Psicologia 16/05/2023 14:51:16
Dia das Mães
Às vezes é meio estranho.
Um sujeito ou sujeita leva sua Mãe ao restaurante, onde os profissionais a serviço não estarão próximos de suas respectivas Mães.
Assim, qual Mãe está comemorando de fato?
No Dia das Mães, o trabalhador não para,
O operário trabalha, e a operária também.
Os filhos, longe das Mães também
ficam e ninguém vê ninguém.
Estranho!
No Dia das Mães, para “poupar” a Mãe-patroa, ninguém faz comida em casa,
Mas daí vem a empregada, também Mãe, que não verá seus filhos por falta de condição.
É triste, mas pega mal os filhos da empregada sentados à mesa do patrão.
É muito estranho!
A família resolve visitar a Mãe distante, uma longa viagem.
E, na casa desta Mãe, todos apreciam sua comida, um emblema da família,
Os netos adoram,
O genro ama,
A filha curte.
E tal Mãe distante, também avó e bisavó, passa a manhã toda na cozinha cozinhando,
Para os seus, que vieram da cidade grande para homenageá-la.
Que dia estranho este tal Dia das Mães.
E, para completar a cena,
O maridão, na benevolência de “poupar” a Mãe de seus filhos,
Pede para a Babá ajudar em casa,
Esta que também é Mãe, cuidadora de filhos alheios,
Não estará em casa com os seus em seu suposto dia.
Quem ficou cuidando dos filhos da Babá?
“Filho da Mãe!!!” Este sujeito ao homenagear sua esposa Mãe.
Mas fazer o quê?
Quem pode, pode
Quem não pode segue.
Entra ano, sai ano e
Mais uma vez que proclamam,
Mais um Dia das Mães que questiono.
E continuo achando muito estranho.
Engraçado, mais que estranho,
É ver pais na praia com os filhos,
“Poupando” as homenageadas neste Dia das Mães.
Mas depois, tudo volta ao seu lugar.
Os filhos, para sempre, a Mãe cuidar.
Um engraçado que fica muito
estranho.
Mas, mesmo assim, desejo a todas as homenageadas
Um feliz Dia das Mães,
Mesmo neste dia muito estranho.
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Psicologia 16/05/2023 14:51:16 72
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Psicologia 08/05/2023 15:23:30
Inevitável não ver a imagem de mãe enquanto merecedora de créditos, principalmente nas primeiras semanas do mês de maio de cada ano. As escolas enaltecem as mães, o comércio as supervaloriza e as redes sociais passaram a ser um território de sua exposição junto dos filhos.
Olhando
a partir deste prisma, a maternidade deveria ser um estado cheio de glórias e
alegrias, mas esta não é a realidade da maioria das mães. Estas mulheres que,
no cotidiano, assumem quase que sozinhas a função de criar e educar os filhos.
Este cenário é cada vez mais perceptível no cotidiano das escolas, postos de
atendimento de saúde, consultórios médicos pediátricos, assistência social,
etc.
Segundo o IBGE, 50,8% dos lares brasileiros tinham liderança feminina, sendo 56,5% as mulheres negras e 43,5% as não-negras, segundo dados do terceiro trimestre de 2022. Mas também temos os fatores do machismo estrutural, que ainda leva muitos homens a delegarem os cuidados com os filhos para as mulheres. Este fator é muito relevante neste processo de maternidade, que se agrava também pela estrutura patriarcal na qual a mulher acaba assumindo esta posição de cuidar dos filhos, como se este fosse o legado das mulheres.
Ser mãe um mix de stresse e bem estar
O
exercício de ser mãe no cotidiano traz mais estresse que sensação de bem-estar. Lógico que, dificilmente veremos uma mãe assumindo esta posição. Mas, para
aqueles que convivem com mães, esta realidade pode ser observada.Hoje,
particularmente com o agravante das mães terem que trabalhar para o sustento do
lar, a maior parte das famílias são lideradas por mulheres, como aponta o IBGE.
Desta forma, a tripla função de mãe, trabalhadora e mantenedora da casa (arrumação), torna a condição de ser mãe um sofrimento. É preciso estar muito atenta e fazer uma escolha muito clara em ser mãe, para que o status de mãe não seja um eterno sofrimento. Quando a mulher assume sua condição de estar sozinha nesta empreitada de ser mãe, sem esperar um suporte ou apoio de alguém ou de um homem, esta escolha pela maternidade se multiplica em força motriz. Assim, o sofrimento não será o carro-chefe do ser mãe.
Diante de uma Sociedade que prima pelo bem-estar estético no mundo da mulher, o ser mãe carrega em si a quebra de um paradigma, pois a condição de gestar, parir e amamentar traz uma forte alteração na estrutura fisiológica da mulher. E apenas diante de uma escolha livre em ser mãe que a mulher conseguirá entender e elaborar esta fase, mesmo assim estando sujeita a sofrer as pressões da Sociedade de consumo pelo corpo estético. A gravidez, que muito é elogiada e enaltecida no mês de maio, é um momento de forte alteração física que faz com que muitas mães sofram com a perda do corpo anterior a tal processo. E a pergunta que não se cala é: Este corpo será o mesmo de antes?
Ser mãe em uma sociedade que preconiza o
sucesso profissional, e com isto, a busca das mulheres por melhor
qualificação educacional para estarem em competitividade de igualdade ao mundo
machista, leva as mulheres a escolherem a maternidade tardiamente. E, quando
esta oportunidade chega, esta escolha livre em ser mãe esbarra em uma carreira
com pouco espaço para o cuidado do filho. O amor dividido entre o cuidar do
novo rebento e o ser profissional de ponta neste mercado que não perdoa.
Saídas encontram-se nas escolas particulares, equipamentos educacionais públicos, parentes, etc. Mas um sentimento que paira nas mães que estão em pleno vigor profissional é o de ambivalência e consequente culpa por não estarem oferecendo plenamente o cuidado aos filhos. Ocorre um fenômeno interessante quando uma mulher profissional delega os cuidados a uma empregada doméstica, mas sem a certeza de que o filho estará sendo bem cuidado. Além disso, surge a reflexão: E a empregada doméstica que também é uma trabalhadora e, por vezes, mãe? Como fica a sua emoção diante do filho que não pode levar ao trabalho?
O
sofrimento materno é grande quando a mãe começa a projetar o futuro dos filhos.
Diante de cenários caóticos (guerras, catástrofes, etc.), a mãe se vê apavorada
sobre o futuro dos filhos. Um sentimento que inquieta, incomoda e muitas vezes
faz perder o sono. Qual mãe fica bem ao saber que o filho pode morrer?
Este
é outro elemento que causa muito sofrimento às mães desde a gestação. A dúvida
de como virá a criança e todos os questionamentos tão incertos sobre a saúde e
a vida desta criança, especialmente nos primeiros anos. O sofrimento materno
aumenta diante da possibilidade da morte do filho e na medida em que a mãe se
recusa sequer a imaginar esta realidade.
Lógico que, seria estranho uma mãe simplesmente imaginar a morte de um filho como algo natural mas, infelizmente, a Morte é a maior certeza desta empreitada. Saber desta possibilidade e não temer o que vem pela frente, (principalmente a morte do filho) é um forte passo para a diminuição de sofrimento diante da perspectiva da perda. Pois, quanto maior o medo do filho morrer, maior o sofrimento em ser mãe.
O sofrimento funcional na maternidade
Vale
lembrar também do cenário atual de muitas mães jovens que, em sua maioria, não
foram educadas para serem mães por pertencerem a uma geração cujos pais (e/ou a
Sociedade em geral) as direcionaram para os estudos, carreira profissional e
conquistas pessoais, incluindo o imaginário de primeiro maximizar o lazer e
aproveitar a vida para então ser mãe. Nestes casos, o sentimento de cansaço na
maternidade é constante, principalmente se o papel materno estiver associado a
uma funcionalidade de obrigação. É como se tal mãe estivesse continuamente sem
tempo para descansar, pois o filho estará o tempo todo despertando a
necessidade de cuidado.
Aqui, o sofrimento é funcional, como se a mãe fosse uma trabalhadora cujo horário de expediente é infinito. E isto traz um sentimento de perda dos benefícios de outrora (pré-maternidade) que fomenta uma frustração e/ou reclamação contínua. Neste cenário, o círculo de rede de apoio entre parentes, amigos e instituições se mostra fundamental. Da mesma forma, se a mulher convive com um parceiro ou parceira, esta função partilhada em que o filho não é apenas responsabilidade da mãe, pode dar condições para que esta mãe tenha seu descanso da função materna, evitando tal sofrimento.
Diante destes e de muitos outros
sofrimentos que assolam as mães, os quais frequentemente não podem sequer serem
verbalizado pela possibilidade de representar uma ofensa aos próprios filhos e
à Sociedade, dois elementos entram para anestesiar ou camuflar estas mazelas: O
primeiro é o culto ao Mito do Amor Materno como estado de glória, muito
difundido no Dia das Mães; O segundo,
por sua vez, é a ideia da mãe como fonte de preservação da família na dimensão
espiritual, garantindo um legado sagrado (principalmente para os cristãos). A
ideia de que, mesmo que sofram no paraíso, mães são dotadas duma missão
sublime, visto que todo ser humano é nascido de uma mulher. No entanto, estes
são elementos de camuflagem que não podem evitar que mulheres mães evidenciem
seus muitos sofrimentos no exercício da maternidade.
Para que o ser mãe não represente apenas sentimentos de sofrimento, o primeiro passo é assumir-se mãe sabendo que esta posição de responsabilidade sobre uma vida alheia não é para sempre, pois um dia o filho tornar-se-á adulto e independente. Para que a maternidade não se torne um martírio, deve-se lembrar que a condição mãe é mais um papel dentre muitos papéis que uma mulher pode vivenciar na sua integridade (como profissional, filha, companheira, amiga cidadã, etc.) Pode ser, que diante de uma escolha livre, mesmo que o filho tenha chegado sem planejamento, o estado de ser mãe reserve mais prazeres do que sofrimento. Buscar este caminho é uma boa opção para a sanidade física e mental das mães e consequentemente seus filhos.
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Psicologia 08/05/2023 15:23:30 76
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Religião 04/11/2022 16:10:56
Este texto é decorrente do processo eleitoral para presidente no ano de 2022. Uma disputa onde o campo religioso esteve em primeiro lugar, tanto para angariar votos quanto para se usufruir de valores religiosos de modo que cada candidato fosse tido como o melhor ou pior, o mais ou menos perigoso. Desta maneira, as propostas e programas de governo em si ficaram em segundo plano, tendo seu lugar no debate tomado por ataques morais de cunho religioso.
Ao observar diferentes pessoas nas suas diversas formas de praticar a religião com o enfoque eleitoral (especialmente no âmbito das redes sociais), sistematizei alguns olhares para uma mesma divindade, mas com muitas formas de se ver/enxergar. Na verdade, não farei essas pontuações visando apenas o atual momento político brasileiro, mas também uma interlocução com posturas dentro da História.
A divindade referida é Jesus Cristo. Sempre fazendo a ressalva de que ser Cristão, para uns, é diferente para outros. Até porque o Cristianismo na cultura ocidental foi constituído a partir da Igreja Católica Apostólica Romana pelo legado de Pedro, e que, depois da cisão na Reforma Protestante (1517) de Martinho Lutero a João Calvino, passa a ter derivações, respectivamente, nas Congregações Luteranas e Presbiterianas. Mais recentemente, multiplicou-se em muitas outras ramificações a ponto de ficar difícil mapear quem e como são os denominados “evangélicos”, pois temos desde os tradicionais, com os pés na Reforma Protestante, até os atuais pentecostais, que, no Brasil, se expandiram em pequenas ou grandes congregações.
Tenho que ressaltar também que a Igreja Católica Apostólica Romana não tem a mesma forma de ver e pensar entre seus praticantes, os quais se estruturam em diferentes carismas e esquemas de práticas religiosas - fator alavancado muito pelo perfil de santos, que criaram formas diversas de se praticar o Catolicismo - e, ou, pelas diferentes formas de se interpretar as doutrinas e documentos apostólicos da Igreja Católica. Só estou descrevendo brevemente a multiplicidade institucional de formas de praticar o Cristianismo no Brasil, pois o objetivo aqui é pensar os diferentes olhares para um mesmo desejo.
O desejo da Vida Eterna, que une os Cristãos, e de um Deus que os protege.
Pela Defesa Da Vida
“...sou cristão e, por isso, defendo a Vida. Sou contra o aborto...” Jesus Cristo defensor da Vida, e, por isso, ser contra o aborto, pois a Vida é um Bem Sagrado; Com o mesmo argumento, Hitler conquistou grupos de cristãos na Alemanha Nazista (1934-1945) para empreender seu projeto de defesa da família pura, onde era contra o aborto.
O mesmo Hitler defensor da vida levou à morte nos campos de concentração mais de 7 milhões de Judeus e, nas intervenções militares baseadas em conquista de territórios, outras centenas de milhares de civis e militares vieram à morte. Em prol da defesa da família ariana pura e de suas propriedades, o direito de matar aqueles que ameaçavam a soberania ariana da nação sonhada por Hitler;
Também em nome da Vida, a Igreja Católica organiza a chamada “Guerra Santa” com o objetivo de reconquistar o Santo Sepulcro em Jerusalém e, assim, poder manter vivo os princípios cristãos, levando milhares à morte; Muitos cristãos justificam as armas como defesa com o argumento que Jesus Cristo também pegou em arma para defender o Templo do Senhor (um chicote) e Pedro carregava uma espada para defender Jesus já no momento da Paixão de Cristo.
Neste cenário de defesa da Vida, o “não” ao aborto e o “sim” às armas passam a ser defesas paradoxais. Nesta campanha de 2022, vimos a defesa da liberação de arma de fogo aos civis como forma de proteção da Vida e da Propriedade Privada.
Família é Sagrada
O argumento cristão para a defesa inegociável da Família se dá pela ideia de que esta também é um Bem Sagrado. A Família, aqui entendida como Pai, Mãe, filhos e parentes, remete ao modelo da Família de Nazaré: Jesus, Maria e José. Sendo assim, conceber outras formas de família foge do referencial tradicional do ideal cristão. Quem não está neste referencial de família, está no pecado.
Inclui-se aqui o referencial cristão da fidelidade conjugal e, assim, o conceito do adultério. Porém, em nome da conversão ao Cristianismo, justifica-se a aceitação da pessoa que tenha passado por vários casamentos, mesmo defendendo o casamento pleno e a fidelidade em seu pacto original, tornando o conceito de adultério algo relativo. Afinal, se a posição de Casamento como consagração sacramental de fato for colocada em prática, muitas igrejas se esvaziariam visto que poucos são os que estão casados nesta perspectiva. Sem contar aqueles que assumem a vida conjugal homossexual, a qual faria muitas igrejas perder fiéis de acordo com sua estrutura dogmática e moralmente rígida.
E aqui vale ressaltar que a Família de Nazaré na ocidentalização europeia (Jesus, Maria e José) não representa a forma original do modelo de família da época de Jesus, que se estabelecia com o núcleo familiar coligado à força da Comunidade, formando uma “Família Comunitária”. Pois a nucleação restritiva de Família, circunspecta apenas no núcleo da consanguinidade direta, nasceu a partir da Revolução Industrial Inglesa (entre 1760 e 1840), vindo a se expandir para o resto da Europa e para os EUA.
O homem para a fábrica e a mulher em casa cuidando dos filhos. Aqui toma forma as orientações de João Calvino e a noção da defesa da Família e da Prosperidade Econômica, no sentido em que, quanto mais próximo de Deus, mais próspero será. Esta noção deu origem à ideia de que pobres são os que estão distantes de Deus.
O homem como a cabeça da Família e a mulher como submissa a este homem, como preconiza algumas formas de vivenciar o Cristianismo. A Família padronizada no referencial cristão de “Família Santa e Perfeita”, onde os filhos estão à sombra do guarda-chuva espiritual de seus pais cristãos. Tal princípio leva à justificativa de muitas formas de machismo e controle dos homens sobre as mulheres, assim como propostas políticas baseadas na educação domiciliar em detrimento da escola coletiva a fim de garantir que os filhos não sejam “contaminados” por professores com outras formas de práticas religiosas. Acentua-se, nesta perspectiva, a mulher como submissa ao seu marido, a partir da carta de São Paulo aos Coríntios.
Estabelece-se então a negação de famílias em que o modelo é comunitário, e assim, a desqualificação de modelos que incluem as famílias dos povos originários. Tal noção é a base que justifica o avançado processo de extermínio de nossas comunidades indígenas. Até me arrepio quando vejo igrejas cristãs tentando configurar famílias indígenas no modelo ocidental, um nítido processo de destruição das tradições e subsequente fragilização de um povo. Porta aberta à exploração destruidora da floresta.
