece possível encontrar um conteúdo latente importante no termo “democracia”, qual seja, de que uma sociedade democrática é “madura”, quer dizer, que apresenta uma qualidade que é aliada a maturidade individual que caracteriza seus membros saudáveis.” (WINNICOTT, 1950, 2011- p. 250)[1]
Assim, a maturidade é, em Winnicott, a chave para poder vivenciar a democracia. Tenho constantemente orientado pais e professores que não é possível esperar a capacidade de exercício democrático entre crianças e adolescentes, pois de fato o processo de organização social pautado na democracia depende de maturidade emocional, que poderá ser vivenciada plenamente na vida adulta. Neste sentido, quando vejo pais e educadores conversando com crianças e adolescentes como se fossem adultos e capazes de seguirem regras estabelecidas no coletivo de forma livre e espontânea, logo concluo que há uma falta de clareza sobre a imaturidade natural destas idades. Lógico que da primeira infância até a adolescência adulta, que chega à casa dos 18 aos 22 anos, há uma evolução na maturidade sim, porém, para cada etapa deve-se observar o grau de maturidade. Podemos localizar que até os sete anos, aproximadamente, a criança se orienta de forma anômala, segue quase que como um espelho aos adultos; depois evolui para o estágio heterônomo, em que segue as regras como elas são colocadas; e chega na adolescência com a heterônomas, mais questionáveis, pois já começa a amadurecer um pouco mais, porém com a imaturidade inerente ao adolescente.
Professores que arriscam em definir regras no coletivo a partir das necessidades das crianças e adolescentes poderão cair em uma armadilha de perda total do controle de limites sobre os alunos. Lembro-me do filme Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989, um drama adolescente dirigido por Peter Weir com o ator Robin Williams. No drama deste filme, o Professor de literatura, que é interpretado por Robin Williams, cria uma sociedade secreta para recitar poesias com seus alunos de uma escola de internato. O professor cai na armadilha de que estava lidando com jovens cheios do desejo de aprender e que respeitariam as regras discutidas no grupo de forma democrática. O resultado é catastrófico. Nestes dias me surpreendi com um menino de seis anos pagando a conta do restaurante com o cartão de crédito do pai, onde ele até digitava a senha. Aqui encontramos duas armadilhas: o pai acreditar que o filho já está pronto para manusear seu cartão de crédito e o restaurante aceitar uma criança fazer o pagamento passando o cartão do pai, sendo que o pai não estava presente. São muitas as cenas em que nos deparamos com esta falta de percepção dos adultos em identificar as naturais imaturidades de seus filhos.
Winnicott vai pensar o tema da democracia a partir do voto nas eleições, característico de regimes democráticos. “No exercício do voto secreto, toda a responsabilidade pela ação é assumida pelo indivíduo, se ele for suficientemente saudável para isso. O voto expressa o desfecho de uma luta dele consigo mesmo, tendo sido a cena externa internalizada e portanto trazida em forma de associações ao interjogo de forças existentes em seu próprio mundo pessoal, interno.” (WINNICOTT, 1950, 2011- p. 252)
Aqui, o voto representa necessidades internas que vão ser pronunciadas nas urnas conforme a identificação que cada indivíduo vai fazendo para tomar uma decisão que é dele. Por este motivo temos regras e fiscalizações para que haja liberdade no ato de votar, procurando-se eliminar campanhas publicitárias apelativas ao emocional, uso do poder econômico, etc. Por isso que Winnicott afirma que “Se democracia é maturidade, e maturidade é saúde, e se a saúde é desejável, então vamos procurar algo que possa promovê-la. Com certeza, não ajuda nada impor uma máquina democrática a um país.” (WINNICOTT, 1950, 2011- p. 257). Por isso mesmo que no Brasil o voto é obrigatório, pois há uma imposição para a democracia em um terreno imaturo, que de forma heterônoma os adultos precisam respeitar. A pergunta é: Está dando certo?
Maturidade está associada com saúde e, consequentemente, com democracias estáveis. Se ainda não vimos esta realidade acontecer e, atualmente, vivemos uma democracia em plena ameaça, com parte da população acreditando que um regime militar é a solução, concluímos que temos uma nação com muita força na imaturidade de seu povo. A imaturidade no adulto se revela na crença em promessas messiânicas e na necessidade de um salvador da pátria, ressalta a força nos políticos corruptos e se corrompe na venda de seu voto. Eu não tenho dúvidas da imaturidade coletiva da população brasileira, que numa construção histórica de falácias e mentiras, com força nos privilégios de uma elite dominante, faz sustentar um picadeiro da falsa democracia. E o resultado é o que estamos vendo: a democracia ameaçada.
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Psicanálise Contextualizada 02/06/2021 12:35:43 329
A Psicanálise em Winnicott de fato vai para além das demandas deestrutura psíquica do indivíduo e extrapola os limites da clínica psicológica.Desde o primeiro vídeo no meu canal do Youtube, até os textos que acompanhamcada vídeo no meu site (O pensamento de Winnicott), vamos observando a versatilidade eamplitude de extensão para diferentes áreas da sociedade. Aqui, temos apossibilidade de observa...
Psicanálise Contextualizada 01/06/2021 19:14:08
“Nas fantasias inconscientes como um todo, referentes ao crescimento durante a puberdade e a adolescência, existe a morte de alguém. Boa parte delas pode ser enfrentada através do jogo, de deslocamentos e a partir de identificações cruzadas.”(WINNICOTT, 1968,2011, p. 155)[i]
Neste site tenho diversos artigos sobre adolescência e no canal do Youtube vários vídeos sobre o mesmo tema. Neles aponto sobre o processo de morte na passagem do ser criança para o ser adolescente. A morte do corpo de criança, a morte dos pais de criança e a morte da identidade de criança são fatores que Winnicott nos apresenta como ‘morte de alguém’. Ela é elaborada na interação com o mundo a partir dos jogos, deslocamentos, isto é, para diferentes experiências que até podem causar prejuízos para a adolescência, como é o caso do encontro de grupos de riscos sociais e a própria delinquência. O adolescente também vai elaborando essas mortes pela identificação cruzada, a partir de vínculos amorosos e das identificações com os pais e educadores - por oposição, aproximação ou identificação.
Assim, a adolescência se apresenta com a marca da imaturidade, que é diferente da imaturidade na criança. Na adolescência a imaturidade é camuflada com a marca da autodefesa por ataques. Winnicott nos lembra que “A imaturidade é um elemento essencial da saúde durante a adolescência. Só existe uma cura para a imaturidade – a passagem do tempo e o crescimento para a maturidade que o tempo pode trazer. No fim, essas duas coisas resultam na emergência de uma pessoa adulta.” É uma etapa que deve ser respeitada, pois representa uma passagem, que pode alongar-se mais ou menos conforme o ambiente de proteção, variando entre os 12 e os 22 anos.