Da mesma forma, os cristãos não aceitaram a forma comunitária dos negros no período da escravatura, tendo católicos batizando os escravizados ainda em seus países de origem, separando familiares estruturados em tribos de origem com um modelo não-nuclear, mas também comunitário. Davam-lhes nomes europeus e sobrenomes portugueses ou característicos de famílias originárias do país escravista sob o julgo de que suas almas fossem salvas de todas as possibilidades de influências de divindades malignas (herdadas da cultura africana) e valessem como referenciais de famílias da colônia - as quais, antes da Revolução Industrial, tinham como referências as dinastias e nomenclaturas (rei, rainha, príncipes e princesas, dentro de uma estrutura também nuclear) que davam sustentação às explorações de territórios e povos.
Até hoje, as religiões de matriz africanas praticadas no Brasil são demonizadas por muitos cristãos. Como bem nominou os moradores do Palácio da Alvorada em Brasília que, encabeçados em oração a partir do seu referencial cristão pela Primeira-Dama deste período atual, estavam “limpando as maldades divinas” que outros moradores que por ali passaram deixaram.
Os Pobres
Jesus Cristo defende os pobres, e, diante desta noção, há que derrubar do trono os poderosos e afastar os ricos com as mãos vazias. Assim, pelo Evangelho de Cristo, fomenta-se o modelo de uma Sociedade da partilha dos bens, onde todos viviam numa comunidade de comunhão.
Mas, no quesito dos pobres, o Cristianismo que vê no conceito de Pobre, aqueles que carecem de Espírito, onde a Fé não está relacionada à Compaixão e àqueles que passam fome de alimento real; Aqueles que associam a pobreza com a falta da prática cristã, na perspectiva da prosperidade; Mas também a prática cristã da Caridade na ideia de que, ao se manter os pobres, se manterá o exercício do ato cristão de Solidariedade;
Da Igreja que se atrela ao Poder Político-Econômico e que preconiza a máxima que “pobres sempre tereis...” (Jesus Cristo), a eliminação de tal contexto de pobreza e a oferta de condições dignas de vida geram um questionamento: Quem vai servir aos que, em nome de Deus, triunfaram pelos caminhos da prosperidade?
Homossexualidade
O Cristianismo que repudia a prática da homossexualidade, pois o modelo de casal é heterossexual, e aqueles que estão nesta prática não alcançarão o Reino dos Céus. No entanto, Jesus Cristo tinha um discípulo amado, João, e isto conduziu ao nascimento das igrejas cristãs que acolhem os casais homossexuais, pois confiam que a relação de Jesus com João era de caráter homossexual.
Em nome do Cristianismo, até a “cura gay” entra no programa para a saúde emocional pública no intuito de restabelecer um padrão de normalidade comportamental a partir do referencial definido por Deus, que fez o homem e a mulher.
Afrodescendentes
O cristianismo europeu, em um país afrodescendente, que vê nas manifestações religiosas de matriz africana, incorporações diabólicas e de caráter maléfico.
O cristianismo que, nos Estados Unidos, condenou à forca mulheres negras por ordens de pastores quando elas eram consideradas bruxas por desenvolverem rituais africanos em terras norte-americanas, podendo contaminar a fé cristã nas famílias e trazer o mal dentro das casas.
Diabo
Cristianismo este que foge da tentação do Diabo e que, para estar com Jesus no coração, discute mais a presença do Demônio do que do próprio Jesus Cristo. Do Inimigo de Deus que está em todo lugar e apavora, levando diversos cristãos a carregarem a cruz fixa no peito como forma de repeli-lo.
Dos cristãos que veem o demônio como uma figura de linguagem, aquele que divide, diabólico, que elimina o diálogo. Onde o Diabo é a própria ação humana quando se inspira no Ódio e na crueldade destrutiva.
Salvação
Cristianismo que conduz à Salvação pelas boas ações, e, nesta lógica, o Reino de Deus é para os humanos de boa vontade, onde o Amor está acima de tudo;
Dos cristãos que creem que a Salvação se dá pela prática dos rituais religiosos e pela quantidade de rezas que se faz ao longo da vida;
Do cristianismo que julgará pelas bem aventuranças na prática da Justiça, e, com isso, uma vida calcada na prática dos Direitos Humanos e do exercício da Ética Cidadã;
Pelo poder de se ter ganho dinheiro ao longo da vida e a prosperidade terrestre, se encontrará com a prosperidade celestial.
Sexualidade
Cristianismo que prega a Castidade e, com isso, o crédito aos namorados e noivos que chegam virgens ao casamento;
Cristianismo que entende que a Castidade só está para o órgão genital feminino, autorizando com isso, o sexo anal ou oral antes do casamento para algumas orientações de pastores em algumas nominações cristãs norte-americanas;
Do cristianismo que entende que ao homem é autorizado ter várias mulheres; E dos cristãos que está reservado a terem apenas uma mulher;
E dos outros cristãos, que entendem que o Casamento pode acontecer com pessoas do mesmo sexo, tendo inclusive lideranças religiosas que são de união homossexual.
Um desejo semelhante, mas para olhares diferenciados e com isso ações divergentes.
E aí vai se arrolando as várias formas de se ver Jesus Cristo e vivenciar este tal Cristianismo, pulverizado em centenas e milhares de partes e formas de viver a religião. Um desejo semelhante, mas para olhares diferenciados e com isso ações divergentes.
Mesmo que se tenha a Bíblia como referência para embasar as ações, temos aqui um outro problema: A Bíblia, ao longo dos anos e pelas variações de denominações cristãs extremamente polarizadas e diversificadas, foi sendo reescrita e adaptada em alguns textos para respaldar conceitos e procedimentos ou conveniências. A Bíblia, que se mantém historicamente a mesma após a Reforma Protestante, é a que em comum acordo se definiu entre Luteranos, Calvinistas e Católicos Apostólicos Romanos e que será encontrada nas Igrejas que mantiveram-se fiéis a estas Igrejas Históricas. Por isso, que sempre falo: “me mostra lá na bíblia onde está escrito isso ou aquilo...”
Diante das manifestações religiosas em um país eminentemente Cristão, mas na qual não conseguimos identificar que Cristianismo é este, como fica os que não creem? Os de base espiritista, que não tem o Evangelho de Jesus Cristo como referência? Os que seguem religiões de matrizes africanas, tão demonizadas pela maioria dos praticantes do cristianismo?
Imagine então como ficam os dois terços da humanidade que não seguem Jesus Cristo e, na sua maioria, creem na reencarnação.
Ainda bem que, dentre muitas manifestações religiosas durante esta campanha, onde não-praticantes se intitulam praticantes e outros que já eram praticantes se deixaram levar por emoções eleitorais (como numa final de Copa do Mundo), alguns poucos veem Jesus Cristo como um ser MISERICORDIOSO. Aquele que, na Cruz, antes de seu último suspiro, clamou ao Pai: “...Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem...”
Mas a infelicidade estará sendo engendrada naqueles que escolhem viver uma religião sem fundamento histórico e convicção pessoal. Aqueles entram para uma religião para suprir limites e carências emocionais, pois tendem a se tornar mais instáveis e com transtornos emocionais que podem, inclusive, ser um caminho para o Radicalismo e para o Fanatismo.
Na minha forma de ver - e que a própria Psicanálise de alguma forma nos ajuda a entender - não podemos dizer que existe o Certo e o Errado no campo religioso. O que existe é a escolha que se faz. Dependendo do lado que escolho, alguns estarão errados e outros certos.
Assim, confundir religião com política gera um sério problema para as práticas cotidianas, pois na religião, sigo a moral religiosa; e na política, por sua vez, devo seguir a moral constitucional. Assim, quando em nome de Deus, digo que posso matar, em nome da Constituição Federal eu posso ser preso caso o faça. Se digo a um cidadão que ele está no pecado por ser homossexual, estou infringindo a moral constitucional pelo crime de homofobia.
Por isso mesmo que Marx já disse que a “religião é o ópio do povo”, principalmente se estiver servindo de base para procedimentos que remetem a uma estrutura social no coletivo. Esta mistura de religião com política no Brasil reflete o quanto estamos atrasados na construção de um Estado de Direito genuinamente democrático. Porém, só temos ainda um pouco mais de 500 anos de processo civilizatório e uma História ainda curta de Democracia.
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O que chamo de problema nas religiões é a lógica imposta por cada crença doutrinária, e vc explicitou isto muito bem na sua análise. O pastor sociologo Elter Dias Maciel usava uma expressão que justifica so meu ponto de vista os erros das logicas doutrinárias, o termo era "Passado móvel" ou seja, as doutrinas se baseiam-se na leitua da Bíblia escrita a milhares de anos atrás, e não consideram as mudanças e avancos culturais dos povos e com diferenças entre países, ou seja ler e querer manter a cultura de séculos passados na atualidade é nao considerar e compreender a evolução humana. Tipo os pentecostais não aceitarem ate hoje que mulheres não usem calças compridas, somente vestidos, e não usar cabelos curtos, e mais uma série de loucuras impostas por líderes evangélicos e católicos que não cabem mais na sociedade atual. Parabéns pela sua perfeita análise! |
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Muito boa sua reflexão, você descreveu com conhecimento sobre a maior parte de tudo o que ouvimos no Brasil nos últimos tempos em relação a política e religião, uma mistura desnecessária e infeliz causada por tantos que se acham merecedores de atenção acreditando ter razão a partir do que pensam ser o certo! Infelizmente a maior parte desses questionadores, "ditadores", não têm estudo aprofundado para discutir sobre suas ações e pensamentos, o que possuem de concreto e declaram sem cessar vem de um texto pronto divulgado por um líder despreparado, sem caráter, com intenções de destruição da sociedade, e que prega de forma desumana o conflito e a violência. A partir disso, ninguém mais se entende e nem se aceita! E o único resumo que consigo fazer é que ainda precisamos desenvolver muito nossos conhecimentos sobre várias coisas, somente assim conseguiremos nos libertar para viver principalmente o amor ao próximo que deveria ser a base de toda religião.
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Religião 04/11/2022 16:10:56 424
Este texto é decorrente doprocesso eleitoral para presidente no ano de 2022. Uma disputa onde o camporeligioso esteve em primeiro lugar, tanto para angariar votos quanto para seusufruir de valores religiosos de modo que cada candidato fosse tido como o melhorou pior, o mais ou menos perigoso. Desta maneira, as propostas e programas degoverno em si ficaram em segundo plano, tendo seu lugar no deba...
Psicanálise Contextualizada 27/10/2022 10:34:54
Este texto foi escrito em comemoração aos 30 anos de vida do meu filho mais velho, Samuel Iauany.
A chegada dos 30 anos de vida marca um momento de extrema importância na vida humana que é, ao menos dentro de estimativas e expectativas, o encontro com a plena maturidade biológica, psíquica, social e espiritual. Sabemos que nosso existir é traçado por etapas dentro de vários aspectos do desenvolvimento biológico, emocional e cognitivo, partindo da primeira infância e cruzando um trajeto marcado por segunda infância, pré-adolescência, adolescência propriamente dita, juventude, vida adulta até a fase idosa e a morte. A média de vida humana no Brasil é de 78 anos para mulheres e 74 anos para homens.
Nossa, chegou. Ufa!
Uma boa sensação por ver um filho chegar aos 30 anos. E chegar vivo, visto que muitos não conseguem fazê-lo por motivo de morte prematura. Depois, de notar como está, se autônomo ou ainda tentando um lugar ao sol num cenário brasileiro de jovens sem emprego, sem possibilidades de estudar e sem perspectivas profissionais.
Depois, se escolheu constituir família ou não, qual a condução de vida que construiu. Assim, a percepção de que aquilo que, como pais, projetamos desde o nascimento para o futuro deles, e que agora já possui a sua própria posição e escolhas. E se deparar com as escolhas do filho que podem não ser as mesmas escolhas do pai. Enfim: Reconhecer o distanciamento natural da maioridade plena, pontuada pelo fim da juventude aos 29 anos e pela plena possibilidade de assumir seus próprios atos.
30 anos e a plena entrada na vida adulta!
Eis que temos um legado da tradição judaico-cristã que nossa Sociedade absorveu com o Cristianismo: Jesus Cristo, um Judeu que, na sua tradição, podia assumir a vida pública a partir dos 30 anos. E é por este motivo que toda a narrativa cristã, a partir dos Evangelhos, descreve a saga de Jesus só a partir dos 30 anos, tendo um único fragmento de Jesus aos 12 anos, narrado na passagem de Jesus no templo pelo Evangelho de São Lucas pela caracterização também judaica do término da infância.
Nesta tradição, os trinta anos representam, de fato, a plena entrada na vida adulta. Agora já não é mais filho, mas um adulto que segue plenamente suas escolhas.
Se esta percepção é entendida pelos pais nesta nova etapa de vida do filho adulto, que já não precisa mais de um pai (principalmente se este já for pai também), o motivo de celebrar os 30 anos do filho se torna de puro agradecimento e plena felicidade. No entanto, se nesta etapa, o controle existencial sobre as escolhas do filho, seus atos e até sua situação financeira ainda bate à porta dos pais, os 30 anos passam a representar a angústia da perda e da morte. Principalmente se o filho assumiu seu projeto de vida e conseguiu se desvencilhar do pai.
Celebro a chegada dos 30 anos do meu filho Samuel em pleno momento em que, na campanha presidencial de 2022, há forte proposta da redução da maioridade penal de 18 anos para 16 e 17 anos por parte de um dos candidatos sob o argumento de que possa diminuir a violência no Brasil. Uma falácia que só trará ainda mais para baixo a busca por adolescentes para que entrem no crime (os de 14 e 15 anos) - Busca esta arquitetada por adultos que usam a juventude como massa de manobra no crime organizado. Tipo: “A culpa é dos jovens”.
E aqui aponto esta questão, visto que ela faz enorme diferença no processo de condução de crianças e jovens para chegarem a plena maioridade aos 30 anos, pois inverte-se as responsabilidades, jogando para aqueles que ainda estão em processo de formação, antecipando forçosamente responsabilidades para quem ainda não está plenamente amadurecido para tal.
Tal fator só fará o Estado se ausentar de suas responsabilidades de cuidar da juventude de seus cidadãos e de seu dever em dar-lhes totais condições para sua evolução natural até a plena maturidade, a tirando da cena do crime e colocando na Escola. Esta bomba no processo educacional dos filhos vai sobrar para a esmagadora maioria empobrecida. O filho de quem vai ficar preso? Do pobre, ou do rico? E aos que possuem estrutura econômica de proteger seus filhos, vai acentuar ainda mais o protecionismo educacional e, consequentemente, o processo de extensão do período maturacional dos mesmos.
Se o filho chega aos 30 anos, qual seria a melhor posição de um pai?
De não vê-lo mais como filho, na condição de quem ainda precisa de cuidado. Mas, sim, enxergá-lo como um amigo. Um parceiro na caminhada. Deixar de ser filho, pela genética, é impossível. Filho sempre será. Mas, na condição de proteção, o filho morre. Pode-se, para que esta elaboração seja melhor entendida, nominar que nasce um amigo/filho.
Lógico que será parceiro de caminhada se, na história de tal caminhada, o pai se fez parceiro. Se não se colocar presente e ao lado até chegar à plena vida adulta, provavelmente o pai ficará na mão, perderá o filho de qualquer maneira e ainda perderá a oportunidade de tê-lo como parceiro de caminhada.
Ao chegar aos 30 anos, um filho ainda não se sente maduro o suficiente para assumir a sua plena vida adulta. E isto já pode ser um sintoma de não-evolução. Lógico que, para toda a regra, há exceções, especialmente se tratando de processos educacionais e de vidas humanas. Aqui, o tempo por muitas vezes, é relativo. Porém, não podemos perder de vista o que é minimamente esperado no processo de formação do ser humano.
Em 28 de outubro de 2022, Samuel Iauany, que completa seus 30 anos, vem para meu referencial como um amigo, parceiro de caminhada. Pai da Luna e companheiro da Gabriela. Uma outra família que se estabelece e na qual desejo continuar unido nos vínculos afetivos.
Agora, mais uma família nesta configuração social em que ter famílias amigas ao redor é sempre bom.
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Psicanálise Contextualizada 27/10/2022 10:34:54 199
Este texto foi escrito em comemoração aos 30 anos de vida domeu filho mais velho, Samuel Iauany. A chegada dos 30 anos de vida marca um momento de extremaimportância na vida humana que é, ao menos dentro de estimativas eexpectativas, o encontro com a plena maturidade biológica, psíquica, social eespiritual. Sabemos que nosso existir é traçado por etapas dentro de vários aspectos do desenvolvime...
Politícia e Sociedade 30/08/2022 18:03:20
Este texto escrevo a partir de minha trajetória como cidadão deste país que vive uma crise institucional sem precedentes, e onde a ameaça da democracia é real, não só especulação subjetiva.
Já na minha adolescência, na oitava série da época, hoje nono ano, na Escola Estadual Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo, São Paulo, fui aprendendo a conversar sobre política — até porque, na cidade, se cultua o escritor Euclides da Cunha pelo livro “Os sertões”. Euclides escreveu este livro na cidade de São José, durante o período em que estava se reconstruindo uma ponte metálica ali. Isso, por volta de 1898, após ser correspondente no Jornal O Estado de São Paulo, fazendo a cobertura da Guerra de Canudos (1896-1897), que dizimou aproximadamente 25 mil habitantes de Canudos pelo Exército Brasileiro, e cujos relatos deram origem ao histórico livro “Os sertões”.
Assim, nessa escola, cresci com a referência de Euclides da Cunha. A obra sociológica e de caráter político é estudada até hoje na Semana Euclidiana. O encontro de estudiosos do livro “Os Sertões”, que acontece todos os anos, no mês de agosto, foi onde pude aguçar meu olhar sobre a história política no Brasil.
No ano de 1979, escolhi entrar no “Colégio Agrícola Carolino da Motta e Silva” na cidade de Espírito Santo do Pinhal, ainda no estado de São Paulo. Em três anos me formei técnico agrícola e pude ver nos trabalhos de assistência rural o quanto o programa militar para a agricultura -“Planta que o João garante” — do governo do presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo, de 1979 a 1985 — era uma farsa: empréstimos rurais em que a oligarquia agrícola se beneficiava dos fartos empréstimos bancários para comprarem casas boas e carros de luxo. Aqui a sociedade brasileira já estava esgotada pela longa trajetória do regime militar, que era financiado por essa mesma oligarquia rural, e que começou em 1964, ano em que nasci. A promessa de ser por um período curto, a princípio para preservar o país das ameaças comunistas da época, acabou virando duas décadas.
Quando entregaram o país para a retomada da democracia, estávamos endividados, arrasados economicamente. Esse foi exatamente o ano em que entrei na universidade, para o curso de Psicologia pela UNESP de Assis-SP: em 1985 acontece a abertura política, e a reconstrução da democracia no Brasil. Na época havia dois partidos basicamente, ARENA (sob o comando dos militares) e o MDB (sob o olhar dos militares). Outros partidos foram proibidos de exercerem suas atividades. Uma democracia que ainda está frágil após 37 anos da abertura política, e que no momento encontra-se fragmentada, portanto, ameaçada.
A Democracia requer partidos fortes, será que temos?
A tentação é de achar um bode expiatório para ser o protagonista de um novo golpe militar, e com isso o fortalecimento de um ou outro político. No caso atual, o então Presidente Bolsonaro, como o ameaçador da democracia, pois ele incorpora este papel muito bem encenado com seu traço de extrema direita. E, do outro lado, o ex-presidente Lula, que vem como o salvador da democracia. Logo, neste cenário, tornamo-nos cegos para ver que a democracia está ameaçada pela fragilidade partidária no país.
A Democracia requer partidos fortes, com clareza de posturas, compromissos e ações. Partidos com estatutos bem definidos, que seguem os critérios regulamentares da constituição para existirem e que tenham seus membros comprometidos com a ideologia que pregam. Não tem como conceber partido político sem ideologia, uma lógica que vem sendo desfigurada, como se ideologia fosse um problema. Não existe partido sem ideologia.
Mas em 37 anos, após 21 anos sem partidos novos ou antigos poderem exercer seu papel, tendo apenas dois partidos no controle dos militares, emerge uma configuração partidária de 32 partidos políticos legalizados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022. A Democracia é a coexistência das diferenças ideológicas representadas pelas suas partes/particularidades, o que deveria estar definido nos partidos políticos regulamentados. Na Democracia tem que conviver desde a extrema direita, passando pela direita, centro-direita, centro-esquerda, esquerda e extrema esquerda. Se não for assim, não veremos Democracia acontecer. E a porta ficará aberta para a intransigência de diálogos e a ascensão de ditadores. Tudo bem que na história do Brasil temos mais tempo sendo comandados por totalitarismos do que por democracias. Isso por si só pode ser um fator relevante para a configuração de uma república democrática de fato.
Prostituição partidária
Na eleição de 2022 vemos desfiguração de identidade dos partidos que observamos em seus membros. A maioria sequer leu o estatuto do partido e muitos deles foram filiados por um sistema profissionalizado de se fazer partido no Brasil, devido à verba pública que os partidos podem abocanhar para se estruturarem (tem muita gente por aí que nem sabe que está filiado a um partido). Podemos observar assim, o que chamo de prostituição partidária, na qual vemos gente de extrema direita em partidos socialistas, gente de esquerda em partidos de direita. Alianças partidárias que, nas suas cidades e estados, não coadunam com as alianças para a campanha presidencial. Em nome do ganhar uma eleição, abre-se para todo tipo de configuração.
Um tabuleiro que se forma nada parecido com um jogo de xadrez, pois no xadrez, há um fim cheio de estratégias; mas este tabuleiro mais parece um labirinto que está nos levando ao abismo. Cresce a base de políticos do “centrão”, que na verdade governam este país desde a primeira eleição pós- regime militar (1989), depois da promulgação da constituição de 1988 — e desta atuei coordenando o Grupo de Participação Popular na Constituinte da cidade de Assis-SP, onde coletamos 22 mil assinaturas de eleitores para a emenda “Participação Popular”, que conseguiu ser inclusa na Constituição.
Assim, diante desta fragilidade partidária e prostituição em que não se liga a pessoa de um partido à ideologia que este partido prega, pois muitos dos “chefes” de partidos aderem às siglas partidárias em seus municípios. Tudo isso conforme a força financeira e interesses pessoais, passando esses líderes a serem os “donos” de seus partidos nas suas cidades, e a nível de confederação, um partido com forte representação vai ter uma fragmentação de pessoas, de todas as faces e facetas. Uma base estruturante abalada, como uma casa construída sem alicerce e ou na areia.
Sabemos que em uma eleição há alianças estratégicas. Assim acontece em muitos outros países democráticos, porém com clareza de quem é quem nestas estratégias. Podemos citar como aconteceu mais recentemente em Portugal, onde a atual presidência é um conglomerado de partidos de centro-direita à esquerda, numa articulação que trouxe estabilidade à democracia daquele país. Mas no Brasil esse cenário se complica exatamente porque pessoas passaram a valer mais do que partidos na hora de votar. Mesmo sabendo que hoje, no Brasil, o mandato é do partido, vemos a baila dos nomes quando chega a janela eleitoral que permite a troca de partidos. Os partidos se enfraquecem, nascendo, então, muitos partidos já frágeis, e ressaltam-se, com isso, nomes, pessoas.
Votar em partidos ou em pessoas?
Eu sempre votei em partido, conforme aprendi na política, dentro desta perspectiva democrática, e hoje, com esta prostituição de pessoas nos diferentes partidos e a falta de critério destes para escolha de filiados e, pior ainda, com um nome que deseja ser candidato, que muitas vezes é aceito pela força econômica que representa,fica muito difícil definir qual partido realmente tem uma cara definida.
O que vemos acontecer: A derrocada vertiginosa do estado democrático.
Votar em quem: em pessoas? Em partidos? quais? Em conveniências, para hoje se derrubar um possível ditador que emergirá em um outro momento lá na frente? Ou votar no fortalecimento do estado de direito democrático? Vou por este caminho, é o que nos resta.
Acho que do jeito que andam nossas estruturas partidárias, esta é uma reconstrução para mais uns 500 anos.
Como já dizia o indígena atrás do coqueiro assistindo à primeira Missa celebrada pelo Bispo Henrique de Coimbra, em 26 de abril de 1500, na praia de Coroa Vermelha em Santa Cruz de Cabrália, no sul da Bahia, que com os punhos cerrados, e braços cruzados afirmava: “- Não vai dar certo! Não vai dar certo!”, e pelo visto ainda não deu.
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Parabéns pelo texto, Gerson! Uma análise franca e com muita propriedade de quem, como cidadão viveu e vive, como nós, sob os constantes ataques à nossa frágil democracia. |
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Politícia e Sociedade 30/08/2022 18:03:20 406
Estetexto escrevo a partir de minha trajetória como cidadão deste país que vive umacrise institucional sem precedentes, e onde a ameaça da democracia é real, nãosó especulação subjetiva. Jána minha adolescência, na oitava série da época, hoje nono ano, na EscolaEstadual Euclides da Cunha, em São José do Rio Pardo, São Paulo, fui aprendendoa conversar sobre política — até porque, na cidade, se cu...
Politícia e Sociedade 11/08/2022 14:48:27
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Ótima reflexão! Parabéns! Precisamos nos desconstruir! |
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Reflexão excelente!
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Perefeito, a estrutura machista, eurocentrica e religiosa conservadora cria essa sociedade atual e dividida pelo ódio. Cultura e educação será sempre a única saída para uma sociedade inclusiva.
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Excelente
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Politícia e Sociedade 11/08/2022 14:48:27 395
Para pensar o Dia dos Pais, quero refletirsobre um olhar diferenciado da concepção de paternidade que asociedade machista foi configurando ao longo de nossa história embranquecida eeuropeizada, que sempre passou a ideia de que pais ensinam e filhos aprendemcom os pais. Contexto histórico que desencadeou essa estrutura de pai e comando O tempo é para vermos este processo de relação dos...
Psicanálise Contextualizada 11/08/2022 11:09:39
O dia cinco de agosto de 2022 ficou triste pelo falecimento de Jô Soares, mesmo antes de sua morte ele tendo pedido que, ao morrer, aqueles que o consideram celebrassem o dia fazendo um brinde. Não podia deixar de ser uma indicação de um Humorista por vocação, que o dia de sua morte fosse momento para festejar. Aqui, quero apenas registrar minha homenagem ao Jô descrevendo três importantes ensinamentos dele que levo para a minha vida e que, de alguma forma, pautaram a construção de minha carreira profissional.
Valorizar o riso, a alegria
Ainda na minha adolescência, entre 1981 a 1985, desenvolvi personagens de humor para apresentar em eventos de grupos de jovens, dos quais participava pela Igreja Católica da Paróquia de São José do Rio Pardo-SP, onde me inspirava nos personagens do Jô, pelo programa “Viva o Gordo” na TV brasileira. Não perdia um. E, até hoje, quando sou solicitado para ministrar palestras de Psicologia, sempre faço umas tiradas engraçadas, às vezes até desenvolvo umas falas caricaturadas. Sempre dentro de um humor contextualizado, que fala, conscientiza. O Humor de Jô Soares sempre teve uma conotação reflexiva, nunca era humor pelo humor apenas. Mas sim, as reflexões, mesmo com uma conotação crítica, ficavam suaves.
Ser um leitor de conteúdos diversos, sede de conhecimento.
Jô Soares se colocava nas suas diversas formas de se apresentar, Humorista, Apresentador, Escritor, Músico, etc, como uma pessoa que pautava sua postura profissional pelo conhecimento. Gente, o cara lia de tudo e conhecia muito de muita coisa. Não era um especialista, mas um sujeito que passou para mim a ideia de “sede de conhecimento geral”. Por isso, ao se tornar apresentador, conseguiu fazer uma longa carreira com um grande público, pois sabia entrevistar como ninguém. Vejam a longa data do programa “Jô Soares Onze e meia” e depois “Programa do Jô”, que percorreram entre 1988 a 2016.
A Psicologia requer uma grande habilidade em entrevistar pessoas, por isso é uma profissão que se aproxima muito do Jornalismo. Neste sentido, pautei minha construção profissional buscando informações gerais, sempre durante a Universidade (UNESP de ASSIS-SP) assinei jornais de circulação nacional e os lia diariamente, assim como sempre tracei metas de leituras de livros mantendo diversidade de temas, desde os acadêmicos, aos espirituais e literários. Atender em Psicanálise um diversificado público requer amplo conhecimento geral, se não nossa escuta fica “manca”. E o Jô sempre foi uma referência quando eu tinha aqueles momentos de querer ficar de papo pro ar sem, ler nada, sem estudar, coisa que ficou mais desafiadora com a emergência da internet na palma da mão.
Ser múltiplo
Este ensinamento é um dos principais, pois no programa “Jô Soares Onze e Meia”, que nunca começava no horário, um de seus entrevistados - que não lembro quem agora - perguntou ao Jô como ele conseguia fazer várias coisas diversificadas ao mesmo tempo. E ele deu uma resposta que passou a ser um mantra para a minha vida, ele disse que não fazia diversas coisas, mas que fazia uma única coisa que é a comunicação. Disse ao entrevistado: “...sou uma pessoa da comunicação (...) a diferença é que comunico de diferentes formas...”. Desta resposta, procurei sempre fazer muitas coisas diferentes, potencializar múltiplas habilidades e na minha profissão me especializei em três áreas que aparentemente são distintas: Clínica pela Psicanálise, Educacional e Gestão de Pessoal-Organizacional, mas que na verdade são uma mesma coisa, a Psicologia. Tudo bem que atuo com muito foco na clínica, porém com amplo conhecimento nas três áreas. Hoje, inclusive, criei um método para acompanhamento de executivos, que denomino “Psicologia das Múltiplas Competências”
Sem dúvida, Jô Soares é uma destas personalidades que sempre esteve fora da curva, a meu ver, um gênio. O Brasil perde a sua presença, mas terá o legado de sua obra marcado na história. Ainda degustaremos por muitos anos os ensinamentos de Jô Soares.
De onde você estiver Jô Soares, rogai, olhai por nós. Muito obrigado por tudo!
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Psicanálise Contextualizada 11/08/2022 11:09:39 440
O dia cinco de agostode 2022 ficou triste pelo falecimento de Jô Soares, mesmo antes de sua morteele tendo pedido que, ao morrer, aqueles que o consideram celebrassem o diafazendo um brinde. Não podia deixar de ser uma indicação de um Humorista porvocação, que o dia de sua morte fosse momento para festejar. Aqui, quero apenasregistrar minha homenagem ao Jô descrevendo três importantes ensinament...
Politícia e Sociedade 10/05/2022 15:54:49
Este foi o meu sentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos. Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateia que lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de mais de 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último crédito finalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando nomes de negros assassinados pelo equipamento policial racista, ela chorando em prantos. Eu, com a vergonha de minha raça e ancestralidade europeia (português e espanhol).
O filme conseguiu trazer o racismo manifesto e estrutural dos brancos no Brasil, com os fragmentos sutis e/ou escancarados que fazem parte do cotidiano brasileiro nas relações entre brancos e negros. Expressões como: “Eu não sou racista, tenho até amiga íntima que é preta...”; ou cenas de ambientes nos quais supostamente um negro não poderia estar, como em um condomínio de classe média, em um bar de elite, etc. Dentre muitas expressões que a linguagem cinematográfica faz emergir de forma escancarada, o filme fez emergir a simbolização do racismo brasileiro.
Outro elemento é a omissão dos brancos, mesmo daqueles que se colocam na posição de antirracistas, mas que na hora de se posicionar, silenciam-se. Assistem passivamente a ação de um governo ditador, sem se rebelarem contra tamanha crueldade que a “medida provisória” estava provocando. Esta passividade que revela um racismo estrutural latente, no filme emerge com toda força.
Uma distopia quase que “hilariante”
Imagine o Brasil tendo a população negra expulsa sumariamente para países do continente africano com o argumento que estavam sendo reparados pelos 330 anos de escravatura, e que estaria sendo dada aos negros a liberdade de retornarem para suas origens, suas terras. Uma distopia quase que hilariante, que ao assistirmos o filme, ficamos pensando se esta ficção poderia ser um dia realidade. Mas as ficções resultadas de uma produção artística, como é esta magnífica obra, normalmente são como uma profecia. E não precisamos ir muito para o amanhã para imaginar que a distopia do filme já é um fato. É só olharmos para as praças e avenidas com centros comerciais espalhados pelo Brasil, entre as médias e grandes cidades, que veremos os negros sendo expulsos do sistema na condição de moradores de rua. Ou se olharmos nas milhares de comunidades periféricas que o Estado esta ausente em saúde, educação, saneamento básico, mas presente em repressão policial e genocídio autorizado em nome desta pseudo-segurança que os governos brancos oferecem. Também estão excluídos do sistema eleitoral, vejam as chapas sendo formadas para esta eleição de 2022, onde estão os negros?
É preciso despertar nossa indignação para a ação!
Toda a produção do filme trabalhou com elementos de estudos antropológicos, sociológicos, históricos e econômicos, a partir da força de muitos pensadores e pesquisadores negros que começam a ter voz neste país. Vejo crescer a força do movimento negro, nas diversas formas de organização: a economia solidária nas comunidades periféricas; a produção acadêmica nas universidades públicas; o fortalecimento do feminismo negro; a literatura dos escritores negros aparecendo com a força e a espiritualidade dos ancestrais africanos; as religiões de matriz africana apresentando com força nos milhares de terreiros que se espalham pelo Brasil afora (que na minha percepção atingem mais pessoas do que as religiões de base cristã europeia).
Enfim, da profecia de Lélia Gonzalez de que o Brasil se tornará um país negro na sua essência e institucionalização. Mas sabemos que o racismo branco europeizado, e toda política de embranquecimento da população brasileira com a falácia da democracia racial, vai exigir muita luta, muita resistência e muita organização. Pois a elite branca e a classe média branca não vão querer dividir equitativamente o bolo econômico.
Minha vergonha após o filme fortaleceu ainda mais meu desejo de estar na luta por uma nação antirracista, que galgue na luta do povo negro à equidade quantitativa de direitos: no congresso nacional, nas escolas, nas universidades, nos cargos de direção empresarial, nos postos públicos de alta representatividade nas diferentes instâncias executiva, judiciária e legislativa.