A adolescência é um tempo de construção de referências para se chegar à vida adulta. Nesta forma de ver, cabe aos pais e educadores não querer acelerar a maturidade dos adolescentes, mas sim, ter a capacidade de acolher esta imaturidade que tende a evoluir lentamente até a sua real maturidade. Quando não se respeita esta etapa, por parte dos adultos, haverá conflitos, tendências de patologizar os adolescentes e até haverá processos repressivos, que lá na frente prejudicarão o processo maturacional, por antecipação ou até adiando a maturidade.
Esta configuração da imaturidade do adolescente é o que já apontei aqui, em artigos anteriores, como a Psicopatologia da Adolescência Normal, que aos olhos dos adultos - que não querem ou não conseguem acompanhar esta etapa – tendem a caracterizar como portadores de uma doença mental. De fato, há casos que parecem um quadro de desintegração emocional, mas que devem ser bem avaliados para detectar se está dentro do espectro normal da imaturidade desta fase da vida.
Quando, de fato, os adolescentes chegam ao máximo do desafio e da contravenção é melhor avaliar se sua estrutura segue um caminho normal de maturidade ou se é já sinal de um transtorno.
O melhor caminho é estar junto, participar e de alguma forma dar liberdade, com a referência daquele velho ‘conselho popular’: Não desamarre o adolescente da corda, mas pode dar muita corda para ele ter a liberdade de construir seus referenciais conforme cada etapa de sua adolescência vai lhe pedir. Aqui vale a liberdade assistida, com o tal do “mas, porém, todavia...”
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Psicanálise Contextualizada 01/06/2021 19:14:08 265
As perdas “Nas fantasias inconscientes como um todo, referentes ao crescimentodurante a puberdade e a adolescência, existe a morte de alguém. Boa parte delaspode ser enfrentada através do jogo, de deslocamentos e a partir deidentificações cruzadas.”(WINNICOTT, 1968,2011, p. 155)[i] Neste site tenho diversos artigos sobre adolescência e no canal do Youtubevários vídeos sobre o mesmo tema. N...
Psicopedagogia 27/05/2021 19:43:53
Vou abordar este tema a partir de um texto de Winnicott de 1968 que foi catalogado pela editora Martins Fontes, em 2011, no livro “Tudo começa em casa”[i].
A relevância deste tema para pais e educadores está no conflito existente no ato de ensinar no sistema educacional e na dificuldade dos pais de acompanharem o desenvolvimento escolar dos filhos. Para os pais, este é um campo pouco dominável - por não serem profissionais da educação - e por sua vez, para os educadores, exige um domínio da psicologia do desenvolvimento afetivo das crianças, que na sua quase totalidade não foram preparados para tal.
Winnicott nos aborda “Acho que é bem conhecida a importância vital da relação professor-aluno. É assim que os psiquiatras começam, quando se referem a problemas de ensino. A não- confiabilidade do professor faz com que quase toda criança se desintegre. Quando uma criança relata sua dificuldade em fazer somas ( ou em História, ou em Inglês), a primeira coisa em que se pensa é: Talvez este professor não sirva. Não poucas crianças tiveram obstruído o desenvolvimento de sua aprendizagem em função do sarcasmo do professor.” ( WINNICOTT, 1968, 2011- p. 50).
Eu mesmo passei por mãos de professores sarcásticos que me atribuíam chacotas pela manifestação de meus limites na educação. Primeiro quando cheguei para estudar a primeira série em uma grande escola estadual na cidade de São José do Rio Pardo - SP, onde estudei até a oitava série. Nesta cena, estava em uma longa fila para esperar a chegada da professora e havia três filas de quase 40 crianças. Perguntei a uma senhora super estressada e brava, a pedagoga, sobre o porquê estava na fila C. Ela me disse que eu era fraquinho, por isso estava ali. Nossa, eles não me conheciam, como ela poderia saber se eu era fraquinho? E olha que isso aconteceu em uma época em que a educação era bem melhor que a de hoje.
Outro episódio foi com uma professora de português, já no ensino fundamental dois, no sexto ano. Ela usava uma técnica de cada aluno ler em voz alta um texto coletivo, e no primeiro erro de leitura ela batia um lápis sobre a mesa dela e sabíamos que era para parar e o de trás continuar a leitura. Sempre na minha vez, eu só de abrir a boca ela já batia o seu lápis na mesa, e ainda falava: “desencalha seu gaguinho...”. Lógico que sempre quis “enforcar” aquela professora de português.
Winnicott nos alerta “Acho que vocês não deveriam esperar que uma criança que não alcançou o estado de unidade possa apreciar pedaços. Eles são aterradores para a criança e representam o caos. E o que vocês podem fazer? Em tais casos deixem de lado a aritmética e tentem propiciar um ambiente estável, que possibilite (ainda que tardia e tediosamente) que algum grau de integração pessoal se instale na criança imatura.” (WINNICOTT, 1968, 2011- p. 48). Aqui Winnicott traz uma clara indicação que, ao travar na criança o processo de aprendizado de uma disciplina específica, é melhor recuar e dar vazão a relação de acolhida afetiva e aguardar o tempo da criança para, assim, poder introduzir, conforme o seu limite, o conteúdo de forma lúdica, acolhendo o jeito de ser dela. Isto requer, sim, uma habilidade de vínculo afetivo que vai para além do saber ensinar conteúdos, outra habilidade que requer do professor é a paciência, para respeitar o ritmo das crianças. Mas esta posição também serve aos pais, que devem saber dos limites de seus filhos, acolher este limite sem comparar os diferentes ritmos de aprendizado de cada filho e, assim, estimular positivamente. Hoje, devo meu potencial de escrever à minha mãe Aurora, que com paciência me ajudava a ler os textos da escola, mesmo que eu levasse uma vida inteira.
Para concluir esta breve reflexão, segue uma quase síntese de Winnicott sobre este tema “A palavra-chave no que tange ao lado ambiental (corresponde à palavra “dependência”) é “confiabilidade” – confiabilidade humana e não mecânica.” (WINNICOTT, 1968, 2011 – p. 49). Educação não é conteúdo em si sistematizado. É vínculo afetivo que, de forma lúdica, pode levar as crianças ao desejo de aprender. Escolas em que as crianças ficam na expectativa de chegar a hora de irem estudar e que ao término das aulas elas adoram ficar na escola, é sinal de que lá é um ambiente que atrai a criança para ali estar. Já quando apresenta resistência em ir para a escola e ao se falar de algum professor entra em pânico, aí tem um sintoma de resistência ao processo educacional, que deve ser verificado.
Felizmente, para ser professor de crianças é preciso um potencial de interação afetiva muito definido e uma habilidade para introduzir conceitos que nunca foram vistos pela criança. Por este motivo que escola boa não é aquela que tem mais recursos, mas sim aquela que tem profissionais com conteúdo, conhecedores da psicologia do desenvolvimento infantil e capazes de estabelecer vínculo afetivo com os alunos.