Que o filme “Medida Provisória” consiga, de fato, provocar a população brasileira para ficar indignada com o racismo presente em todos os cantos deste país. Um racismo que precisa ser visto, e no filme, além de mostrar, nos faz sentir, se emocionar e desejar a transformação que acontecerá com ações de todos e todas nesta construção de um país em que o racismo seja extirpado de nosso vocabulário.
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Politícia e Sociedade 10/05/2022 15:54:49 655
Este foi o meusentimento ao término do filme “Medida provisória”, dirigido por Lázaro Ramos.Fazia tempo que ao assistir a um filme, ficasse estagnado na poltrona. A plateiaque lotou a sessão aplaudiu fervorosamente, e olha que era um público de maisde 70% de brancos. As pessoas só saíram de suas poltronas após o último créditofinalizar a exibição do filme. Ao meu lado um casal negro, ele puxando...
Religião 14/04/2022 17:37:04
Este texto, faço a partir de uma matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, no dia 10/04/2022, com o título:“Jesus sofreu abuso sexual antes de ser crucificado, afirma teólogo”.Mesmo a matéria trazendo a confirmação da pesquisa teológica do teólogo inglês David Tombs, da Universidade Georgetown, entendo que gera muitos questionamentos por parte dos Cristãos Católicos em tempo de Semana Santa, por ser um evento genuinamente Católico que, inclusive, não é celebrado pela maioria das Igrejas Cristãs Evangélicas no Brasil. Questionamentos do tipo: por que se apegar a esta demanda sexual em plena Semana Santa, pois o tríduo pascal, que configura as celebrações de quinta a domingo de Páscoa, tem ênfase no sofrimento e ressurreição?
Segundo o teólogo David Tombs, a partir do Evangelho de Marcos (15:15-20), fragmentos do texto revelam a exposição de Jesus a uma tortura onde lhe foi retiradas suas vestes, ficara nu, e a coorte foi chamada para o ritual desta tortura, sendo que, na época, a coorte era composta por 500 soldados, que “...e posto de joelhos o adoraram...”. Uma cena que, ao olharmos por estes fragmentos da narrativa, podemos entender que, de fato, este tipo e perfil de tortura de expor a vítima ao nudismo, é uma forma de humilhar. Tombs fez uma pesquisa a partir dos referenciais da Teologia da Libertação, que teve sua força na década de 1980-90, tendo como base as formas de tortura nos regimes totalitários e em períodos de golpes militares na América Latina, como aconteceu no Brasil. O método de deixar a vítima nua e agredir ou flagelar órgãos genitais é comum em diferentes períodos e regiões do mundo, inclusive era característico no Império Romano, onde as crucificações aconteciam com a vítima nua.
Tombs deixa a seguinte pergunta: “O que pode ter ocorrido após o desnudamento?”. Uma questão que numa leitura movida pela saga da Paixão de Cristo, não leva os fiéis a se desdobrarem na/da cena, para derivar em uma contextualização e ao mesmo tempo em um significado. Estas perguntas que nos fazem debruçar sobre os textos bíblicos, de fato, não são incentivadas pelas instituições cristãs atuais que só desejam fomentar a fé para seu nicho de vivência e interesses, principalmente no cenário brasileiro, no qual a religião tem fomentado mais ódio e discriminações do que a essência do Evangelho de Cristo, que é a prática do AMOR. E quando não se presta a isso, apenas mantém uma fé cega sem questionar e apegada em rituais.
Uma teoria espinhosa, mas que pode abrir os nossos olhos
Na matéria da Folha de São Paulo, Tombs afirma que: “...Como uma interpretação do texto pode ajudar as pessoas? O que importa é a teologia que tem efeitos, e não aquela que anda em círculos”. Manter um povo emergido no analfabetismo funcional e, assim, numa prática religiosa de manutenção dominante da elite conservadora, isso sim é uma teologia que anda em círculos. Porém, este tema de Jesus Cristo ter sido vítima de abuso sexual, também incomoda as corporações institucionais religiosas, principalmente as de base cristã, que há décadas escondem por “baixo do tapete” crimes de abuso sexual cometidos por lideranças religiosas a seus fiéis, principalmente crianças e mulheres.
Com a emergência do Estado laico, e o crescimento de movimentos sociais que buscam justiça às vítimas de abusos sexuais dentro de instituições religiosas, esta hipótese levantada por Tombs faz vir à tona todos estes debates que escancaram instituições até então tidas como sérias e sem máculas, principalmente na Igreja Católica. Na matéria da Folha é lembrado o relatório de uma comissão independente na França que apontou que a Igreja Católica francesa abrigou 3.000 padres pedófilos que vitimaram aproximadamente mais de 200 mil crianças, de 10 e 13 anos de idade, entre 1950 a 2020. Este cenário, hoje, acontece em todo o mundo. Eu sou praticante católico e como psicólogo já presenciei muitas situações de abusos sexuais acometidos por lideranças religiosas onde as vítimas não tinham como recorrer, e por serem fiéis pertencentes a uma comunidade católica tinham receio de denunciar, para não depreciar a imagem da Igreja e, ao mesmo tempo, não serem isoladas pelos membros da comunidade. Por várias vezes procurei orientação de Juízes e Promotores para viabilizar denúncia, mas sempre esbarramos na falta de um sistema judiciário que realmente desse vazão para as queixas das vítimas, além das famílias nunca terem coragem de denunciar um líder religioso, deixando nossa intervenção amarrada.
Mas, são tantos os casos de abuso sexual que já não tem como esconder e, assim, as denúncias tomam visibilidade. E também por termos os movimentos sociais atentos e mais organizados para denunciar e exigir julgamentos para os criminosos. Na Igreja Católica e em alguns movimentos de espiritualidade que são ligados a ela, que são liderados por pessoas consagradas de forma celibatária ou não, principalmente hoje em dia com a emergência de comunidades de vida a partir do carisma vinculado à Renovação Carismática, o que acontece geralmente quando surgem denúncias de abuso sexual por parte de alguma liderança, principalmente com crianças e jovens, é afastar o criminoso e desová-lo para a sociedade. Ele deixa de estar no grupo religioso, ou na paróquia, mas vai ficar livre para continuar abusando de alguém. Não conheço caso em que um Bispo de uma Diocese ou uma direção de um movimento tenha denunciado o criminoso ao Ministério Público. Oras, se o caso chegou a ser digno de extirpar o agressor do grupo ou da instituição, então por que não denunciá-lo?
Usar da religião para benefícios pessoais é o máximo da perversidade.
Desta forma, o tema que parece tão espinhoso, é de fato uma realidade. Lendo o argumento do Teólogo Tombs, posso afirmar, sim, que Jesus foi vítima de abuso no seu flagelo da Paixão. E que o cenário traz elementos diversos a serem debatidos, como: a repressão sexual que as instituições religiosas sempre pautam suas formações morais; a tendência sadomasoquista dos torturadores; a covardia do coletivo militar, que vemos nitidamente em nossas comunidades periféricas, quando a polícia chega toda armada e com grande quantitativo de soldados para matar jovens negros; a questão do coletivo de machos, que na sua essência são homofóbicos, mas que adoram estar degustando de gozo coletivo na desgraça alheia; e o quanto o coletivo dos machos reunidos revela uma perversidade que escamoteia a homossexualidade latente destes que se colocam como héteros/machos, mas que adoram um coletivo masculino de perversidades sexuais (vejam os botecos e os estádios de futebol). A homossexualidade do outro incomoda a bissexualidade deles não assumida. Desta forma, imaginem 500 soldados tirando uma lasquinha de escárnio diante de um Jesus nu, sendo torturado.
Pensar nesta perspectiva do abuso sexual de Cristo na saga da Semana Santa é dar vida ao Evangelho contextualizado no hoje. E o hoje tem múltiplas formas de abuso sexual, em crianças, adolescentes, mulheres, e de todo sofrimento da comunidade LGBTQIA+, uma demanda crescente que não pode ser desconectada da verdadeira mensagem Cristã que é o Amor e a Justiça. Que se faça justiça na defesa das vítimas e que este movimento construa processos de prevenção para que esta forma de crime não chegue a acontecer.
Uma Semana Santa apenas para suprir demandas ritualísticas é a exacerbação obsessiva e compulsiva que tanto estimulam as práticas religiosas sem significados, e também é a manutenção de uma fé cega, que não transforma. Enfim, é um pacto pela “loucura no coletivo”, pelo gozo no Divino. Aliás, com os escândalos dos líderes religiosos no esquema do ministério da educação no governo federal atual, haja gozo para o próprio bolso. E usar da religião para benefícios pessoais é o máximo da perversidade. Como o é para o suprimento de fantasias sexuais.
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Religião 14/04/2022 17:37:04 681
Estetexto, faço a partir de uma matéria publicada pelo Jornal Folha de São Paulo,no dia 10/04/2022, com o título:“Jesussofreu abuso sexual antes de ser crucificado, afirma teólogo”.Mesmoa matéria trazendo a confirmação da pesquisa teológica do teólogo inglês DavidTombs, da Universidade Georgetown, entendo que gera muitos questionamentos porparte dos Cristãos Católicos em tempo de Semana Santa, p...
Politícia e Sociedade 17/03/2022 15:00:53
“...O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.”(Jesus, 2014, p. 38)[i]
Dando continuidade a esta série “Sociedade antirracista”, para texto neste site e os vídeos no meu canal do Youtube, vou abordar o conceito pinçado por Lélia Gonzalez[ii] “Neurose Cultural Brasileira”.
Elaborando um conceito
Lélia Gonzalez, ao recorrer da psicanálise a partir de Lacan dentro da estrutura psíquica do ‘sujeito suposto saber’, lembra-se das mães pretas, que pela atuação como mucama“...que a mulher negra deu origem à figura da mãe preta, ou seja, aquela que efetivamente, ao menos em termos de primeira infância (fundamental na formação da estrutura psíquica de quem quer que seja), cuidou e educou os filhos de seus senhores...”(GONZALEZ, 2020, p. 54). Na teoria Lacaniana o sujeito suposto saberestá relacionado com as pessoas que nos identificamos no imaginário e que idealizamos, assumindo e identificando os valores destes como nossos.
Como afirma Lélia, ao esclarecer este conceito Lacaniano trazendo para o contexto da mulher negra na história do Brasil: “...No caso da criança, a mãe é vista como sujeito suposto saber, uma vez que lhe atribui um saber quase que onisciente. Ora, na medida em que a mãe preta exerceu a função materna no lugar da sinhá (que na verdade só fazia parir os filhos), inclusive amamentando os filhos da mesma, compreende-se o que queremos dizer (Lacan, 1966).(1980).” (GONZALEZ, 2020, p. 54).
Assim, Lélia afirma, a partir deste processo das mães pretas, que a cultura brasileira é eminentemente negra, mas que faz prevalecer o racismo, pois o sistema bloqueia qualquer forma de ascensão do negro na sociedade. E conclui:“E, se levamos em conta a teoria lacaniana, que considera a linguagem com o fator de humanização ou de entrada na ordem da cultura do pequeno animal humano, constatamos que é por esta razão que a cultura brasileira é eminentemente negra. E isso apesar do racismo e de suas práticas contra a população negra enquanto setor concretamente presente na formação social brasileira”(GONZALEZ, 2020, p. 55).
Um corte na teoria de Lélia que perpassa pela cultura, economia, mulher e feminismo negro
Aqui estou fazendo um corte no pensamento de Lélia Gonzalez para chegarmos ao entendimento da Neurose Cultural Brasileira. Mas, na teoria de Lélia, toda esta percepção esta intrínseca à estruturação da mulher negra ao longo da história no Brasil pela questão do trabalho, do patriarcado colonizador português e dos desafios da mulher negra de construir sua autonomia nesta sociedade, em que elas se encontram na base discriminatória da pirâmide social. As mães pretas de ontem, são as empregadas domésticas de hoje, que passam muito mais tempo na casa de suas patroas do que em suas próprias casas. De fato, o quantitativo de mulheres domésticas negras que trabalham hoje em residências de classe B e A (94,4% - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – 2019) é muito superior às mulheres domésticas brancas.
Neste cenário, só mudou a época e o perfil da sociedade, antes colônia e hoje república disfarçada de democrática, mas as mulheres negras ainda estão no serviço de base doméstica, servindo suas patroas que na quase totalidade é branca. Mas este atual contexto continua com sua crueldade escravocrata, como observa Lélia.
Mães pretas de ontem, domésticas de hoje
Lélia Gonzalez:“Vale observar que a expressão popular mencionada... “Branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar” – tornou-se uma síntese privilegiada de como a mulher negra é vista na sociedade brasileira: como um corpo que trabalha, e que super explorado economicamente, ela é uma faxineira, cozinheira, lavadeira etc.”(GONZALEZ, 2020, p. 69). Mais um contraditório dentro da elite dominante, que ao mesmo tempo em que detém uma ‘escrava moderna’ por sua suposta força braçal, confia a ela os tratos culturais de seus filhos ainda pequenos. Aqui, neste contraditório, temos um sintoma da ‘neurose cultural brasileira’, onde se confia na mulher negra para cuidar afetivamente dos filhos das patroas brancas e, ao mesmo tempo, nega-se a ela a possibilidade de ascensão educacional e econômica. Lógico, se assim for, onde a elite conseguirá contratar domésticas? E se as condições de vida das domésticas forem melhores, a educação delas mais avançada, com certeza o salário será muito elevado e muitas deixarão de ser domésticas.
Democracia Racial: mais um sintoma
Outro sintoma da ‘neurose cultural brasileira’, que foi construído pela elite e é a sequência do colonizador ao longo dos anos, foi a noção de que o povo brasileiro vive uma democracia racial. Como se a convivência fosse, de fato, pacífica, principalmente quando se olha para as mães pretas, por elas terem um vínculo de cuidado e zelo para com as crianças brancas dos seus senhores. Mas esta sadia convivência foi amplamente defendida pelos pesquisadores eurocêntricos nas universidades do país, também pela música brasileira se acentuou esta falácia: “Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza...”. De um povo ordeiro e passivo, que no cotidiano convive com cenas de um racismo cruel sanguinário, que vitimiza negros para cadeias públicas e para as estatísticas de homicídio. Neste sentido do contraditório, que Lélia Gonzalez afirma:“...Para nós o racismo se constitui como sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira.”(GONZALEZ, 2020, p. 76).
O lixo vai falar
Lélia busca na psicanálise elementos que justificam a necessidade do dizer, do falar. Pois na falsa construção do racismo estrutural, a mulher negra principalmente, mas também o povo negro como um todo, foi colocado na condição de não poder falar, de não poder dizer. Especificamente em Miller, um seguidor da psicanálise a partir de Lacan, Lélia vai alavancar a voz do lixo:“... Psicanálise e lógica, uma se funda sobre o que a outra elimina. A análise encontra seus bens nas latas de lixo da lógica. Ou ainda; a análise desencadeia o que a lógica domestica.”(GONZALEZ, 2020, p. 77 (Miller)).
Assim, a lógica da dominação é domesticar, onde a mulher negra boa não fala, pois não sabe falar, mas ela é doce e sabe cuidar dos filhos dos brancos. Como ressalta Lélia:“A única colher de chá que dá pra gente é quando fala da “figura boa da ama negra” de Gilberto Freyre, da “mãe preta”, da “bá”, que “cerca o berço da criança brasileira de uma atmosfera de bondade e ternura”. Nessa hora a gente é vista como figura boa e vira gente.”(GONZALEZ, 2020, p. 87).
E é nesta perspectiva que Lélia se posiciona junto com suas companheiras de luta no feminismo negro.“Exatamente por que temos sido falados, infantilizados (infansé aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, por que fala pelos adultos), que neste trabalho assumimos a própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.” (GONZALEZ, 2020, p. 77,78).
Aos que vão se empoderando da identidade negra nesta luta antirracista, que assumem este lugar de fala, o ser negro já não é tão legal assim. Pois a elite branca vem com a ideia de que eles também são racistas, são radicais e ‘amargos’, trazem para o conflito social o conceito de racismo reverso, por exemplo ‘tá vendo, são mais racistas do que nós’ e vendem a ideia que os negros estão sempre no ataque.
Sinais visíveis da neurose cultural brasileira
Podemos ver sinais da “neurose cultural brasileira” nos sintomas de depressão que faz do Brasil campeão desta doença mental na América Latina. No aumento de ocorrências de crime de racismo e agressões diretas à população negra por parte de pessoas brancas. Na agressão da polícia militar nas comunidades periféricas que tem como alvo principal os negros. No índice de infectados e mortos pela COVID-19, que atinge diretamente os negros. No baixo índice de negros que atingiram o patamar de estabilidade socioeconômica, que não chega a 6% da população. Nas ruas de nossas cidades que despejou milhões de famílias brasileiras, em sua quase totalidade negra. Com a volta do Brasil no mapa da fome em 2021. E muitos outros sinais.
Lélia, de fato, nos ajuda a entender as raízes desta ebulição de conflitos e colabora para que, ao entendermos, possamos construir novos referenciais e destruir o paradigma estigmatizante da falsa democracia racial brasileira, que a colonização e os herdeiros dos bens de consumo desta terra construíram sutilmente na cultura do povo brasileiro. Estamos ainda só no começo, mas é possível já ver sinais desta luta crescente de forma sistemática e fundamentada, com um perfil comunitário que torna mais difícil ser destruído.
“- Pois é. A senhora disse-me que não ia mais comer as coisas do lixo.
Foi a primeira vez que vi a minha palavra falhar. Eu disse:
- É que eu tinha fé no Kubstchek.
- A senhora tinha fé e agora não tem mais?
- Não, meu filho. A democracia está perdendo os seus adeptos. No nosso país tudo está enfraquecendo. O dinheiro é fraco. A democracia é fraca e os políticos fraquíssimos. “E tudo que está fraco, morre um dia.”(JESUS, 2014, pg 39)
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Politícia e Sociedade 17/03/2022 15:00:53 1326
“...O meusorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.”(Jesus, 2014, p. 38)[i] Dandocontinuidade a esta série “Sociedade antirracista”, para texto neste site e osvídeos no meu canal do Youtube, vou abordaro conceito pinçado por Lélia Gonzalez[ii]“Neurose Cultural Brasileira”. Elaborandoum conceito Lélia Gonzalez, ao recorrer da psicanálise a partir de Laca...
Psicanálise Contextualizada 07/03/2022 18:22:56
O Dia Internacional da Mulher, a meu ver, precisa sempre iniciar com o “Silêncio Orante” pelas 130 mulheres que foram assassinadas dentro de uma fábrica têxtil, pois em 8 de março de 1911 na cidade de Nova York, enquanto as operárias faziam protesto dentro da fábrica por melhoria das condições de trabalho, sendo que a média diária de trabalho era de aproximadamente 14 horas por dia ininterruptamente, homens ateavam fogo por fora da fábrica, com as portas trancadas. Elas morreram asfixiadas.
Luto pelos milhares de mulheres que continuam sendo vítimas do feminicídio que é generalizado em todo o planeta. No Brasil de 2020 foram aproximadamente 648 mulheres assassinadas, representando um aumento de quase 2% em relação a 2019.
Celebrar é necessário, mas antes mesmo é necessário memorizar a história para ter significado de luta, para avançar na construção de uma sociedade com equidade entre mulheres e homens em todos os âmbitos e em todos os lugares. Temo, e fico com um “pé atrás”, quando vejo lojistas, mídia e jornalismo, trazendo uma maquiagem falseada de promoções, prêmios e paetês em torno deste dia. Uma isca do capitalismo de consumo em uma questão sócio crítica de luta.
Mulheres Negras
Aqui, remeto-me às reflexões de pensadoras negras no atual contexto da luta por uma sociedade antirracista, como as reflexões de Djamila Ribeiro, Ângela Davis, beel hooks e Lélia Gonzales, dentre muitas outras.
Estava esperando no semáforo de uma avenida da cidade de Vitória/ES onde resido, indo para minha clínica bem cedo, e observei um grande número de mulheres descendo de um coletivo e atravessando a faixa de pedestre. Logo entendi que se tratava de empregadas domésticas provenientes de bairros periféricos da cidade para trabalharem nas residências de suas mulheres patroas, pois logo ao lado havia um condomínio de muitos prédios de classe A, com cinco prédios de aproximadamente 20 andares, cujos apartamentos são avaliados em torno de um milhão e duzentos mil a um milhão e quinhentos mil. Consegui contar quantas mulheres eram negras e quantas eram brancas. Fiz uma amostragem indicada pelo Pesquisador e escritor Silvio Almeida, que em seu livro “Racismo estrutural” nos ajuda a perceber o racismo no Brasil. Mesmo tendo sido vendida, ao longo de nossa história, a ideia de que no Brasil não há racismo, Almeida indica fazermos esta breve contagem por percepção fenotípica. Nesta minha contagem no semáforo, observei entre 11 mulheres, 9 negras e 2 brancas, 81%. Lógico, que é uma percepção hipotética, contudo, supus serem trabalhadoras domésticas, Já que não seriam executivas descendo de um coletivo as 06h30min da manhã, chegando antes das 7h da manhã, para liberarem suas patroas para irem também o trabalho. As domésticas, com máscaras, saíram provavelmente entre 5h a 6h de suas casas, deixando seus filhos sabe-se lá com quem, num coletivo abarrotado de trabalhadores. As patroas, na sua quase totalidade, acredito, de carro e sem máscaras.
Nesta cena, pensei sobre o quanto que ser Mulher Negra neste país pesa absurdamente mais do que o ser Mulher em si.
As pensadoras e pesquisadoras negras emergentes na atualidade, principalmente as que militam na causa do feminismo negro, entendem que, na pirâmide de exclusão social, a mulher negra está no último escalão, sendo primeiro o homem branco, depois a mulher branca, depois o homem negro e depois a mulher negra. Com certeza, se formos acompanhar os ambientes de trabalhos das patroas das trabalhadoras domésticas, veremos que a proporção de mulheres brancas em relação às negras se inverte, quando comparada ao ambiente de trabalho doméstico. Veja você mesmo nos bancos, nas universidades, e inclusive nas escolas particulares, veremos um índice proporcional de quase 90% de mulheres brancas contra 10% de mulheres negras. É sempre bom lembrar que, no Brasil, 60% da população é afrodescendente.
Machismo Pessoal
Tenho dirigido muito, tanto na cidade como nas estradas, por conta do trabalho. Recentemente, percebi o meu machismo (é evidente que ele não aparece só nesta situação), coisa que tenho tentado fazer após ler o próprio Silvio Almeida dentro das demandas de práticas enraizadas na cultura que ele nomina de Estrutural, e associado a uma série de artigos e livros que tenho pautado meus estudos para a Clínica Psicológica em torno do machismo. Parto da indicação de não ter medo de se ver manifestando comportamentos machistas, pois a tendência dos homens é de negar o machismo. Eu me pego todos os dias em cenas machistas, e isso tem ajudado a me posicionar na construção do antimachismo e acredito que tenho melhorado. Hoje mesmo minha esposa disse que já melhorei muito nas minhas posturas machistas, e olha que ela é militante das causas feministas. Mas vamos à cena:
Estava na estrada em direção à cidade de Linhares/ES onde tenho uma clínica psicológica, e um veículo estava andando na velocidade, a meu ver lenta, e eu fiquei preso atrás deste veículo por um longo trecho que não permitia ultrapassagem, o que estava me deixando ansioso e irritado, pois tinha horário para começar a atender. Ao conseguir ultrapassar este veículo, dou uma buzinada reclamando, e, no veículo, quem dirigia era uma senhora, que desceu o vidro e deu um sorriso. Mas logo pensei em voz alta “Só podia ser mulher”. Este é um machismo estrutural, a noção de que os homens dirigem melhor que as mulheres e elas são “barbeiras” no volante. Mas depois pensei sobre este meu ato.
É um machismo estrutural, pois me lembro de uma cena na relação com meu pai que, dentre centenas de cenas machistas dele que presenciei, esta é uma clássica: estava varrendo a cozinha de casa a pedido de minha mãe que sempre colocava os filhos para fazer atividades de cuidado da casa. Minha mãe preparando a comida do almoço, e sempre meu pai chegava no horário certo para almoçar. Mas neste dia que estava varrendo a cozinha, meu pai resolveu chegar mais cedo e ai foi um inferno ao me ver varrendo a cozinha. Ele logo foi atacando a minha mãe dizendo: “Você vai deixar este menino ‘boiola’ (homossexual)”. Olhou para mim e disse: “sai daqui menino, vai brincar”. Eu achei ótimo, pois depois disto, nunca mais fiz nada na casa de minha mãe. Mas herdei um machismo estrutural que hoje custa muito caro para mim.
Esta parece uma cena ridícula de tão simples que é, mas o machismo é uma força comportamental coletiva que se fortalece pelas inúmeras e centenas e milhares de cenas mínimas como esta, que vai formando um conceito no modo de viver dos homens na sociedade e vai se avolumando até chegar no feminicídio coletivo.
Nesta posição de reconhecer o machismo estrutural, tenho indicado ações para homens tanto no ambiente familiar como no trabalho, no sentido de buscarem mecanismos de auto percepção do machismo pessoal e também de fazer ações de parceria com as mulheres. É muito comum, nós homens, que vivemos em um casamento dizermos com frequência que ajudamos nossas companheiras nas tarefas de casa, o que já é uma expressão machista. Ajudamos ou fazemos juntos?
Celebrar
Diante de um cenário nada animador, poderíamos dizer que as mulheres tem muito pouco a celebrar. Mas mesmo diante das adversidades, e das muitas conquistas que ainda estão por vir para as mulheres galgarem a equidade de direitos em relação aos homens, vale a pena celebrar sim. Celebrar as muitas conquista já realizadas.
Lembrei-me da célebre frase de Che Guevara: “Há que se manter na luta sem perder a ternura”. Por isto, vamos celebrar sim, com alegria, mais um Dia Internacional da Mulher, sem perder a utopia, o sonho e a esperança da conquista da tão sonhada equidade de direitos.
Feliz dia Internacional da Mulher !
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Psicanálise Contextualizada 07/03/2022 18:22:56 543
ODia Internacional da Mulher, a meu ver, precisa sempre iniciar com o “SilêncioOrante” pelas 130 mulheres que foram assassinadas dentro de uma fábrica têxtil,pois em 8 de março de 1911 na cidade de Nova York, enquanto as operárias faziamprotesto dentro da fábrica por melhoria das condições de trabalho, sendo que amédia diária de trabalho era de aproximadamente 14 horas por diaininterruptamente, h...
Psicanálise Contextualizada 15/02/2022 09:04:06
Dando sequência a esta série de artigos e vídeos (veja o primeiro vídeo desta série), vou refletir a partir da construção desenvolvida pela pesquisadora Lélia Gonzalez, graduada em Geografia, História, Filosofia, pós-graduada em Antropologia, e desenvolvedora de estudos em Psicanálise. Fundou o Movimento Negro Unificado (MNU). Lélia sempre atuou na militância política tendo se candidatado a cargos legislativos, como foi na época para a Assembleia Constituinte em 1986. Um currículo invejável de uma das maiores referências para a construção da identidade do povo negro no Brasil, de modo especial pela sua esperança e profecia de ver o país como uma nação negra de fato.
Dentro de sua trajetória acadêmica, se aporta da teoria psicanalítica no sentido de entender a construção da identidade do negro na sociedade brasileira, pegando efeitos linguísticos da exploração da mulher negra, que neste texto será discutido a partir do livro organizado por Flávia Rios e Márcia Lima “Lélia Gonzalez - Por um feminismo afro-latino-americano”[1].
Neurose Cultural Brasileira
Neste sentido, começo com o conceito da Neurose Cultural Brasileira:
“O lugar em que nos situamos determinará nossa interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e do sexismo. Para nós o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira.” (Gonzalez, 2020, p. 76).
A partir deste conceito vamos observar o modo como Lélia Gonzalez utiliza da psicanálise para construir referências de entendimento da cultura, política, etnia e linguística na estruturação do povo negro no Brasil. Porém, vamos deixar a fundamentação deste conceito, e a forma com que Lélia Gonzalez o construiu a partir da psicanálise, para o próximo texto na sequência destes artigos.
Aqui vou trazer parte das muitas inquietações de Lélia na construção de seu pensamento. Um fragmento de percepção a partir de escolas públicas periféricas quando observava como a Psicologia era usada - e é usada até hoje - como instrumento de controle social e manutenção da elite dominante. Uma psicologia predominantemente eurocêntrica, aplicada por psicólogos brancos para enquadrar crianças negras tidas como “problemáticas”, para terem diagnósticos de distúrbios comportamentais e serem enquadradas em um padrão escolar europeu, diametralmente oposto à cultura e história do negro no Brasil, além de ser uma escola totalmente distante do contexto cultural das comunidades periféricas.
"Psicologia dos testes" é eficaz no ambiente educacional?
A origem da Psicologia no Brasil é europeia e iniciou sua trajetória na formatação de testar pessoas para identificar se elas eram ou não doentes mentais ou portadoras de alguma deficiência mental. Tanto que uma das áreas da Psicologia no Brasil que mais dá retorno financeiro aos profissionais Psicólogos é o campo de avaliação. Editoras e pesquisadores vivem produzindo pesquisas de testes nas mais variadas formas e áreas. Lélia cita esta psicologia dos testes para crianças nas escolas, que em sua quase totalidade as crianças negras eram encaminhadas para um departamento de avaliação mental, pois as professoras atribuíam que estas crianças não conseguiam se concentrar e eram muito “indisciplinadas”:
“...vale ressaltar que a maioria das crianças negras, nas escolas de primeiro grau, são vistas como indisciplinadas, dispersas, desajustadas ou pouco inteligentes. De um modo geral, são encaminhadas a postos de saúde mental para que psiquiatras e psicólogos as submetam a testes e tratamentos que as tornem ajustadas.” (Gonzalez, 2020, p. 39).
E continua, quando relata o sofrimento das mães diante das convocações da escola para as reuniões de pais cujo tema é mostrar o quanto seus filhos são um problema na escola:
“...E isso sem contar quando tem de acordar mais cedo (três ou quatro horas da manhã) para enfrentar as filas dos postos de assistência médica pública, para tratar de algum filho doente; ou então quando tem de ir às “reuniões de pais” nas escolas públicas, a fim de ouvir as queixas das professoras quanto aos problemas “psicológicos” de seus filhos, que apresentam um comportamento “desajustado” que os torna “dispersivos” ou incapazes de “bom rendimento escolar”.”(Gonzalez, 2020, p. 58-59).
Sendo especialista em Psicologia Escolar, sempre atuei em comunidades escolares. Até hoje há muita confusão dos professores e pedagogos para entender o papel do profissional de psicologia no equipamento educacional, até porque o sistema educacional não prioriza a formação contínua de seus técnicos, que muitas vezes ficam distantes das produções acadêmicas de pesquisadores brasileiros para a educação. Porém, na psicologia onde os profissionais podem atuar em diferentes áreas e os colocam em contínuo processo de formação, encontramos muitos deles trabalhando com o referencialde normatização. Também a categoria de psicólogos carrega este histórico de atuar no contexto clínico dos centros públicos de saúde mental que tinham a justificativa de testar. Mas na educação, hoje temos a especialidade do Psicólogo Escolar/Educacional que não tem como fundamento (ou não deveria ter), os referenciais clínicos de testagem.
Outro fator é a postura distanciada de muitos dos profissionais da psicologia, colaborando para que o olhar que os outros técnicos da educação têm sobre o papel dos profissionais da Psicologia seja simplesmente o de testar e convalidar as impressões que eles observam do comportamento das crianças. Inclusive muitos tendem a oferecer aos psicólogos recém-chegados uma sala na escola para atender os alunos problemáticos. Com o histórico e legado da psicologia de ser um instrumento de suporte de controle social a partir do referencial da elite dominante, de fato esta trama se dá sem que haja um senso crítico pela instituição escola e pelos psicólogos.
Outro ponto é o grande emergente de cursos de graduação em psicologia que oferecem muito pouca formação no campo da Psicologia Escolar/Educacional, pois a maioria dos cursos de Psicologia são de redes particulares e tem uma visão de inserção no mercado de trabalho, onde a projeção da categoria visa muito áreas que possam ter um melhor campo de trabalho, isso é, melhor remuneração. De fato, um choque de realidade, que causa um distanciamento entre a realidade dos técnicos da educação, que sofrem com baixos salários e pouco estímulo de formação, como um profissional que muitas vezes está em um equipamento educacional público como um trampolim para uma melhor possibilidade financeira de trabalho. A Especialização em Psicologia Escolar/Educacional ainda é pouco procurada também pela baixa perspectiva de emprego e remuneração. Recentemente estou passando por uma situação que grita o quanto os técnicos da educação estão sendo desestimulados a estarem nesta área. Ofereci um voluntariado para desenvolver um projeto de Psicologia Educacional em uma escola pública municipal de ensino fundamental, pois a diretora recém-eleita assim havia me pedido, mas a administração pública vetou toda forma de projetos que não sejam ligados aos da secretaria de educação, principalmente se envolver capacitação de técnicos. E um dos argumentos do governo municipal é ter que avançar na avaliação das crianças com problemas de aprendizado. Ai, novamente, entra o testador psicólogo para desovar a demanda “patológica reprimida”.
Intervenção prática da psicologia nas escolas
Minhas intervenções em escolas sempre foram pautadas pelo método participativo, de levar o coletivo da comunidade escolar que envolve pais, alunos, professores, técnicos da educação e funcionários, como também a comunidade onde a escola está inserida, para colaborar na percepção da realidade sócio-econômica-cultural daquela população, e atuar a partir desta percepção. Porém, ainda o modelo de testar, tratar e medicar as crianças está triunfando no sistema público e privado, com a diferença que no público a maioria dos “problemáticos” são as crianças negras, que passam a ser vistas desta forma por serem negras. As poucas crianças brancas nas escolas públicasnão são encaminhadas como “problemáticas” na mesma proporção de equivalência às crianças negras. E piora o cenário quando na escola os profissionais atribuem que estas crianças “problemáticas” são nascidas em famílias “desajustadas”, onde os pais não moram juntos.