Aos pais, quando a criança adentra no processo de aprendizado sistematizado, é necessário ter um ambiente familiar que proporcione à criança o brincar livremente e também a capacidade de acompanhar o processo educacional dos filhos na escola, sendo parceiros e amigos da “comunidade escolar”. É indicado que nunca ataquem os professores na frente do filho e quando precisarem ver algum procedimento na escola, que façam diretamente junto ao corpo pedagógico.
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Psicopedagogia 27/05/2021 19:43:53 305
Vou abordar este tema a partir de um texto deWinnicott de 1968 que foi catalogado pela editora Martins Fontes, em 2011, nolivro “Tudo começa em casa”[i]. A relevância deste tema para pais e educadores estáno conflito existente no ato de ensinar no sistema educacional e na dificuldadedos pais de acompanharem o desenvolvimento escolar dos filhos. Para os pais, esteé um campo pouco dominável - por...
Psicanálise Contextualizada 25/05/2021 13:42:44
Este tema, abstrai a partir de um livro, publicado pela Editora Martins Fontes, que é uma coletânea de artigos com o título “Tudo começa em casa”[i].
Para mim, o conceito de criatividade é de fundamental importância na estrutura emocional de um indivíduo, e que não pode ser confundido com o “ser um artista criativo”. A arte de viver, principalmente em uma sociedade cheia de conflitos, é uma condição para poucos. Por este motivo que a maioria adoece e a vida perde significado e sentido.
Winnicott nos apresenta sua forma de pensar a criatividade: “Para ser criativa, uma pessoa tem que existir e ter um sentimento de existência, não numa forma de uma percepção consciente, mas como uma posição básica a partir da qual operar. Em consequência, a criatividade é o fazer que, gerado a partir do ser, indica que aquele que é está vivo. Pode ser que o impulso esteja em repouso; mas, quando a palavra “fazer” pode ser usada com propriedade, já existe criatividade (...). Retire os estímulos e o indivíduo não tem vida”. (WINNICOTT – 1970, 2011 – p. 23).
A relação entre vida e existir prescinde a constrição da pessoa que pode ser criativa. Mas este processo é uma construção ao longo do desenvolvimento emocional do sujeito, que requer também estímulos. “A criatividade é, portanto, a manutenção através da vida de algo que pertence à experiência infantil: a capacidade de criar o mundo. Para o bebê, isso não é difícil; se a mãe for capaz de se adaptar às necessidades do bebê...” (WINNICOTT, 1970, 2011 – p. 24). Aqui novamente há o retorno para a experiência satisfatória da criança na relação com a mãe ou com quem desempenha o papel de mãe.
Nesta questão da criatividade, temos a tendência de associar com a produção artística e, com isto, a capacidade de ter habilidades produtivas. Mas Winnicott traz uma distinção clara entre o Viver Criativo e a Criação Artística. “No viver criativo, tudo aquilo que fazemos fortalece o sentimento de que estamos vivos, de que somos nós mesmos. Uma pessoa pode olhar para uma árvore (não precisa ser necessariamente um quadro) e fazê-lo criativamente.” (WINNICOTT, 1970, 2011 – p. 28).
Conseguir chegar ao estágio de se interagir com o mundo de forma produtiva e também com liberdade fantasiosa, dando a ele significados e brilhos, caracteriza o Viver Criativo. Já a produção artística requer algum talento específico e que não representa que o artista, ao criar uma arte, seja uma pessoa que viva criativamente. Pode ser apenas uma profissão. Para Winnicott “O sintoma de uma vida não criativa é o sentimento de que nada tem significado, o sentimento de futilidade, de que nada importa.” (WINNICOTT, 1970, 2011 – p. 36).
Pais e educadores se enganam com a ideia de que ao direcionarem a criatividade das crianças as estimulam para que sejam criativas. Pelo contrário, é a ambiência de seguridade e de pertença positiva ao mundo em que a criança está inserida que vai garantir o viver criativo e a capacidade criativa. Pois esta construção tem que passar pelas necessidades pessoais da criança e sua interatividade pessoal com seu mundo. Dá-se de forma espontânea, que, se estimulada, poderá vingar a partir dela mesma. Do contrário, quando passa a ser uma imposição dos pais e educadores que tendem a moldar a criatividade da criança, observa-se um abafar da criatividade. Winnicott nos aponta que “Algumas crianças são obrigadas a crescer numa atmosfera intensamente criativa, mas que pertence aos pais...” (WINNICOTT, 1970, 2011- p. 38). Quando os pais e educadores direcionam, a partir do referencial pessoal deles, estão sufocando a criatividade da criança.
Já abordamos aqui em texto e vídeo no meu canal do YouTube ( O PENSAMENTO DE WINNICOT | A capacidade de estar só Ep. 04 ) que o brincar é a essência da construção do pensamento da criança na elaboração do mundo ao seu redor. Neste sentido, Winnicott nos lembra que “A criatividade é inerente ao brincar, e talvez não seja encontrada em nenhuma outra parte.” (WINNICOTT, 1968, 2011 – p 51).
Ambientes familiares e educacionais não precisam estar recheados de estímulos visuais ou de produções direcionadas de jogos, artes, etc. É preciso, sim, que os ambientes sejam acolhedores e estimulantes para provocar o livre brincar da criança, e ao mesmo tempo, estar junto, brincar junto, respeitando o ritmo de cada criança e deixando-a livre para expressar seus sentimentos, impulsos e fantasias.
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Psicanálise Contextualizada 25/05/2021 13:42:44 349
Este tema, abstrai apartir de um livro, publicado pela Editora Martins Fontes, que é uma coletâneade artigos com o título “Tudo começa em casa”[i]. O conceito de criatividade Para mim, o conceito de criatividadeé de fundamental importância na estrutura emocional de um indivíduo, e que nãopode ser confundido com o “ser um artista criativo”. A arte de viver,principalmente em uma sociedade ch...
Psicanálise Contextualizada 20/05/2021 19:01:57
Seguimos, neste artigo, dando continuidade a série O pensamento de Winnicott para pais e educadores, que estou desenvolvendo com vários textos e vídeos sobre o assunto, confira:
Sempre recebo perguntas de pais sobre como conduzir um filho, desde a infância a seguir a religião dos pais e desenvolver o relacionamento com Deus. Normalmente respondo que a escolha religiosa é uma condução pessoal e depende muito de fatores internos do indivíduo, construídos ao longo de sua história até chegar a vida adulta. Sabemos que, muitos seguem a religião ou acreditam em Deus por uma mera tradição e poucos escolheram praticar a religião que dizem professar.
Processos de conversão religiosa e crença em Deus ou alguma entidade sagrada, é pessoal e relacionado na sua quase totalidade por necessidades afetivas.
No pensamento do Psicanalista Winnicott, encontrei um respaldo para minha maneira de ver esta necessidade, retirado de um artigo de 1963 copilado no livro “O ambiente e os processos de maturação”[1]. Winnicott, diz: “A boa alternativa tem que ver com o proporcionar ao lactente e às crianças aquelas condições que possibilitem a coisas como confiança e “crença em”, e idéias de certo e errado, se desenvolverem da elaboração dos processos internos da criança. Isto poderia ser chamado de evolução de um superego pessoal”. (WINNICOTT, 1963; 1983, p. 89).
O conceito de superego que foi elaborado por Freud, diz respeito à estrutura de regras e valores que ao longo do desenvolvimento emocional da criança vai equilibrando as forças do impulso (ID) para a estruturação do ser (EGO). É como se fosse, a grosso modo, uma energia psíquica de controle. Este mecanismo se dá no estabelecimento de vínculo da criança/mãe e posteriormente aos que os cercam, chegando depois ao ambiente escolar. Nem tudo o que desejo posso realizar, por forças internas que reprimem meu desejo, de forma consciente e na maioria inconscientemente.
Neste sentido, Moral e Educação para o sentido de Deus na vida humana, passa pelo processo de vínculo afetivo e desenvolvimento interno, tendo em vista que Deus na nossa cultura ocidental está muito vinculado à uma prática religiosa e consequentemente a normas de conduta. Winnicott assim acrescenta: “A religião (ou a teologia?) escamoteou o bom da criança em desenvolvimento e estabeleceu um esquema artificial para injetar de volta o que lhe tinha sido tirado, e denominou-o “educação moral”. Na verdade, a educação moral não funciona a menos que o lactente ou a criança tenham desenvolvido dentro de si mesmos, por um processo natural de desenvolvimento, a essência que, quando colocada no céu, recebe o nome de Deus. O educador moral depende para seu êxito de existir na criança aquele desenvolvimento que possibilite aceitar Deus do educador moral como uma projeção da bondade que é parte da criança e sua experiência real da vida.” (WINNICOTT, 1963; 1983,p. 89).
Não poderá ter acesso a um sentimento de Deus na perspectiva de algo bom e bondoso, se em sua história de vínculo pessoal não houver registros substanciais de um ambiente educacional também de bondade, ou de um ambiente suficientemente bom.
Crianças que tiveram rompimentos de laços afetivos e ou experiências negativas de vínculo amoroso com seus educadores, não conseguirão vivenciar a experiência com Deus?
Dentro de uma perspectiva de substituição do elo perdido favorável, que se dá no processo de amadurecimento, posso dizer que é uma missão quase impossível, mas nada impede que este vínculo aconteça. Contudo, é provável que, se acontecer, seja estabelecido num tipo de vínculo com o Sagrado Deus pela prática doutrinária, repressora e sem afeto. Tipo religiões que se apegam em disputas de poder e estimulam o ódio; ou também, aquele indivíduo sem a experiência favorável de vínculo afetivo, que se encontra em um contínuo processo de carência afetiva na vida adulta, poderá se identificar com um Deus que seja o apego paterno e materno que lhe faltou ou falhou na sua história, e assim o apego às práticas religiosas messiânicas, de promessas de salvação e de um Deus que supre todas as necessidades humanas.
Winnicott nos lembra: “Os pais não têm de fazer seu bebê como o artista tem de fazer seu quadro ou o trabalhador de cerâmica seu pote. O bebê cresce a seu modo, se o ambiente é suficientemente bom.” (WINNICOTT, 1963; 1983, p. 91).
Aqui fala de um de seus ícones de estrutura para o desenvolvimento emocional de uma criança, que é o ambiente suficientemente bom. Neste ambiente, pode ser mais fácil estabelecer a relação de um Deus bom, que de fato possa representar a sequência e projeção deste ambiente para a vida adulta. “À criança que não tem experiências suficientemente boas nos estágios iniciais não se pode sugerir a idéia de um Deus pessoal como substituto de cuidado do lactente.” (WINNICOTT, 1963; 1983 p. 92).
Quando o processo de educação moral religiosa é introduzido de forma doutrinária e de maneira impositiva, pode até dar resultado, mas para situações de indivíduos antissociais, como geralmente acontece em centros de recuperação de dependentes químicos cujas mantenedoras são de instituições ligadas a alguma religião. Como já dizia Haroldo Hans, um Padre Jesuíta dos Estados Unidos que foi o precursor do modelo de comunidades terapêuticas de recuperação de dependentes químicos no Brasil, ao questionar as instituições que se utilizavam da ‘lavagem cerebral religiosa’ para conduzir o dependente à abstinência onde troca-se a droga por uma outra droga, que é a Bíblia, pois segundo ele, a Bíblia imposta de forma autoritária, não condiz com a verdade de um Deus de amor. Pude trabalhar com Haroldo Hans por quase três anos na Comunidade Vila Brandina na cidade de Campinas-SP, em processo de estágio durante meus três primeiros anos cursando Psicologia na UNESP de Assis-SP.
E é sobre isto que Winnicott vai nos alertar: “Medidas drásticas ou repressivas, ou mesmo doutrinação, podem se adaptar às necessidades da sociedade para o manejo do indivíduo anti-social, mas essas medidas são a pior coisa possível para pessoas normais, para aqueles que podem amadurecer a partir de dentro de si mesmos, desde que recebam um ambiente favorável, especialmente nos estágios iniciais do crescimento.” ( WINNICOTT, 1963; 1983,p. 98).
E quando a criança entra no sistema escolar, não será muito favorável aos professores tentarem introduzir uma moral religiosa, pois não fará eco nas necessidades internas do indivíduo, pois esta memória afetiva ou sem afetuosa, já se deu nos primeiros anos de vida. Assim, o doutrinar num ambiente que é para levar ao conhecimento do mundo, fica desconexo e corre-se o risco de cada professor transmitir sua própria experiência e ou condução doutrinal.
Por este motivo que particularmente não sou a favor do ensino religioso na escola na forma doutrinal, mas sim no processo de conhecimento das religiões pelo mundo. Lembro-me de um pensamento do Padre Domênico Salvador, Doutor em Filosofia pela Universidade de Milão Itália, que se você quiser educar um filho para o catolicismo, não o coloque em uma escola confessional católica, pois ele poderá se decepcionar com as incoerências que irá encontrar lá dentro.
O melhor caminho para que uma criança consiga se encontrar com a crença de um Deus de Amor, é provocar desde o início de sua existência, um ambiente em que o amor é praticado de forma espontânea. E se há pretensões de líderes religiosos em converter fiéis para as suas religiões, com foco em pessoas adultas, o melhor caminho também será pelo encontro sem falsas intenções, onde este Deus será identificado não por doutrinações, mas por encontros afetivos de solidariedade.