Este contexto é muito bem representado no filme “O contador de histórias”, que retrata a vida de Roberto Carlos Ramos, uma criança da periferia de São Paulo cuja mãe queria oferecer um futuro melhor pela educação, assim o coloca na inaugurada FEBEM, Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (1964), acreditando que lá o filho estaria protegido da violência da comunidade periférica onde residiam. Uma cena no filme chama a atenção: duas psicólogas testando o menino, que ao ser “internado” na FEBEM, transformou-se em um verdadeiro produtor de “traquinagens”. As psicólogas estavam aplicando testes de inteligência com parâmetros europeus e testes projetivos com interpretações psicanalíticas para constatar que o garoto era de fato um problema. Assim, a FEBEM não era o problema, a desigualdade social e a exclusão não eram um problema, mas sim a criança negra. E as Psicólogas a serviço de um estado opressor e cruel com sua população.
Este cenário tendendo sempre a atribuir que os alunos problemáticos geralmente são de famílias desestruturadas, por exemplo, que não tem o pai e a mãe para cuidar, fora dos padrões da família nuclear europeia, levou-me ao livro “Quarto de despejo: diário de uma favelada” [2], de Carolina Maria de Jesus, esta mulher que é a precursora contemporânea urbana na construção da sociedade antirracista, que na década de 1960 traz a cruel realidade de uma favelada:
“...- Estes filhos são seus?
Olhei as crianças. Meu, era apenas dois. Mas como todos eram da mesma cor, afirmei que sim.
- Seu marido onde trabalha?
- Não tenho marido. E nem quero!...” (Jesus, 2014, p. 23)
Na sequência desta série, vou adentrar nos elementos teóricos que Lélia Gonzalezconstruiu o conceito “Neurose Cultural Brasileira”.
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Psicanálise Contextualizada 15/02/2022 09:04:06 1076
Dando sequência a estasérie de artigos e vídeos (veja o primeiro vídeo desta série), vou refletir apartir da construção desenvolvida pela pesquisadora Lélia Gonzalez, graduada emGeografia, História, Filosofia, pós-graduada em Antropologia, e desenvolvedorade estudos em Psicanálise. Fundou o Movimento Negro Unificado (MNU). Léliasempre atuou na militância política tendo se candidatado a cargosleg...
Psicanálise Contextualizada 10/02/2022 17:22:12
Inicio aqui uma série de textos com o título “Sociedade antirracista” que serão a base dos próximos vídeos publicados no meu canal no youtube: Abarca Psicólogo. Confira os vídeos na playlists: Psicologia e Sociedade antirracista
Esta minha iniciativa é resultado de uma série de leituras que realizei no ano de 2021 com a necessidade de conhecer o pensamento de pesquisadores negros do Brasil e do mundo, assim como literários negros, dentro de uma perspectiva de estar me preparando para engajar na luta antirracista. Fator que mexeu muito internamente comigo a partir de entrevistas que assisti da filósofa Djamila Ribeiro em diversos programas de TV e quando li seu livro “Pequeno Manual Antirracista”[1], onde ela traz esta luta para o coletivo, em que negros e brancos possam estar juntos nesta causa.
É preciso entender qual nosso papel e lugar diante desta luta
Sempre estive na militância pela causa antirracista, porém a partir das singelas palavras de Djamila Ribeiro percebi que precisava entender meu racismo estrutural e assumir que faço parte de uma camada da sociedade que é privilegiada. Pelo fato de ser branco, já sou um privilegiado. Assim brotou em mim a necessidade de me posicionar criticamente a partir de uma inserção mais sistematizada nesta causa. Vejam, que depois de 57 anos, e 31 anos de carreira profissional e pelo menos 40 anos militando em coletivos de movimentos negros contra o racismo, só agora identifiquei esta percepção de se ter que fazer a minha contínua autocrítica sobre manifestações do meu racismo estrutural e sobre ser um privilegiado nesta sociedade.
Atuar no movimento negro não me autoriza me sentir igual, pois sempre serei um privilegiado por ser branco. Por ser branco e trabalhar com teorias de base europeia, pela Psicanálise, observei nesta série de leituras que realizei que precisava de fato ouvir o pensamento dos muitos negros que sempre produziram Filosofia, Sociologia, Psicologia, Economia, Direito, etc, a partir dos referenciais da cultura negra, diáspora, afro descendente, mas teorias que eu não estava bebendo na fonte. Fui provocado a sair de minha zona de conforto de acreditar que só se autodeclarar antirracista e militar nesta luta em parcerias com muitos movimentos negros ao longo de minha história, me credenciava a pensar que estava sendo diferente.
Quando Djamila Ribeiro empenha esforços na luta antirracista convocando a sociedade como um todo nesta empreitada “... Afinal, o antirracismo é uma luta de todos e todas.” ( Ribeiro, 2019, p. 15). E manda um recado aos brancos, como eu, dizendo: “Pessoas brancas devem se responsabilizar pelo sistema de opressão que as privilegia historicamente, produzindo desigualdades, e pessoas negras podem se conscientizar dos processos históricos para não reproduzi-los. Este livro é uma pequena contribuição para estimular o autoconhecimento e a construção de práticas antirracistas”. (Ribeiro, 2019, p. 108), me sinto motivado a entrar nessa luta.
O branco se responsabilizar pelo sistema de
opressão que nos privilegia é de fato uma mudança de paradigma, pois geralmente
temos a tendência de jogar a “culpa” no passado e não assumirmos que somos,
enquanto brancos, partícipes da construção deste sistema de opressão. Comecei a
entender que se auto responsabilizar é se colocar na percepção da extrema
desigualdade entre brancos e negros, é reconhecer os múltiplos privilégios de
ser branco e não jogar esta luta para aqueles que se sentem vítimas, como se
esta luta não fosse minha. Não basta dizer que é antirracista, é preciso dar a
cara para bater na defesa pela sociedade antirracista. Mas, na minha condição
de branco, nunca deixar de ver e entender que sou um privilegiado. Pedir
licença à população negra e aos múltiplos movimentos empenhados nesta causa,
para poder participar desta empreitada pela sociedade antirracista.
Como a Psicologia responde a essa dor?
Ao longo de minha carreira como Psicólogo, que perpassa 31 anos de um trabalho de escuta para crianças, adolescentes e adultos pelo viés da Psicanálise, com atuação em sistema público, privado e pelo viés das Organizações Não Governamentais, acabei escolhendo priorizar teorias europeias, de brancos, como é o caso da Psicanálise, da Filosofia, Pedagogia, Sociologia. Pior ainda, levando esta formação às várias realidades sociais periféricas, jogando “goela” abaixo esquemas psicológicos que sempre tinham e tem referência ao padrão de família europeia, que ficou estabelecida numa família restritiva nuclear construída a partir da Revolução Industrial. Como branco privilegiado, levando a formação às camadas populares na sua maioria absoluta de negros, uma teoria para brancos. Negando a história, a raiz e os traços tribais da África Negra que foram dizimadas pelo processo de escravatura portuguesa. Vejam, como que achando que estava fazendo uma boa ação, estava na verdade contribuindo para a perpetuação de teorias europeias dos colonizadores.
A Europa sitiava a exploração do continente africano autorizando o comércio livre na região do Congo e Níger através da Conferência de Berlim em 1884/1885, distribuindo estas regiões da África Negra a ser explorada pelos países europeus. Freud que começa a emergir neste período e tem o marco de início da Psicanálise na publicação do livro “A Interpretação dos Sonhos” (1900) e Lacan, que constrói novos referenciais para a Psicanálise a partir de 1934 na França, não abordam diretamente o racismo e a exploração da mão de obra escrava negra no período da escravatura, como elemento de sofrimento emocional (Pelo menos até agora nunca encontrei algo deles escrito de forma aberta e transparente), mesmo eles estando no epicentro da Europa e vivenciando o histórico saque comercial dos países europeus na África Negra.
Pela teoria Psicanalítica estrutural os vínculos afetivos são organizados de forma semelhante nas diversas realidades do planeta. Sempre a partir da família nuclear forjada pela revolução industrial de um modelo europeu. Não vemos nestes autores um enfoque na ordem de um modelo tribal, como é a base da estrutura familiar dos povos da África Negra quando a Europa invade o continente africano para capturar os negros como animais, separando pessoas de suas tribos, etnias, regiões. Separando familiares de laços consanguíneos para que ao chegarem no Brasil, não tivessem problemas com revoluções internas, insurreições.
No entanto, temos psicanalistas negros debruçados na construção de referenciais para que esta teoria possa servir para auxiliar na formação identitária do negro, resgatando a autoestima e o desejo de fazer acontecer uma sociedade justa e igualitária, que no Brasil precisa passar pela equidade da população negra que é a maioria. Mas são produções que pouco são exploradas no meio psicanalítico.
Novos caminhos para uma Psicanálise mais plural!
Já produziu ampla reflexão sobre os traços culturais do negro no Brasil a pesquisadora Lélia Gonzales, que inclusive não deixa de se utilizar da teoria Psicanalítica para interpretar o fenômeno dos vínculos afetivos a partir das mulheres negras “amas de leite”, nas casas dos brancos escravagistas, fator que vou aprofundar no próximo texto. Também Djamila Ribeiro vai beber da fonte da Filosofia de uma mulher branca e francesa Simone de Beauvoir para respaldar a construção de um pensamento feminista na luta do Feminismo Negro. Ambas não ficam simplesmente reproduzindo uma teoria, como fazem a quase totalidade dos psicanalistas no Brasil, como eu até então, mas sim utilizam como meio para se transformar um olhar e construir novos referenciais.
Assim como argumenta
Silvio Almeida em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura transmitido ao
vivo no dia 22/06/2020, quando é questionado que em sua obra “Racismo
Estrutural” se utiliza de muitos teóricos europeus para construir seu
pensamento, no que ele lembra que a ciência é produzida na Universidade que tem
suas exigências técnicas de pesquisa e são de origem europeia. Silvio Almeida
afirma que, inclusive na academia, para ser pesquisador negro é preciso mostrar
amplo conhecimento das teorias que são referenciadas pela academia, na sua
quase totalidade de brancos europeus, além de se ter um amplo conhecimento da
cultura histórica da África Negra e de todos os detalhes do período de
escravatura no Brasil, sendo que o crivo de exigência acadêmica para um negro
pesquisador é maior do que para um branco. Enfim, para ser reconhecido um
pesquisador negro tem que ser bom mesmo. É neste contexto que Dijamila Ribeiro
se empenha em mostrar que a força do negro não deve estar apenas no futebol, na
força de um corpo esbelto ou no seu gingado, no seu samba no pé, é preciso
mostrar que negro produz ciência de qualidade.
Ao estar inserido nesta causa não apenas por palavras, mas com ações, fui deparando-me com meu racismo estrutural. Cito uma situação de estar realizando um curso de formação para pais e educadores em uma comunidade periférica, fazendo a exposição do conceito “Mãe suficientemente boa”, desenvolvido pelo Psicanalista D. Winnicott que é um branco Inglês, e no decorrer da fala tive a intervenção de uma mãe jovem, negra, amamentando o filho na hora da formação, dizendo que esta teoria servia para as mulheres brancas da Inglaterra, com casa, dinheiro e assistência à saúde. - “Para nós negros da periferia do Brasil, que precisamos sair para trabalhar quando o dia ainda está escuro e chegamos no barraco à noite quando já escureceu, “Mãe suficientemente boa” nunca vai existir”. Aí, caiu a ficha, mesmo estando inserido na luta antirracista, sou um privilegiado falando de teorias de privilegiados para uma população excluída de privilégios.
Mas hoje entendo que para estar nesta luta antirracista na condição de branco, é preciso a contínua percepção de meu racismo estrutural que se manifesta sutilmente em pequenos atos. E também estar sempre atento que mesmo que eu queira estar junto, estarei sempre sendo um privilegiado no meio. Desta e de muitas outras vivencias que fui levantando ao longo da minha prática como Psicólogo comecei a sistematizar um método de trabalho que estou nominando “Psicanálise Contextualizada”, onde eu posso reordenar a forma de agir trazendo os pensadores negros neste processo.
Uma luta de todos e todas!
Nesta série vamos refletir a partir de Djamila Ribeiro, que veio depois de muitos outros nomes, mas na atual realidade brasileira abriu um espectro de penetração na sociedade para os pensadores e literários negros, principalmente ao coordenar a coleção “Feminismos Plurais” da editora Jandaíra que vem colaborando para a publicação de dezenas de livros escritos por pessoas que até então não tinham tanto alcance, ou sendo lidos apenas por pesquisadores em Universidades. Passarei por Carolina Maria de Jesus, a precursora; tendo em Lélia Gonzalez a força intelectual da mulher negra na Universidade, pelos estudos em filosofia, antropologia e psicanálise e na luta política; os pensamentos do Antropólogo Rodney Willians; do Advogado Silvio Almeida; da filósofa afro americana Angela Davis; da pensadora também afro americana bell hooks; do Psiquiatra Frans Fanon; do Geógrafo Milton Santos; do ator Lázaro Ramos; das literárias/os Maryse Condé, Chimamanda, Itamar Vieira Junior, Jhon Conceito (Akiri Conakri). Também passarei por pensadores brancos que embarcaram nesta causa como o Sociólogo Jessé de Souza, que me ajudou a ver o quanto pensadores brancos consolidaram a falsa ideia da democracia racial brasileira, e assim também utilizei nestes estudos o critério de buscar informações de pesquisadores que conseguiram desenvolver pesquisas sem falsos estereótipos, neste sentido também busquei pelos estudos do Economista Celso Furtado e o Jornalista Laurentino Gomes ( mesmo este tendo sua obra amplamente questionada, inclusive por mim, preza pelo arcabouço de dados históricos que foram resgatados em sua ampla pesquisa do período de escravatura no Brasil).
Enfim, uma jornada que desejo e quero trilhar, entendendo que ao produzir estes textos para o site e os vídeos pelo youtube é uma forma de engajamento na luta por uma sociedade antirracista. Assim, meu desejo é transformado em esperança de esperançar, como já preconizou Paulo Freire, na construção da sociedade antirracista.
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Psicanálise Contextualizada 10/02/2022 17:22:12 1235
Inicio aqui uma sériede textos com o título “Sociedade antirracista” que serão a base dos próximosvídeos publicados no meu canal no youtube: Abarca Psicólogo. Confira os vídeosna playlists: Psicologia e Sociedade antirracista Estaminha iniciativa é resultado de uma série de leituras que realizei no ano de2021 com a necessidade de conhecer o pensamento de pesquisadores negros doBrasil e do mundo...
Psicanálise Contextualizada 07/02/2022 17:35:17
Este texto nasce de uma primeira solicitação que meu filho Samuel e sua parceira Gabriela fizeram, em janeiro de 2019, para que eu e minha parceira Maria Celina fizéssemos a celebração de casamento deles, na cidade de Ribeirão Preto-SP. O argumento usado na época foi que tínhamos uma longa história de participação na Igreja Católica e que gostariam que fizéssemos um ritual com uma espiritualidade aberta, sem caráter religioso, pois não seria uma celebração religiosa em si, mas algo para marcar o momento entre amigos e parentes. Outra argumentação foi de que muitos dos convidados não tinham prática religiosa e muitos até eram ateus, além de outros serem de diversas religiões. Topamos, e de fato foi uma experiência que nos levou a entender que o desejo de união conjugal prescinde de alguma forma a espiritualidade. O amor vivenciado e partilhado entre duas pessoas que desejam estabelecer uma parceria, fruto de um romance, um vínculo amoroso, já é um estado de espiritualidade.
Depois, mais recente, neste janeiro de 2022, também outro casal de jovens chegou-nos com a mesma solicitação de celebrarmos um casamento sem a conotação religiosa, com quase os mesmos argumentos de Samuel e Gabriela em 2019. Desta vez foi o casal Tamires e Mauro, que residem em Guarapari-ES . Também topamos e, nesta oportunidade, tivemos uma grata surpresa: um casal de padrinhos era de união homoafetiva masculina. Uma presença que de fato tornaria muito difícil de ser permitida em um culto institucional religioso de base Cristã, tendo em vista que Tamires vem de uma família Católica e Mauro da Igreja Batista, mas não estão praticando religião no momento.