[1] WINNICOTT,W,D - O Ambiente e os Processos de Maturação - Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, Editora Artmed, 1983
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Psicanálise Contextualizada 20/05/2021 19:01:57 312
Seguimos, neste artigo, dandocontinuidade a série O pensamento deWinnicott para pais e educadores, que estou desenvolvendo com vários textose vídeos sobre o assunto, confira: O pensamento de Winnicott para pais e professores - Sobre Winnicott O pensamento de Winnicott para pais e professores | O Brinquedo e o Brincar O pensamento de Winnicott para pais e professores | Maternidade Sufi...
Psicanálise Contextualizada 18/05/2021 19:05:08
Como é difícil ficar só. A solidão nos afeta a ponto de fugirmos constantemente dela, por este motivo, trago aqui o tema “A capacidade de estar só” a partir do pensamento psicanalítico de Winnicott. Lembrando que este texto é base de reflexão do vídeo, com mesmo tema, postado no meu canal do Youtube Abarca Psicólogo (O PENSAMENTO DE WINNICOT | A capacidade de estar só Ep. 04).
Tomo como referência o texto “A capacidade para estar só” escrito por Winnicott em 1958, encontrado na edição de 1983 do livro “O ambiente e os processos de maturação”[i] sistematizado pela editora Artmed, do qual cito algumas passagens. “Quero aqui examinar a capacidade do indivíduo ficar só, partindo do pressuposto de que esta capacidade é um dos sinais mais importantes do amadurecimento do desenvolvimento emocional.” (WINNICOTT, 1958; 1983, p.31).
Quando a observamos se interagindo com seus brinquedos, em sua individualidade, ficando por horas concentrada na sua fantasia, criando personagens e até dialogando com eles. Muitos pais ao observarem as crianças nesta condição, acham que elas possam estar com problemas. Alguns pais até temem que os personagens criados pela criança sejam algo de “espíritos”, quando a família possui uma interação com religião de base espiritualista.
Ao contrário, ver a criança brincando sozinha é um ótimo elemento de medida da sua evolução, como diz Winnicott: “A criança considerada normal é capaz de brincar, ficar excitada quando brinca, e se sentir satisfeita com o brinquedo, sem se sentir ameaçada pelo orgasmo físico de excitação local.” (WINNICOTT 1958, 1983, p.37). Esta excitabilidade que é transferida para o ato de brincar que a coloca na saída de si, das suas necessidade de ser nutrida/suprida, para transpor suas energias psíquicas em um processo criativo, que é o brincar.
Porém, a criança só vai conseguir chegar neste estágio de estar só, se sentir que ao seu redor há um ambiente de seguridade físico/afetivo. Para a criança ter este encontro com suas fantasias pelo brinquedo e brincar, é uma forma de comunicar que naquele espaço ela se sente segura. Quando a criança fica sempre buscando chamar a atenção dos pais para si, e não consegue ter um momento de paz nesta relação de fazer algo consigo mesma, ela está dizendo que aquele ambiente não lhe garante proteção. Ela percebe que os pais e aqueles que cuidam não estão de fato ali, de corpo e alma, interagidos com a criança. Esta cena geralmente é atribuída a ambientes funcionais, em que os adultos e o ambiente estão ali apenas por obrigação e por suporte apenas material, que acaba não preenchendo a criança.
Como diz Winnicott: “Maturidade e capacidade de ficar só significam que o indivíduo teve oportunidade através da maternidade suficientemente boa de construir uma crença num ambiente benigno. Essa crença se constrói através da repetição de gratificações instintivas satisfatórias.” (WINNICOTT, 1958; 1983, p.34)
Este ponto de referência e seguridade que desde o primeiro dia de vida já pode ser sentido pela criança, faz se projetar para o resto da vida. Por isso que o dia das mães é um ícone que mobiliza muitas emoções, pois nos coloca nos elos desta história vivida e que na vida adulta bate em sentimentos de completude, por um ser que consegue estar só e satisfeito, ou que o sentimento de vazio e insegurança são permanentemente pontuados. Como afirma Winnicott: “A medida que o tempo passa o indivíduo introjeta o ego auxiliar da mãe e dessa maneira se torna capaz de ficar só sem apoio frequente da mãe ou de um símbolo da mãe.” (WINNICOTT, 1958; 1983 p. 34)
Este mesmo ambiente que se passa na relação materno/filial e ambiência familiar em torno é também sentido no ambiente escolar que passa a ser a extensão de sua casa. Atribuir à escola um espaço apenas racional de construção de conhecimento é um erro enorme, pois para o início dos anos educacionais a escola é quase um cômodo da casa de uma criança. Em algumas realidades é quase que a casa toda, principalmente quando a criança vem de uma realidade social empobrecida, que é a quase esmagadora realidade da criança brasileira. Lembrando que, estamos falando aqui do estabelecimento de vínculo afetivo, desta maneira a condição social em si não é referência de mais ou menos vínculo, pois uma criança de classe enriquecida pode ter total ausência de afeto, as condições materiais não vão suprir as condições de seguridade emocional da criança.
No processo educacional ou percepção da criança que aquele ambiente é acolhedor e movido de estímulo afetivo se reflete na capacidade da criança em se colocar livremente no processo de aprendizado. Se integra e entrega profundamente ao ato de aprender, fazendo com o processo educacional o mesmo que faz quando está mergulhado no seus brinquedos e brincar. Já, as crianças que não conseguem fazer as tarefas sozinhas ou que frequentemente estão solicitando o adulto, podem estar demonstrando uma dificuldade de estar só e com isto revelando possível insegurança no ambiente escolar.
[i] WINNICOTT,W,D - O Ambiente e os Processos de Maturação - Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, Editora Artmed, 1983
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Psicanálise Contextualizada 18/05/2021 19:05:08 322
Comoé difícil ficar só. A solidão nos afeta a ponto de fugirmos constantementedela, por este motivo, trago aqui o tema “A capacidade de estar só” a partir dopensamento psicanalítico de Winnicott. Lembrando que este texto é base dereflexão do vídeo, com mesmo tema, postado no meu canal do Youtube Abarca Psicólogo (O PENSAMENTO DE WINNICOT | A capacidade de estar só Ep. 04). Tomocomo referência ...
Psicanálise Contextualizada 13/05/2021 19:03:44
A culpa carrega a existência do ser humano na vida adulta. É um elemento vital na configuração dos transtornos emocionais. Relaciono a culpa ao chicote que a pessoa carrega para com frequência se auto agredir diante de ações que julga ter feito errado, em que passa a se condenar, instaurando a doença emocional.
Por este motivo que trago aqui algumas citações de textos elaborados por Winnicott que nos ajuda a entendermos os mecanismos de instauração da culpa. A referência desses textos selecionados abstraí do livro editado pela editora Artmed, “O Ambiente e os Processos de Maturação – Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional"[1], um copilado de textos selecionados com a temática dos estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional.
Este texto é a base para a reflexão que desenvolvi no vídeo com o mesmo tema no meu canal do Youtube Abarca Psicólogo (Veja: O PENSAMENTO DE WINNICOT | Sentimento de culpa Ep. 03).
Segundo Winnicott: “Em termos de ego-id o sentimento de culpa é pouco mais do que ansiedade com uma qualidade especial, ansiedade sentida por causa do conflito entre amor e ódio. O sentimento de culpa implica a tolerância da ambivalência.” (WINNICOTT, 1958, 1983, p. 20).
A ambivalência instaurada no processo de estruturação do ego por conta das necessidades de impulso fisiológico e emocional (id), que se estabelece logo no primeiro ano de vida no vínculo da criança com a mãe pela necessidade nutricional de aleitamento e que também é afetiva. Uma relação que mobiliza ansiedade, tanto da criança por ser suprida, como da mãe para suprir a criança.
A ansiedade vai se transformar em culpa, conforme aponta Winnicott: “Um sentimento de culpa, portanto, implica que o ego está se conciliando com o superego. A ansiedade amadureceu rumo à culpa.” (WINNICOTT, 1958,1983 – p. 22).
A culpa é assim um processo de amadurecimento, que remete à percepção da criança pelo mecanismo de controle de suas impulsividades e desejos pelo superego, conceito atribuído por Freud para explicar a construção interna no sujeito sobre regras/moral. Fator que é também desenvolvido pela mãe quando coloca regras para o mamar, horários e todo processo de higienização no trato com a criança.
Este mecanismo é perceptível na análise tanto de crianças como de adultos, onde Winnicott nos coloca: “Em uma análise bem sucedida de indivíduos que são oprimidos por um sentimento de culpa, vemos uma diminuição gradativa desta carga. Essa diminuição da carga do sentimento de culpa se segue à diminuição da repressão...” (WINNICOTT, 1958,1983 – p.23).
E de fato, muitos pacientes temem dar continuidade ao processo de análise por se assustarem com a diminuição do sentimento de culpa. Geralmente ouvimos assim: “Nossa! As pessoas estão falando que estou mais livre e se importando menos com a opinião deles e que estou ficando mais egoísta e só pensando em mim.” Também na análise de criança observamos este fenômeno, mas desenvolvido pelos pais, principalmente a mãe que chega até a interromper o processo com argumentos do tipo: “A terapia está deixando minha filha mais respondona e eu não quero correr o risco de ter uma filha assim, onde eu perco o controle.” Por isso que o processo de análise necessita ter critérios para que a dissolvição do sentimento de culpa se dê paulatinamente. Com as crianças, é importante o analista estar sempre em processo de diálogo com os pais e alertando as possíveis alterações de comportamento do filho.
Mas a culpa tem sua origem e Winnicott, que teve como base de formação para se introduzir como analista de criança após longa carreira como pediatra, a psicanalista Melanie Klein que foi a protagonista na sistematização da Psicanálise da criança, cita: “Deve-se notar que enquanto os trabalhos mais precoces da psicanálise lidaram com o conflito entre o ódio e o amor, especialmente em situações triangulares ou a três pessoa, Melanie Klein mais especialmente desenvolveu a idéia do conflito em um relacionamento simples a duas pessoas, do lactente com a mãe, conflito originado das idéias destrutivas que acompanham o impulso amoroso.” (WINNICOTT, 1958; 1983, p.25)
Melanie Klein vai elaborar o conceito na primeira etapa do vínculo da mãe com a criança da posição esquizo paranoide e posição depressiva, onde a criança estabelece na ambivalência primeira de ser nutrida pela mãe, também destruir o objeto que a nutre na relação mamar/morder, mamar/aproximar/separar e depois na condição de romper aos poucos com a relação exclusiva com o mãe para os próximos desenvolvimentos de novas etapas. Pela ambivalência de sentimento que emerge o sentimento de culpa.
A culpa pode dar vazão para evoluir às doenças emocionais como nos aponta Winnicott: “É fácil, contudo, pensar em termos de doença, e as duas doenças que devem ser consideradas são a melancolia e a neurose obsessiva. Há uma inter-relação entre essas duas doenças, e encontramos pacientes que alternam entre uma e outra.” (WINNICOTT, 1958; 1983 p. 23).
O sentimento de culpa será observável também no contexto escolar, quando a criança se culpa por não entender um conteúdo e bloqueia seu estímulo ao aprendizado. Numa relação de ambivalência a criança também revive a mesma relação que estabeleceu com a mãe para o professor principalmente na pré-escola, quando a criança se introduz na alfabetização sistematizada. O professor que é a acolhida para o mundo do conhecimento sistematizado, também pode ser aquele no qual a criança vai odiar por que exige dela algo no qual ela possa entender como inatingível. Nesta relação ambivalente entre aluno/professor pode ser revitalizado o sentimento de culpa.
Assim, tanto para a ambiência familiar, como para a escolar, os pais e professores, sabendo deste mecanismo de ambivalência amor/ódio, devem introduzir as regras dentro de um processo afetivo, interacionista em que a criança vai se estruturando por consciência, elaborando frustrações, pois a ambiência é favorável para a acolhida natural desta ambivalência ao invés das regras serem colocadas de forma repressiva. É aqui que se instaura grande confusão entre colocar limites com afeto ou colocar limites com chicote.
[1] WINNICOTT,W,D - O Ambiente e os Processos de Maturação - Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre, Editora Artmed, 1983
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Psicanálise Contextualizada 13/05/2021 19:03:44 361
A culpa carrega a existênciado ser humano na vida adulta. É um elemento vital na configuração dostranstornos emocionais. Relaciono a culpa ao chicote que a pessoa carrega paracom frequência se auto agredir diante de ações que julga ter feito errado, emque passa a se condenar, instaurando a doença emocional. Por este motivo que trago aqui algumas citações de textoselaborados por Winnicott que no...
Psicanálise Contextualizada 11/05/2021 19:49:01
Este é o segundo texto da série em que estamos falando sobre O pensamento de Winnicott para pais e professores, nele vamos abordar um forte conceito estruturante na obra de Winnicott que é “Maternidade Suficientemente Boa”.
No texto anterior desenvolvemos o tema do Brinquedo e do Brincar, confira:
Para o texto de hoje trago o livro “O Ambiente e os Processos de Maturação – Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional”[1], publicado pela editora Artmed, e que agrupa uma série de artigos escritos por Winnicott. Dele, vou abstrair uma sequência de citações, em que o autor embasa o conceito da Maternidade Suficientemente Boa.