O embasamento que escolhemos para dar suporte significante ao ato celebrativo foi escolher um Judeu tido como ateu, Freud, o pai da Psicanálise; um ex-pastor Presbiteriano, Rubem Alves, um dos maiores Filósofos do Brasil; e uma mulher Católica, Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, que preconiza a “construção da Civilização do Amor”. Desta forma, elaborei assim o momento de reflexão, tanto na celebração do casamento do Samuel e Gabriela como para Tamires e Mauro:
A espiritualidade do amor a partir de Freud
Em “O Mal estar na civilização”, texto de 1930, Freud reflete que a própria civilização que nasce para trazer o bem-estar ao cidadão, acaba tirando dele a possibilidade de uma vida plena, colocando o ser humano em contínuo processo de frustrações, ou em um contínuo sentimento de insatisfação, angústia, sofrimento emocional. A saída que Freud vê nas ações humanas para se superar este mal-estar é a prática religiosa, que traz em si a promessa de uma vida plena, porém muito distante da realidade civilizatória que frustra. Freud chega a citar uma possibilidade de superação deste mal-estar quando cita o exemplo da vida vivida por São Francisco de Assis, que foi pautada por um amor absoluto e totalmente despretensioso. Interessante que Freud sendo um Judeu, e ateu, cita um ícone humano da prática do amor, que é um Santo Católico. Na célebre poesia de São Francisco: “Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado... Amar e ser amado”. Um paradigma inverso ao processo civilizatório que preconiza o bem-estar coletivo priorizando a minoria das elites. Uma promessa vazia. Freud assim afirma que há no Amor, a possibilidade de que o mal-estar na civilização se supere.
A espiritualidade do amor a partir de Rubem Alves
Já em Rubem Alves, quando elabora pensamentos em torno da vida conjugal, distingui dois tipos de vivência, trazendo como figura de linguagem o jogo de tênis e o jogo de frescobol. No tênis, duas pessoas jogam para um vencer e o outro ser derrotado. No tênis, a bolinha deve seguir uma trajetória que o outro não alcance, ou que o outro erre, é uma disputa. Relacionamentos parecidos com o jogo de tênis são continuamente conflituosos, onde há disputa de poder e um tentando destruir o outro, ou como se fala atualmente, relacionamentos tóxicos. Já no jogo de frescobol, a dupla é tida como boa quando um sempre joga a bola para o outro acertar, há uma sincronia entre os jogadores, aqueles que assistem ficam até admirados com tamanha harmonia entre os dois. Assim, casais que vivenciam a parceria conjugal como no jogo de frescobol, tendem a estabelecer um relacionamento saudável. Aqui vem esta dinâmica da reciprocidade que é inerente ao amor.
A espiritualidade do amor a partir de Chiara Lubich
Já em Chiara Lubich, ela vai traçar a percepção que deu o nome de “Fio de ouro”, pois ao observar as práticas das principais religiões no planeta, ela constatou que em todas elas o amor é o centro de convergência, dentro da perspectiva de não fazer ao outro aquilo que você não gostaria que fosse feito a você, como também de fazer ao outro aquilo que gostaria que fosse feito a você. Com este pensamento, Chiara Lubich perseguiu sua vida buscando a integração entre os diferentes líderes religiosos, preconizando a construção da “Civilização do Amor”. E nesta perspectiva, o casal que cultivar a prática do amor para além de suas necessidades pessoais, transportando para a sociedade, terá melhores condições de superar os obstáculos inerentes de uma família que se estrutura a partir do sim de um casal.
A espiritualidade do amor como o centro da relação do casal
Vejam que para diferentes pensadores, com diferentes posturas e práticas religiosas, o Amor é o centro argumentativo para o estabelecimento da espiritualidade conjugal. Neste sentido, a espiritualidade está, em si, na prática do amor, que não necessariamente precisa estar em uma prática religiosa. Por isso que muitos que praticam religião não conjugam a espiritualidade do amor, e muitos que não praticam religião conjugam a espiritualidade na vivência do amor. Desse modo, um ateu pode ser uma pessoa com muita espiritualidade se conjuga a prática do amor.
Lembrando que conjugar a prática do amor não
significa viver sempre praticando o amor, pois de alguma forma estamos em um
processo civilizatório que individualiza as pessoas para o amor a si mesmo,
assim, deixando-nos expostos para a quebra desta espiritualidade, puxando-nos
às necessidades apenas pessoais, é o tal do “cai e levanta/erra e acerta”. Mas
aqui estamos falando do amor que brota no encontro com o outro, nesta troca,
que precisa ser relembrado a cada dia. Neste sentido, marcar o início de uma
vida conjugal com um marco simbólico celebrativo tem este valor de referência,
ponto de partida.
Ao prometerem o amor na celebração do casamento, dentro da formatação que os noivos nos solicitaram, não podemos deixar de lembrar que é uma forma de assumir, num coletivo, este compromisso de amor diante de amigos, parentes e padrinhos, sabendo que é um devir, um desejo. Pois mesmo que se prometa a vivência da espiritualidade do amor para sempre, o amanhã não existe. O ontem passou. O que existe é o hoje. Todas essas promessas só valem mesmo pelas vinte e quatro horas vividas. Mas se o casal tem como princípio a espiritualidade do amor, já representam um casal desejoso, esperançoso, ávidos para viver intensamente esta espiritualidade.
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Psicanálise Contextualizada 07/02/2022 17:35:17 874
Este texto nasce de uma primeira solicitação quemeu filho Samuel e sua parceira Gabriela fizeram, em janeiro de 2019, para queeu e minha parceira Maria Celina fizéssemos a celebração de casamento deles, nacidade de Ribeirão Preto-SP. O argumento usado na época foi que tínhamos umalonga história de participação na Igreja Católica e que gostariam quefizéssemos um ritual com uma espiritualidade aber...
Psicanálise Contextualizada 03/11/2021 17:40:12
Em 1882 um dos maiores clássicos da literatura brasileira era publicado e ninguém melhor do que Machado de Assis para escrever esta obra prima: “O Alienista”. Li este livro pela primeira vez em 1985, na época do meu pré-vestibular, por fazer parte da lista de livros que eram indicados para as provas de língua portuguesa.
Recentemente fiz esta releitura, desta vez, com toda a minha trajetória na Psicologia, 35 anos inserido nos aprofundamentos da Psicologia como Ciência e Profissão, leio “O Alienista”[i] com um novo olhar. Um olhar de quem tem a certeza de que no Brasil a vida segue do mesmo jeito que no ano de publicação desta obra.
Ontem, o poder público facilitando a vida de especuladores médicos, concedendo favorecimentos para intervenções na saúde, hoje com o desenrolar da CPI do COVID-19 no Senado, o escândalo de favorecimentos à grupos de medicinas para intervenções na pandemia que estão levando a óbito milhares de brasileiros.
Ontem, um Simão Bacamarte, que em nome da ciência, da cura e da missão de limpar a cidade da ameaça dos “loucos” que a cada dia a invadiam, que tem aprovação de seus atos pela Câmara Municipal de Itaguaí/RJ, cenário construído no romance de Machado de Assis. Hoje, o plano de saúde Prevent Senior que foi alvo de investigação por indicarem procedimentos de prevenção ao COVID-19 sem reconhecimento científico, fora muitos outros procedimentos em saúde que aconteceram pelo Brasil afora que na desgraça alheia tiveram lucros em plena pandemia, sempre se utilizando do sistema de saúde pública.
Machado de Assis trás em O Alienista, um corte específico da intervenção especulativa da medicina e do favorecimento público sobre a doença coletiva, a demanda da saúde mental. No meu segundo ano cursando Psicologia na UNESP de Assis/SP, participei do Primeiro Congresso Brasileiro pela Luta Anti Manicomial que aconteceu nas instalações da UNESP de Bauru em 1986. Neste congresso iniciava a incansável luta dos trabalhadores do sistema de saúde mental público pela humanização dos manicômios e a abertura dos mesmos. Questão que ganhou força na Lei Paulo Delgado 10216 de 2001, que instituiu um novo modelo de tratamento aos portadores de transtornos mentais no Brasil. Eu tive uma boa experiência no ano de 1987 onde trabalhei por quase três meses na condição de estagiário no manicômio estadual da cidade de Casa Branca/ES, na época eram 1200 internos, sendo que 80% deles não se tinha o paradeiro, pois foram despejados neste manicômio no período do regime militar de 1964 a 1985.
O Alienista (aquele ou aquela que trata de indivíduos com transtornos mentais), com uma posição de caridade, com a fina intenção de ajudar aqueles que sofrem por uma dor na alma, se aproveita da fragilidade destes sofredores e da angústia de suas famílias que não sabem lidar com a “loucura”, propõe que a Câmara Municipal favoreça a estruturação de um espaço especializado (manicômio), que na obra leva o nome de “Casa Verde”.
Os manicômios de ontem são hoje as clínicas psiquiátricas, que na maioria delas acabam sendo subsidiadas pelo órgão público, que por medidas cautelares fazem com que o estado tenha que financiar muitos tratamentos daqueles que não podem pagar; também podem ser comparados com os consultórios psiquiátricos de hoje, principalmente nos esquemas que observamos na saúde pública dos municípios em que contratam psiquiatras para diagnosticar e medicar, sem um projeto de saúde mental nos moldes de assistência contínua e humanitária previstas pela Lei Paulo Delgado.
Conheço vários Psiquiatras que rodam em vários municípios concomitantemente fazendo este tipo de procedimento. Até presenciei um fato em que o Psiquiatra antes de tirar férias de um dos muitos municípios que atuava, deixava uma lista enorme de receitas assinadas para serem distribuídas no período de suas férias.
Veja este trecho da obra: “Que importa? Temos ganho muito – disse o marido (...) D. Evarista ficou deslumbrada. Era uma via láctea de algarismo.”[ii]. Aqui, o alienista dialoga com sua esposa sobre a possibilidade de realizar despesas de lazer da família, por ocasião do lucro que a “Casa Verde” já estava registrando.
Este cenário me remontou a um período e que alguns médicos me ofereceram sociedade em uma clínica de recuperação de dependentes químicos, com o argumento de que eu entendia bem de tratamento para dependentes, pois já havia atuado em comunidades terapêuticas do gênero e por que seriam estabelecidos parcerias com prefeituras de toda a região. Na época, refutei tal proposta por ver com clareza o caráter mercantilista com verba pública.
Ao longo dos meus trinta anos de carreira, que foram vivenciados quase sempre em cidades de interior, recebi muitos pacientes que solicitavam minha intervenção por que as famílias estavam negociando apoios de câmaras municipais, fator que sempre refutei também. Enquanto lutávamos para a implantação no SUS da Lei Paulo Delgado, as movimentações espúrias por parte de profissionais da saúde e também de políticos, puxavam para manutenção de um sistema de saúde mental de lucratividade para a medicina e favorecimentos aos políticos. Como em O Alienista este cenário é retratado de forma até humorística. Depois de 140 anos temos um cenário muito parecido.
Ainda quero trazer aqui mais uma faceta do livro de Machado de Assis,
que é sobre o quanto a especulação diagnóstica sobre os transtornos mentais,
associando a obsessão de Simão Bacamarte em decifrar o perfil da loucura de
cada sujeito que ele definia que precisava ser internado na “Casa Verde” de
ontem, com os processos diagnósticos a partir do CID 10 e DSM V para transtornos
emocionais, que se faz atualmente. Brinco que dificilmente um sujeito sai de
uma consulta Psiquiátrica sem ser medicado.
Mas quero trazer aqui a referência mais escandalosa que tenho presenciado, que é o enquadre de crianças no Transtorno do Espectro Autista, onde se abriu um leque tão enorme de sintomas que cria o enquadramento de muitas crianças neste espectro, levando as escolas a ficarem enlouquecidas para tentarem adaptar o processo educacional a esta demanda, com o desalento de ter um Ministério Público exigindo a inclusão. Lógico que é necessária a inclusão, mas a partir de qual diagnóstico? Na “Casa Verde” de Itaguaí, o Alienista viu sua casa desmoronar por pressão da população quando quase toda a cidade estava internada por algum diagnóstico do Alienista. Hoje, nas escolas, estamos vendo um crescente número de crianças “Laudadas” (diagnósticos superficiais) levando as escolas a serem o novo espectro manicomial da sociedade moderna.
O Alienista é uma obra tão impactante, que na edição atual que fiz minha releitura, editada pela editora Antofágica, Daniele Lima, Filósofa e pesquisadora da obra de Michel Foucault levanta a hipótese de que Foucault tenha lido O Alienista para embasar seu pensamento filosófico sobre a produção da loucura e os processos de cárceres manicomiais.
Enfim, uma obra a ser muito explorada, de um escritor que pensou para muito além de seu tempo, Machado de Assis.
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Psicanálise Contextualizada 03/11/2021 17:40:12 1507
Em 1882 um dos maiores clássicos da literatura brasileira era publicadoe ninguém melhor do que Machado de Assis para escrever esta obra prima: “OAlienista”. Li este livro pela primeira vez em 1985, na época do meu pré-vestibular,por fazer parte da lista de livros que eram indicados para as provas de línguaportuguesa. Recentemente fiz esta releitura, desta vez, com toda a minha trajetóriana P...
Psicanálise Contextualizada 28/09/2021 11:32:14
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Psicanálise Contextualizada 28/09/2021 11:32:14 437
Esta é uma realidade crescente no Brasil e que os dados estatísticos não conseguem acompanhar em tempo real, pois o tema suicídio ainda é visto como tabu e muitos setores da mídia entendem que, se falarem muito deste tema, podem incentivar o aumento de casos. A meu ver é um erro grotesco imaginar que trazer números atualizados sobre o suicídio juvenil no Brasil pode aumentar o número de casos. Ao...
Psicanálise Contextualizada 11/08/2021 17:51:03
Neste dia dos pais de 2021 recebi três presentes em espécie dos meus três filhos, Samuel Iauany, Davi Taynã e Helder Manacô. Os três fizeram uma “vaquinha financeira” e escolheram três peças temáticas: duas regatas para corrida, um vinho português e um par de chinelos. Sempre incentivamos esta prática na vida de nossos filhos, no dia das mães eu comprava um presente para cada um ofertar para minha esposa INA, e ela fazia o mesmo no dia dos pais. Depois, já na adolescência, eles iam até as lojas e já escolhiam. Agora, depois que tornaram jovens adultos, já se propõem a compor uma “vaquinha” financeira para tal.
Até aí, nada de novidade. Ajudamos o ciclo mercantilista destas datas, mas com certeza colaboramos para o comércio, que emprega muita gente.
A diferença neste ano foi que cada um dos filhos registrou em palavras escritas uma bela mensagem para externar o sentimento do dia dos pais. Nossa! Aí a sensação foi muito boa. Os presentes sempre são bem-vindos, ainda mais se utilitários. No mesmo dia, à noite, já fui correr com uma das regatas que ganhei. Mas a escrita do sentimento filial ao pai está cravada na existência da alma. É de fato uma massagem na alma.
Aqui, deixo registradas as mensagens:
"Ser pai é estar sempre presente na vida dos filhos, seja do jeito que for, e nunca parar de idealizar o melhor para eles. Ser pai é estar aberto para aprender durante o caminho, e entender que essa é a melhor maneira de ensinar também. Ser pai é tentar sempre estar na melhor versão, pra mostrar que nunca devemos parar de correr atrás! Ser pai é tudo isso que eu aprendi com você, obrigado por ser um exemplo! Te amo." (Davi Taynã, 24 anos)
"Pai, Um bom vinho para as noites de música e partilha com a coroa. Um par de chinelos na sua caminhada da vida. E as regatas para você continuar cuidando de sua saúde. Quero dizer que olho para você com muito amor e carinho, só tenho o que agradecer a você. Tive a sorte de ser abençoada com um pai que move montanhas para ver sua família bem. Obrigado por tudo e que você tenha um maravilhoso dia dos pais. Te amo." (Helder Manacô, 19 anos)
Este dizer escrevendo é sentimento preso. A escrita crava o que por palavras o vento pode levar. Chegar à vida adulta dos filhos recebendo estas belas declarações dá a sensação de que eles estão no caminho da construção da autonomia pessoal.
A paternidade é uma escolha e é um legado de cada pai. Assim, sou pai de três filhos. Mas os filhos na vida adulta já não são meus e nunca foram. Simplesmente emprestei minha vocação de pai e minha escolha de paternidade para ajudar três cidadãos a trilharem seus próprios destinos a partir de suas escolhas pessoais. Mas muito agrada a um pai ver que os filhos, já na vida adulta, escolhem também referenciar o pai como alguém que ajudou e ajuda a estruturar os alicerces deles.
Sempre incentivei meus filhos nesta arte de escrever sentimentos, ou pela escrita corrente ou por alguma expressão artística. Pois este legado humano da escrita, que faz a história perpassar, é a possibilidade de se fixar sentimentos.
Hoje, eles escrevem bem e podem utilizar esta
facilidade para continuarem a expressar sentimentos. Quem sabe de também um dia
trilharem este ciclo de uma paternidade amorosa (fato que o Samuel Iauany já
iniciou gerando a neta Luna), capaz de verbalizar e deixar registrado na
escrita para que eles desejarem o profundo sentimento do EU TE AMO.
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Psicanálise Contextualizada 11/08/2021 17:51:03 564
Neste dia dos pais de 2021 recebi três presentes emespécie dos meus três filhos, Samuel Iauany, Davi Taynã e Helder Manacô. Ostrês fizeram uma “vaquinha financeira” e escolheram três peças temáticas: duasregatas para corrida, um vinho português e um par de chinelos. Sempreincentivamos esta prática na vida de nossos filhos, no dia das mães eu compravaum presente para cada um ofertar para minha es...