“O início do surgimento do ego inclui inicialmente uma quase absoluta dependência do ego auxiliar da figura materna e da redução gradativa e cuidadosa da mesma visando à adaptação. Isto faz parte do que eu denomino “maternidade suficientemente boa”; neste sentido o ambiente figura entre outros aspectos essenciais da dependência, no meio do qual o lactente está se desenvolvendo, utilizando mecanismos mentais primitivos”. ( WINNICOTT,1983, p. 15).
Aqui, onde ainda a criança e mãe se fundem em um só ser, etapa estruturante da Maternidade Suficientemente Boa e que tem como período prioritário do desenvolvimento os seis primeiros meses de vida de uma criança. Winnicott vai associar esta etapa com o equivalente ao conceito de amor:
“Poderia se usar a palavra ‘amor’ aqui, correndo o risco de soar sentimental. Isto leva a observação final: muitas vezes, sem deixar a área abrangida pelo amor, verificaremos que uma criança necessita da firmeza na orientação, precisando ser tratada como a criança que é não como um adulto”. (WINNICOTT, 1983, p. 69).
É uma percepção que geralmente observamos quando dos processos de orientação às mães no período de amamentação, que tendem a achar que a criança já possui um esquema autônomo, quando esperam que ela reaja de tal forma que lhes dê menos trabalho. Numa nítida tendência de querer eliminar os trabalhos que um lactente absorve dos adultos que estão ao seu redor. O conceito de amor é atribuído para representar um forte sentimento de fácil entendimento da mãe ao cuidar de seu bebê. Um apelativo que frequentemente é preciso ser utilizado para restabelecer a mãe nos tratos culturais para o cuidado deste novo rebento frágil e cheio de limites que é um bebê.
Porém, Winnicott, sabe que a Maternidade Suficientemente Boa não diz respeito apenas à pessoa da mãe, que não vai conseguir por si só dar conta de cuidar da criança. Não há aqui neste conceito um fator que sobrecarregue a mãe, dando a ideia de uma relação machista onde tudo sobra para a mãe. Winnicott trás a figura do pai na construção do Ambiente Suficientemente Bom quando diz:
“Cuidado paterno satisfatório pode ser classificado mais ou menos em três estágios superpostos: a) Holding. b) Mãe e lactente vivendo juntos. Aqui a função do pai (ao lidar com o ambiente para a mãe) não é conhecida da criança. c) Pai, mãe e lactente, todos vivem juntos. (...) o termo holding é utilizado aqui para significar não apenas o segurar físico de um lactente, mas também a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com.” (WINNICOTT, 1960; 1983 p. 44)
Podemos observar aqui que o pai tem uma forte função na configuração desta ambiência suficientemente boa quando supre a mãe/esposa de reabastecer as energias dela para suprir a necessidade do bebê. Sempre atribuo à pessoa do pai a função de ser um “recarregador” das energias da mãe, mesmo que a criança não saiba ou não perceba. Aqui é sempre bom lembrar que é o pai ou quem está próximo da mãe que faz este papel de cuidar da ambiência. Assim, não se pode ver esta etapa estruturante do desenvolvimento emocional de um indivíduo só a partir da pessoa da mãe.
Rumo à independência da criança, seguindo às novas etapas do desenvolvimento infantil, cabe a escola uma forte atribuição, e aos educadores um papel singular na extensão dos vínculos de afetos que sai da relação da mãe e ambiente familiar e vai para o equipamento escolar já na pré-escola. Winnicott vai nos lembrar:
“ ‘Rumo à independência’ descreve o esforço da criança pré-escolar e da criança na puberdade. No período de latência as crianças habitualmente estão satisfeitas com o que quer que tenham de dependência que são capazes de experimentar. A latência é o período do brinquedo escolar no papel de substituto para a casa”. (WINNICOTT, 1963; 1983, p. 87).
Temos esta projeção para que a criança atinja sua independência que terá como marco referencial já a idade pré-escolar que poderá contribuir para que esta nova etapa de separação do núcleo familiar se dê de forma saudável, por isso requer uma acolhida dos educadores com um forte toque de vínculo afetivo e também numa ambiência educacional em que o aprender seja introduzido de forma mais lúdica possível. Não da para se estabelecer um conceito de escola para esta etapa de vida da criança que não seja focada no afeto e na dinâmica do brincar. Por isso que atribuímos o conceito “comunidade escolar” do que escola simplesmente. Pois a comunidade escolar inclui a família, criança, equipe técnica e profissionais presentes no ambiente escolar. Escola deve ser sim uma extensão da família.
Se a Maternidade Suficientemente Boa for de fato vivenciada na vida de uma criança, ela poderá se constituir com mais facilidade para a plena autonomia e maturidade na vida adulta, como nos aponta Winnicott:
“Deve-se esperar que os adultos continuem o processo de crescer e amadurecer. (...) Mas uma vez que eles tenham encontrado um lugar na sociedade através do trabalho e tenham talvez se casado ou se estabelecido em algum padrão que seja uma conciliação entre imitar os pais e desafiadoramente estabelecer uma identidade pessoal, uma vez que esses desenvolvimentos tenham lugar pode-se dizer que se iniciou a vida adulta.” (WINNICOTT, 1963; 1983,p. 87).
Ao trilharmos brevemente algumas citações do pensamento de Winnicott neste tema específico da Maternidade Suficientemente Boa, podemos concluir que dela é condição balizar para um indivíduo construir sua identidade e singularidade depois, na vida adulta.
[1]WINNICOTT, Donald Woods. O Ambiente e os Processos de Maturação - Estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Editora Artmed, 1983
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Psicanálise Contextualizada 11/05/2021 19:49:01 301
Este é o segundo textoda série em que estamos falando sobre Opensamento de Winnicott para pais e professores, nele vamos abordar umforte conceito estruturante na obra de Winnicott que é “MaternidadeSuficientemente Boa”. No texto anterior desenvolvemoso tema do Brinquedo e do Brincar, confira:Artigo: O pensamento de Winnicott para pais e professores | O Brinquedo e o BrincarVídeo: O PENSAM...
Psicanálise Contextualizada 06/05/2021 19:17:23
Hoje tenho visto pais e educadores dando cabeçada sobre o processo educacional das crianças. Com a emergência da Tecnologia de Informação e da pandemia COVID19, onde predominou a necessidade de ocupar o tempo em casa e ministrar aulas on-line para as crianças impossibilitadas de estarem na sala de aula, os digitais triunfam, tanto nas famílias e suas residências como na escola, o brinquedo e o brincar ficaram esquecidos. Por um lado, os pais divididos entre o trabalho de casa e a possível eminência da perda de emprego, por outro, os professores distantes de suas crianças com conteúdos e mais conteúdos teóricos sem a vivência prática do conhecimento.