Politícia e Sociedade 06/08/2021 18:55:47
Estamos vivendo tempos de retrocesso no Brasil. Uma nítida tendência de retorno à idade média, onde o fundamentalismo religioso condenou muita gente à morte, principalmente aqueles que manuseavam a ciência. Em nome de Jesus Cristo, condenavam pessoas como bruxas e bruxos e as queimavam nas fogueiras ou decepavam suas cabeças.
Esta articulada conversa de defesa sobre o voto impresso, que o Presidente Bolsonaro jogou lenha na fogueira para tentar salvar seu governo que saiu tão rapidamente dos trilhos (e a população brasileira, ainda bem que já começou a perceber), ainda cativa os aliados deste projeto de extrema direita do atual presidente e convence e/ou faz aumentar o caldo daqueles que investem na desestabilidade democrática do país em vista a terem benefícios.
Sabemos que o golpe militar de 1964, ano em que nasci, não foi somente uma ação para moralizar a nação supostamente mergulhada em corrupção, mas sim, foi a elite da época, que estava representada pela oligarquia brasileira, quem arquitetou o Golpe de 64 e depois nadou em plenitude nos bens que esta terra sempre ofereceu aos mais endinheirados. E com isso, o regime militar no Brasil, que foi de 1964 a 1985, enriqueceu ainda mais os que já eram enriquecidos e ainda fez emergir uma nova classe de políticos que eles, os militares, nomearam para governar os estados. Esta classe está contida até hoje no grupo de parlamentares que leva o nome de “Centrão”, do qual Jair Bolsonaro sempre fez parte nos seus quase trinta anos como Deputado Federal. Com os militares, a corrupção andou solta neste período.
Com a abertura política de 1985, ano em que ingressei no curso de Psicologia na UNESP campus de Assis-SP, pudemos voltar a votar, e ainda na época o voto era impresso. Gente, quem estava vivo naquela época, votou e participou de mesas de apuração dos votos, sabe muito bem o quanto a contagem manual humana dos votos dava margem sem precedentes para aproveitamento de votos em branco e/ou não contagem de votos. E como demorava os resultados nas urnas. Também, de alguma forma fomos vendo o emergir de lideranças e partidos que saiam do eixo ARENA dos militares e MDB da oposição pacífica aos militares (ou dos intelectuais forjados pela elite). Neste cenário, surgiram governantes que de alguma forma deram visão ao olhar social, a projetos para a inclusão e para o processo de amadurecimento da democracia, que após 21 anos de ditadura militar estava começando a dar seus primeiros passos.
Depois, quando já formado em Psicologia e o Brasil andando a trancos e barrancos, porém melhor que no período militar, pois os ventos da liberdade democrática sopravam, acabei aceitando em conjunto com minha esposa Maria Celina de desenvolver um projeto social na área da Saúde Integral da Mulher na cidade de Pinheiros-ES, que fica no extremo norte do Espírito Santo. Lá, desenvolvemos muitas ações no campo social diretamente vinculado à Diocese de São Mateus-ES, que na época Dom Aldo Gerna era o Bispo. Tivemos como mentor deste projeto o Padre Italiano Domenico Salvador. Na época, as Comunidades Eclesiais de Base estavam com muita força e fomentavam esperanças ao povo sofrido de nosso interior brasileiro tão cheio de injustiças sociais. A Pastoral da Juventude estava muito forte e nas eleições municipais de 1996 vários jovens da região se lançaram candidatos a vereador e prefeito. Em Pinheiros-ES, pudemos colaborar com a campanha eleitoral para vereadora da jovem, mulher, pobre e negra, Zenilda dos Santos, a ZENI. E é daqui que trago a cena do voto impresso.
Estava acompanhando a apuração dos votos de ZENI e, para tal, fiz uma planilha para manusear, pois ainda não tínhamos as facilidades digitais de hoje. Em todas as urnas Zenilda tinha votos, numa média de 12 a 15 votos. Depois de um tempo, que me lembro 12 urnas corridas na sequência, zerou os votos de Zeni no painel manual oficial de apuração que eram postados em papéis. Achei estranha esta quebra de votos e solicitei ao Juiz eleitoral que estava acompanhando a apuração a recontagem dos votos das urnas que Zeni havia zerado. O Juiz acatou, pois também considerou estranho. Após a recontagem, a mesma média de votos apareceu e a ZENI acabou sendo eleita. Se não fosse esta recontagem, seria outro candidato a se eleger, um que tinha o apoio de fazendeiros da região.
Assim que as cédulas apareciam, comecei a observar que alguns membros da mesa apuradora ficavam com canetas nas mãos e ao se depararem com votos em brancos, riscavam algo no voto. Imaginem isso em uma cidade pequena do interior deste país e transportem este cenário em nível de Brasil? Quantos erros de contagem de votos por ação planejada. Após o episódio, comecei a receber recados que ao término das apurações a “coisa ia pegar para meu lado”. Nesta época, o estado do Espírito Santo tinha a fama no Brasil de ter profissionais pistoleiros para matar, que a oligarquia agrária contratava. Havia até uma instituição paramilitar de aluguel de matadores. Fiquei sim com medo, e antes de acabar a apuração, eu e minha esposa saímos para passar a noite em uma cidade vizinha, para os ânimos se acalmarem. Depois disso, no ano seguinte, foi publicada uma lista de dez pessoas da cidade que estavam marcadas para morrer, e meu nome saiu em primeiro lugar. Na época, achava tudo isso uma aventura. Mas, de fato, estávamos correndo muito risco de vida. Zenilda fez um belo mandato de vereadora, mas foi tão atacada moralmente por quatro anos, pela oligarquia local, que faziam até panfletos anônimos a chamando de “cadela negra” (Feminicídio e racismo). Ela acabou saindo de Pinheiros-ES e mudou-se para Vitória-ES, onde reside até hoje e atua como Professora da rede pública.
E vejam, em 1999 começou o processo das urnas eletrônicas, que foi algo espetacular, em que esta patente brasileira não foi encampada pelo mundo afora por ser brasileira. Quem é este país para criar uma coisa tão avançada desta? O processo foi se aprimorando e nestes longos anos de urna eletrônica não se tem prova de falcatruas. Se há questionamentos da fragilidade das urnas, com certeza também há da contagem manual humana, algo que a própria história já provou que é mais violável do que as urnas eletrônicas.
Apostar no voto impresso, com nossa estruturada experiência do voto eletrônico, é de fato uma posição de não convivência com a democracia, é perfil de grupos que querem impor domínio. Sabemos que questionar e ter visão diferente da maioria é um direito e uma posição, mas dentro de uma perspectiva dos olhares e opiniões no estado democrático de aceitar o posicionamento que tem o apoio da maioria, é saber se colocar no processo democrático. Do contrário, é puro exercício dos interesses pessoais.
No caso de Jair Bolsonaro está claro: ele criou um veneno para desestabilizar e ameaçar a democracia. Um governo que coloca milhares de militares em primeiro, segundo e terceiro escalão, espalhados em todas as instâncias de poder do governo federal, sabendo que estes mesmos militares já foram usados para golpear e controlar, não está louco e nem é bobo. Está sim querendo a perpetuação do poder e, assim, ter poder para direcionar os benefícios políticos e financeiros para a sua fatia de apoiadores, como aconteceu com o regime militar no Brasil. E observem que de fato é uma pequena fatia da população que ainda hoje está dando as mãos a esta estratégia política.
Que minha experiência possa servir para alguma reflexão sobre o retorno do voto impresso e as artimanhas que toda esta trama representa.
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Politícia e Sociedade 06/08/2021 18:55:47 506
Estamos vivendo tempos de retrocesso no Brasil. Umanítida tendência de retorno à idade média, onde o fundamentalismo religiosocondenou muita gente à morte, principalmente aqueles que manuseavam a ciência.Em nome de Jesus Cristo, condenavam pessoas como bruxas e bruxos e as queimavamnas fogueiras ou decepavam suas cabeças. Esta articulada conversa de defesa sobre o votoimpresso, que o Presidente B...
Psicanálise Contextualizada 02/06/2021 12:35:43
A Psicanálise em Winnicott de fato vai para além das demandas de estrutura psíquica do indivíduo e extrapola os limites da clínica psicológica. Desde o primeiro vídeo no meu canal do Youtube, até os textos que acompanham cada vídeo no meu site (O pensamento de Winnicott), vamos observando a versatilidade e amplitude de extensão para diferentes áreas da sociedade. Aqui, temos a possibilidade de observar alguns fragmentos sobre democracia, num tempo brasileiro onde estamos sob ameaças ao nosso tão frágil sistema democrático.
“Parece possível encontrar um conteúdo latente importante no termo “democracia”, qual seja, de que uma sociedade democrática é “madura”, quer dizer, que apresenta uma qualidade que é aliada a maturidade individual que caracteriza seus membros saudáveis.” (WINNICOTT, 1950, 2011- p. 250)[1]
Assim, a maturidade é, em Winnicott, a chave para poder vivenciar a democracia. Tenho constantemente orientado pais e professores que não é possível esperar a capacidade de exercício democrático entre crianças e adolescentes, pois de fato o processo de organização social pautado na democracia depende de maturidade emocional, que poderá ser vivenciada plenamente na vida adulta. Neste sentido, quando vejo pais e educadores conversando com crianças e adolescentes como se fossem adultos e capazes de seguirem regras estabelecidas no coletivo de forma livre e espontânea, logo concluo que há uma falta de clareza sobre a imaturidade natural destas idades. Lógico que da primeira infância até a adolescência adulta, que chega à casa dos 18 aos 22 anos, há uma evolução na maturidade sim, porém, para cada etapa deve-se observar o grau de maturidade. Podemos localizar que até os sete anos, aproximadamente, a criança se orienta de forma anômala, segue quase que como um espelho aos adultos; depois evolui para o estágio heterônomo, em que segue as regras como elas são colocadas; e chega na adolescência com a heterônomas, mais questionáveis, pois já começa a amadurecer um pouco mais, porém com a imaturidade inerente ao adolescente.
Professores que arriscam em definir regras no coletivo a partir das necessidades das crianças e adolescentes poderão cair em uma armadilha de perda total do controle de limites sobre os alunos. Lembro-me do filme Sociedade dos Poetas Mortos, de 1989, um drama adolescente dirigido por Peter Weir com o ator Robin Williams. No drama deste filme, o Professor de literatura, que é interpretado por Robin Williams, cria uma sociedade secreta para recitar poesias com seus alunos de uma escola de internato. O professor cai na armadilha de que estava lidando com jovens cheios do desejo de aprender e que respeitariam as regras discutidas no grupo de forma democrática. O resultado é catastrófico. Nestes dias me surpreendi com um menino de seis anos pagando a conta do restaurante com o cartão de crédito do pai, onde ele até digitava a senha. Aqui encontramos duas armadilhas: o pai acreditar que o filho já está pronto para manusear seu cartão de crédito e o restaurante aceitar uma criança fazer o pagamento passando o cartão do pai, sendo que o pai não estava presente. São muitas as cenas em que nos deparamos com esta falta de percepção dos adultos em identificar as naturais imaturidades de seus filhos.
Winnicott vai pensar o tema da democracia a partir do voto nas eleições, característico de regimes democráticos. “No exercício do voto secreto, toda a responsabilidade pela ação é assumida pelo indivíduo, se ele for suficientemente saudável para isso. O voto expressa o desfecho de uma luta dele consigo mesmo, tendo sido a cena externa internalizada e portanto trazida em forma de associações ao interjogo de forças existentes em seu próprio mundo pessoal, interno.” (WINNICOTT, 1950, 2011- p. 252)
Aqui, o voto representa necessidades internas que vão ser pronunciadas nas urnas conforme a identificação que cada indivíduo vai fazendo para tomar uma decisão que é dele. Por este motivo temos regras e fiscalizações para que haja liberdade no ato de votar, procurando-se eliminar campanhas publicitárias apelativas ao emocional, uso do poder econômico, etc. Por isso que Winnicott afirma que “Se democracia é maturidade, e maturidade é saúde, e se a saúde é desejável, então vamos procurar algo que possa promovê-la. Com certeza, não ajuda nada impor uma máquina democrática a um país.” (WINNICOTT, 1950, 2011- p. 257). Por isso mesmo que no Brasil o voto é obrigatório, pois há uma imposição para a democracia em um terreno imaturo, que de forma heterônoma os adultos precisam respeitar. A pergunta é: Está dando certo?
Maturidade está associada com saúde e, consequentemente, com democracias estáveis. Se ainda não vimos esta realidade acontecer e, atualmente, vivemos uma democracia em plena ameaça, com parte da população acreditando que um regime militar é a solução, concluímos que temos uma nação com muita força na imaturidade de seu povo. A imaturidade no adulto se revela na crença em promessas messiânicas e na necessidade de um salvador da pátria, ressalta a força nos políticos corruptos e se corrompe na venda de seu voto. Eu não tenho dúvidas da imaturidade coletiva da população brasileira, que numa construção histórica de falácias e mentiras, com força nos privilégios de uma elite dominante, faz sustentar um picadeiro da falsa democracia. E o resultado é o que estamos vendo: a democracia ameaçada.
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Psicanálise Contextualizada 02/06/2021 12:35:43 647
A Psicanálise em Winnicott de fato vai para além das demandas deestrutura psíquica do indivíduo e extrapola os limites da clínica psicológica.Desde o primeiro vídeo no meu canal do Youtube, até os textos que acompanhamcada vídeo no meu site (O pensamento de Winnicott), vamos observando a versatilidade eamplitude de extensão para diferentes áreas da sociedade. Aqui, temos apossibilidade de observa...
Psicanálise Contextualizada 01/06/2021 19:14:08
“Nas fantasias inconscientes como um todo, referentes ao crescimento durante a puberdade e a adolescência, existe a morte de alguém. Boa parte delas pode ser enfrentada através do jogo, de deslocamentos e a partir de identificações cruzadas.”(WINNICOTT, 1968,2011, p. 155)[i]
Neste site tenho diversos artigos sobre adolescência e no canal do Youtube vários vídeos sobre o mesmo tema. Neles aponto sobre o processo de morte na passagem do ser criança para o ser adolescente. A morte do corpo de criança, a morte dos pais de criança e a morte da identidade de criança são fatores que Winnicott nos apresenta como ‘morte de alguém’. Ela é elaborada na interação com o mundo a partir dos jogos, deslocamentos, isto é, para diferentes experiências que até podem causar prejuízos para a adolescência, como é o caso do encontro de grupos de riscos sociais e a própria delinquência. O adolescente também vai elaborando essas mortes pela identificação cruzada, a partir de vínculos amorosos e das identificações com os pais e educadores - por oposição, aproximação ou identificação.
Assim, a adolescência se apresenta com a marca da imaturidade, que é diferente da imaturidade na criança. Na adolescência a imaturidade é camuflada com a marca da autodefesa por ataques. Winnicott nos lembra que “A imaturidade é um elemento essencial da saúde durante a adolescência. Só existe uma cura para a imaturidade – a passagem do tempo e o crescimento para a maturidade que o tempo pode trazer. No fim, essas duas coisas resultam na emergência de uma pessoa adulta.” É uma etapa que deve ser respeitada, pois representa uma passagem, que pode alongar-se mais ou menos conforme o ambiente de proteção, variando entre os 12 e os 22 anos.
A adolescência é um tempo de construção de referências para se chegar à vida adulta. Nesta forma de ver, cabe aos pais e educadores não querer acelerar a maturidade dos adolescentes, mas sim, ter a capacidade de acolher esta imaturidade que tende a evoluir lentamente até a sua real maturidade. Quando não se respeita esta etapa, por parte dos adultos, haverá conflitos, tendências de patologizar os adolescentes e até haverá processos repressivos, que lá na frente prejudicarão o processo maturacional, por antecipação ou até adiando a maturidade.
Esta configuração da imaturidade do adolescente é o que já apontei aqui, em artigos anteriores, como a Psicopatologia da Adolescência Normal, que aos olhos dos adultos - que não querem ou não conseguem acompanhar esta etapa – tendem a caracterizar como portadores de uma doença mental. De fato, há casos que parecem um quadro de desintegração emocional, mas que devem ser bem avaliados para detectar se está dentro do espectro normal da imaturidade desta fase da vida.
Quando, de fato, os adolescentes chegam ao máximo do desafio e da contravenção é melhor avaliar se sua estrutura segue um caminho normal de maturidade ou se é já sinal de um transtorno.
O melhor caminho é estar junto, participar e de alguma forma dar liberdade, com a referência daquele velho ‘conselho popular’: Não desamarre o adolescente da corda, mas pode dar muita corda para ele ter a liberdade de construir seus referenciais conforme cada etapa de sua adolescência vai lhe pedir. Aqui vale a liberdade assistida, com o tal do “mas, porém, todavia...”
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Psicanálise Contextualizada 01/06/2021 19:14:08 726
As perdas “Nas fantasias inconscientes como um todo, referentes ao crescimentodurante a puberdade e a adolescência, existe a morte de alguém. Boa parte delaspode ser enfrentada através do jogo, de deslocamentos e a partir deidentificações cruzadas.”(WINNICOTT, 1968,2011, p. 155)[i] Neste site tenho diversos artigos sobre adolescência e no canal do Youtubevários vídeos sobre o mesmo tema. N...
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