Assim, o livro “O Brincar e a Realidade”[1], escrito por Winnicott em 1971, é um marco referencial na obra deste Psicanalista, e que até hoje nos serve de referência:
“Introduzi os termos ‘objetos transicionais’ e ‘fenômenos transicionais’ para designar a área intermediária de experiência entre o polegar e o ursinho, entre o erotismo oral e a verdadeira relação de objeto, entre a atividade criativa primária e a projeção do que já é introjetado, entre o desconhecimento primário de dívida e o reconhecimento desta” (WINNICOTT, 1975, p. 14)
Aqui Winnicott introduz de forma mais sistematizada a relação do bebê com a mãe na primeira etapa de amamentação, onde a criança estabelece uma relação de ilusão pelo ato de mamar, de ser suprido (fato real), porém de ter a satisfação emocional sobre o ato. Neste elemento, a ilusão, é que se estabelece o objeto transicional, que no primeiro momento é o bico do seio, o primeiro brinquedo da criança, que liga o bebê à sua mãe e passa a ser o ato de mamar a primeira brincadeira da criança:
“Psicologicamente, o bebê recebe de um seio que faz parte dele e a mãe dá leite a um bebê que é parte dela mesma”. (WINNICOTT, 1975, p. 27)
Tudo começa exatamente a partir deste vínculo, do encontro do bebê com os seios de sua mãe. Aqui é bom ressaltar que no lugar de mãe podemos pensar aquela que cuida. No lugar de seios podemos pensar também a mamadeira. E que no lugar da mãe isolada na relação do bebê podemos pensar o ambiente de cuidadores. Assim, o pai ou as figuras masculinas ao redor da mãe que se fazem de pais, são peças fundamentais para que este inter-jogo da ilusão com o objeto transicional possa acontecer.
Neste sentido, todo o núcleo familiar esta envolto nesta demanda. Por isso mesmo que o novo rebento que surge no seio de uma família traz grande mobilização/desmobilização ao núcleo familiar. Por daqui emana o futuro da criança para descobrir o mundo, que vai sair do processo restritivo de mamar para o processo de se encontrar com o mundo de forma criativa, desejado e vital. Do contrário, se faltar condições de ambiente que recebe, acolhe, nutre fisicamente a afetivamente, esta ilusão da criança e da mãe nesta relação se torna traumática, e começa ai os bloqueios para novas elaborações cognitivas.
Pensando nesta etapa estruturante de vínculo para os educadores de equipamentos de creches, se aprenderem e entender a força que representa esta interatividade do bebê com a mãe, estes profissionais precisarão estar envolvidos para além dos conhecimentos pedagógicos, mas sim deverão estar de alguma forma sendo a extensão dos braços que acolhem as crianças no núcleo familiar. Neste sentido, o pensamento de Winnicott joga um olhar para além da técnica pela técnica.
Pensando no ambiente familiar e também educacional a partir do brinquedo e do brincar como elemento transitório, pode-se impulsionar a criança a evoluir do vinculo materno filial para a descoberta do mundo, para novos relacionamentos e para o desejo do conhecimento. Podemos afirmar que para estes dois contextos educacionais os ambientes precisam ser movidos pelo brinquedo e pelo brincar. A insistência do brinquedo na conjugação do brincar é exatamente pelo motivo de vermos o esvaziamento deste grande elemento de relacionamento com o mundo que a criança tem em seus ambientes tanto familiares como escolares.
Os exemplos provém daquelas famílias em que você tem crianças pequenas e não encontra a boa bagunça dos brinquedos e se quer as crianças brincando, mas hipnotizadas em equipamentos eletrônicos, e nas escolas em que o foco é conteúdo e sem a experimentação do conteúdo com a prática. Pior ainda, quando vemos escolas/creches em que grande parte do tempo as crianças estão na frente de uma televisão assistindo algum desenho animado.
Veja que na cena primária do aleitamento e na evolução da criança para outras etapas evolutivas do desenvolvimento humano, o bico do seio que foi o primeiro brinquedo como objeto transicional evoluirá para outros objetos como a chupeta, a fraldinha, o ursinho ou outros objetos que a criança possa se entreter. Fazendo com que este movimento do brincar tenha grande influencia para todos os processos evolutivos cognitivos no mundo da criança e adolescente, e depois na vida adulta configurará no potencial criativo, como enfatiza Winnicott:
“...é a brincadeira que é universal e é a própria saúde: o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais...” (WINNICOTT, 1975, p. 63);
“É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua potencialidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre seu eu (self)” (WINNICOTT, 1075, p. 80).
Hoje temos várias pesquisas mostrando que o potencial cognitivo e de aprendizado da geração dos 50 anos está superior ao potencial da geração dos 20 anos, devido ao elemento Tecnologia da Informação, em que está sendo decretada a morte do brinquedo e do brincar. Com certeza a geração dos 50 anos pôde ter acesso livre aos brinquedos e brincadeiras dentro da perspectiva de estimulo à imaginação, pois o brincar requer em si a capacidade de inventar, fantasiar. e hoje o brinquedo eletrônico já vem com os direcionamentos de ação definidas, dificultando o desenvolvimento fantasioso da criança.
Para concluirmos este primeiro tema, podemos afirmar que pais e educadores que se preocupam com o futuro das crianças para que tenham potenciais cognitivos e criativos, investirão em processos educacionais que priorize o vínculo afetivo e o brincar. Pais que gastem tempo brincando livremente com seus filhos e escolas que gastem tempo com a experiências de conteúdos.
Observem quais são as cenas de sua história no seu núcleo familiar e na escola enquanto criança, que você lembra com alegria e satisfação até hoje? As que mais me marcaram foram as de atividades livres e descontraídas na família e na escola quando tínhamos que fazer coisas inovadoras e ou sair em atividades externas à sala de aula.
Também podemos lembrar-nos das pessoas que depois de muitos anos não saem de nossa memória, observe que geralmente são aquelas que se interagiram conosco de forma afetiva e efetiva. Quem pela nossa vida passou apenas por obrigatoriedade funcional, não está registrada em nossa alma, nossa psique.
Assim, Brinquedo e Brincar continuam sendo os elementos mais estruturantes na construção de pessoas livres e saudáveis emocionalmente. Este legado, a Tecnologia de Informação não vai conseguir substituir. Se nós nos deixarmos ser influenciados e dominados pelos digitais, aí sim estaremos entregues a baixa potencialidade cognitiva e a perda absoluta do maior legado de nossa espécie, que é o potencial criativo.
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Autor:
Psicanálise Contextualizada 06/05/2021 19:17:23 239
Hoje tenho visto pais e educadores dandocabeçada sobre o processo educacional das crianças. Com a emergência daTecnologia de Informação e da pandemia COVID19, onde predominou anecessidade de ocupar o tempo em casa e ministrar aulas on-line para as criançasimpossibilitadas de estarem na sala de aula, os digitais triunfam, tanto nasfamílias e suas residências como na escola, o brinquedo e o brincar...
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